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Processo nº 832/01 Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. A ..., com os sinais identificadores dos autos e “na qualidade de mandatário da lista LICO - Lista Independente de Covelães concorrente às Eleições Autárquicas realizadas em 16 de Dezembro de 2001, na freguesia de Covelães, do concelho de Montalegre”, veio, “com base no disposto no artigo 158º da Lei Orgânica número 1/2001, de 14 de Agosto” (doravante LEOAL) interpor recurso contencioso para este Tribunal Constitucional “da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Montalegre que considerou nulo um voto na referida lista LICO - Lista de Independentes de Covelães para a Assembleia de Freguesia de Covelães, voto este que havia sido validado na respectiva Secção de Voto – Secção de Voto número 1 da freguesia de Covelães”, invocando, em resumo, o seguinte:
- na referida Secção de Voto “foi apurado como válido um voto, expresso na lista LICO - Lista Independente de Covelães, que apresentava uma cruz muito imperfeitamente desenhada dentro do respectivo quadrado”, mas contra “esta decisão de validação, protestou o delegado do PS – Partido Socialista, presente no acto do escrutínio”, sendo que o protesto foi indeferido, tudo conforme consta da acta da assembleia de apuramento local.
- o questionado boletim de voto “foi presente, dentro de envelope lacrado, na Assembleia de Apuramento Geral” e aí “foi deliberado invalidar o respectivo voto na lista LICO - Lista Independente de Covelães”, mas tal deliberação “foi objecto de reclamação também indeferida”, tudo conforme também consta da acta da assembleia de apuramento geral.
- todavia, como “se vê do boletim de voto em análise, o eleitor revelou a sua vontade inequívoca ao desenhar, dentro do quadrado colocado em frente da lista LICO - Lista Independente de Covelães, uma cruz, ainda que muito imperfeita”, sendo que “a intercepção dos segmentos se encontra totalmente dentro do referido quadrado”, pelo que “tal voto tem que ser considerado válido por satisfazer, minimamente, os requisitos legais, como manda o artº 133º, nº 2, da Lei Orgânica número 1/2001, de 14 de Agosto (matéria antes regulada, por forma totalmente idêntica, no artº 85º, número 3, do Decreto-Lei número 701-B/76, de 29 de Setembro)”.
“Aliás, observando com atenção todo este processo eleitoral, é bem evidente que a Assembleia de Apuramento Geral, maioritariamente socialista, ao invalidar o voto em causa, não cuidou, minimamente, de respeitar a clara intenção de voto do eleitor, mas, claramente, quis forçar novas eleições para a Assembleia da dita freguesia de Covelães, na qual o PS havia perdido, para a LICO, por um
único voto!”
E adianta o recorrente as seguintes conclusões:
“1. O boletim de voto em causa contém, dentro do quadrado sito em frente da lista LICO - Lista Independente de Covelães, uma cruz, ainda que muito imperfeitamente desenhada.
2. Tal sinal é inequívoco da vontade do eleitor em votar na referida lista LICO,
3. E não pode ser considerado nulo em face do disposto no art. 133°, número 2, da Lei Orgânica 112001, de 14 de Agosto.
4. É, aliás, Jurisprudência constante deste Tribunal considerar como válido o voto assim expresso, ainda que a cruz aposta no quadrado respectivo se limite a uma muito leve intersecção de linhas (V ., entre muitos mais, os Acórdãos números 864/93 e 6/98)
5. O presente recurso é tempestivo”.
Com a petição do recurso juntou o recorrente seis documentos:
“Doc. 1- Certidão comprovativa da qualidade do recorrente Doc. 3 – Certidão da acta da assembleia de apuramento local – Secção de Voto número 1 – freguesia de Covelães, a requisitar. Doc. – Certidão da Acta da Assembleia de Apuramento Geral Doc. 5 Certidão do Edital com os resultados da Assembleia de Apuramento Geral e do dia e hora a que o mesmo foi afixado. Doc. 6 – Requerimento nos termos do art. 159º, nº 1, parte final, da Lei
1/2001”.
2. Dos demais partidos concorrentes, só veio contestar o Partido Socialista, em articulado apresentado pelo seu mandatário F..., com a seguinte conclusão:
“1. O boletim de voto em causa não tem uma cruz mas apenas um pequeno traço. Está portanto, fora do âmbito do definido acórdão 6/98 e 864/93 do Tribuna Constitucional e não se enquadra no nº 2 do artigo 133°- da Lei anteriormente citada.
2. Nesse voto aparece um sina1 que de forma alguma pode significar vontade do eleitor em votar naquela candidatura, e apenas pode ser interpretado como indecisão, indefinição ou até arrependimento do eleitor relativamente a qualquer intenção de voto.
3. O recurso apresentado pelo do mandatário da Lista LICO não deverá ser aceite porque o assunto não foi por si reclamado na Assembleia de Apuramento Geral como
é obrigação de acordo com o expresso no nº 1 do artigo 156° da já referida Lei, havendo preterição desta formalidade legal”
3. A requerimento do recorrente, que foi deferido, o Governo Civil do Distrito de Vila Real remeteu a este Tribunal os seguintes elementos:
“1 Boletim de voto sobre o qual incide o presente recurso.
1 Acta da Secção de Voto nº 1, da Assembleia de Voto da freguesia de Covelães, Concelho de Montalegre.
1 Fotocópia autenticada de parte da acta da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Montalegre, que incide sobre o objecto do presente recurso”.
4. Cumpre decidir.
Vê-se dos elementos documentais juntos pelo recorrente e remetidos pelo Governo Civil do Distrito de Vila Real que da Acta da Assembleia de Apuramento Geral da Eleição dos Órgãos das Autarquias Locais de Montalegre consta o seguinte quanto
à eleição da Assembleia de Freguesia de Covelães:
“Com o material eleitoral respeitante à assembleia de freguesia de Covelães, secção de voto n° 1, vinha um boletim para a Eleição da Assembleia de Freguesia,
relativamente ao qual foi lavrado protesto (conferir acta das operações eleitorais). A mesa de apuramento local entendeu considerar tal voto válido. Submetida a questão a esta assembleia de apuramento geral deliberou a mesma considerar o voto em causa, que se encontra rubricado, nulo, atendendo, ao critério que tem vindo. a ser seguido na análise dos votos já apreciadas, segundo o qual se entende por cruz a intersecção dentro do quadrado de dois segmentos de recta, ainda que imperfeitamente desenhadas.
Neste momento, pela representante do PSD foi apresentada nova reclamação ‘por esta assembleia estar a usar dualidade de critérios, pois no caso em apreço - protesto de um voto na mesa n° 1 da freguesia de Covelães - não houve decisão da assembleia apuramento local; mesmo assim esta assembleia de apuramento geral decidiu pronunciar-se sobre a irregularidade, ou seja, sobre a validade ou nulidade do voto’.
A mesma representante, veio de novo reclamar ‘da decisão da assembleia geral apuramento, por ter considerado nulo um boletim de voto protestado na mesa n° 1 da freguesia de Covelães, por entender que neste boletim está expressa a vontade do eleitor e que está desenhada uma cruz, embora imperfeita’.
Quanto à ultima questão colocada e, reafirmando-se o que já acima se referiu, nomeadamente quanto aos critérios utilizados por esta assembleia de apuramento geral para apreciação do que seja voto nulo, deliberou esta assembleia por unanimidade nada acrescentar às razões que já ficaram expostas para considerar o voto em apreço nulo.
No que respeita à primeira questão ora colocada, determina o art. 149°, nº 1, da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, que a assembleia de apuramento geral decide sobre os boletins de voto em relação aos quais tenha havido reclamação ou protesto. Por seu turno, de harmonia com o que dispõe o art. 134°, nº 3, da Lei Orgânica em referência, se a reclamação ou protesto não forem atendidos pela mesa, os boletins de voto reclamados ou protestados são separados, anotados no verso com a indicação da qualificação dada pela mesa e do objecto da reclamação ou do protesto, e rubricados pelo presidente da mesa e pelo delegado do partido que apresentou a respectiva reclamação ou protesto. Acrescenta o nº 4 do mesmo preceito legal que a reclamação ou protesto não atendidos não impedem a contagem do boletim de voto para efeito de apuramento geral.
Na situação em apreço, e no que concerne à eleição para a assembleia de freguesia de Covelães refere-se na acta das operações eleitorais que houve um voto nulo e um boletim de voto sobre o qual incidiu reclamação ou protesto e que foi considerado nas listas. Da mesma acta das operações eleitorais consta o protesto apresentado pela delegada do PS, defendendo a mesma que no boletim de voto em questão não está escrita uma cruz, mas apenas um traço. Feita a análise da acta das operações eleitorais, e tendo em atenção tudo o acima exposto, deliberou esta assembleia de apuramento geral, por unanimidade, o seguinte: Não é de atender a reclamação em apreço apresentada pela representante do PSD por do teor da acta das operações eleitorais ser patente que, apesar de protestado, o boletim de voto referente à eleição da assembleia de freguesia de Covelães, foi considerado pela assembleia de apuramento local como válido. Entendeu ainda esta assembleia de apuramento geral que o facto de no verso do boletim de voto em apreço não estar anotada a qualificação dada pela mesa ao mesmo, não obsta à prolação da presente deliberação, uma vez que é o único boletim relativamente ao qual houve protesto, o mesmo mostra-se rubricado e vinha separado dos demais votos considerados pela assembleia de apuramento local como válidos o boletim de voto em apreço estava junto à acta, cadernos eleitorais e boletins de voto com votos nulos. Notifique Neste momento, pela representante do PSD foi requerido que fosse exibida a acta de apuramento local.
Submetido o assunto à assembleia de apuramento geral, por esta foi deliberado por unanimidade deferir o requerido. Veio a representante do PSD requerer a passagem de certidão de todas as actas das assembleias de apuramento local. Colocado o assunto à consideração dos membros da assembleia de apuramento geral, deliberaram os mesmos, por unanimidade, deferir o requerimento. Passe as competentes certidões”.
Vê-se ainda dos mesmos documentos que o edital a que se refere o artigo 150º da LEOAL foi afixado no dia 21 de Dezembro de 2001, “às 09H00 e 15 minutos” e o boletim de voto questionado tem dois traços irregulares no quadrado correspondente à “Lista Independente de Covelães – Lico, II”.
Inexistindo obstáculos processuais quanto à legitimidade e quanto à tempestividade, há, porém, que apreciar um obstáculo processual pretensamente derivado da falta de apresentação de protesto ou reclamação por parte da lista concorrente e ora recorrente, conforme sustenta o Partido Socialista, o que significaria, a ser procedente, que não teria sido cumprido o requisito específico exigido no nº 1 do artigo 156º da LEOAL.
Com efeito, e de acordo com o aí previsto, as irregularidades ocorridas no decurso do apuramento local ou geral “podem ser apreciadas em recurso contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram”.
Ora, da acta do apuramento local em causa apenas consta o protesto do Partido Socialista, relativamente ao boletim de voto controvertido, que foi indeferido, como se relata na petição de recurso. E da acta do apuramento geral não consta nenhum protesto ou reclamação da lista recorrente – lista concorrente às eleições autárquicas para a Assembleia de Freguesia de Covelães, com mandatário constituído – e apenas reclamações ou protestos da “representante do PSD”, sendo um deles relativo à “decisão da assembleia geral apuramento, por ter considerado nulo um boletim de voto protestado na mesa n° 1 da freguesia de Covelães, por entender que neste boletim está expressa a vontade do eleitor e que está desenhada uma cruz, embora imperfeita” (e a assembleia deliberou quanto a esse protesto “por unanimidade nada acrescentar às razões que já ficaram expostas para considerar o voto em apreço nulo”).
Havendo tal protesto, embora só da “representante do PSD”, ele vale, à luz do disposto no artigo 156º, nº 1, da LEOAL, para assegurar a legitimidade para o recurso da lista recorrente, conforme resulta do artigo 157º, uma vez que houve
“decisão sobre reclamação, protesto ou contraprotesto”, podendo recorrer, em geral, todos “os intervenientes no acto eleitoral”.
Não tem, assim, razão o Partido Socialista contestante, quando sustenta que o
“recurso apresentado pelo do mandatário da Lista LICO não deverá ser aceite porque o assunto não foi por si reclamado na Assembleia de Apuramento Geral como
é obrigação de acordo com o expresso no nº 1 do artigo 156° da já referida Lei, havendo preterição desta formalidade legal”.
Há, pois, que prosseguir quanto ao conhecimento do mérito do presente recurso.
5. É, pois, objecto deste recurso a decisão da assembleia de apuramento geral em causa que considerou “o voto em apreço nulo” (ou seja, o voto a que se reporta o recorrente na petição), atendendo ao critério seguido pela mesma assembleia,
“segundo o qual se entende por cruz a intersecção dentro do quadrado de dois segmentos de recta, ainda que imperfeitamente desenhados” (e implicitamente considerou-se que os traços inscritos no quadrado correspondente à “Lista Independente de Covelães – Lico, II” não preenchiam aquele entendimento do que é
“cruz”).
A análise do original do boletim de voto junto aos autos revela, todavia, que há intersecção nos dois traços irregulares naquele quadrado, e isso é bastante para se poder concluir tratar-se de um voto válido.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 115º, nº 4, da LEOAL, preceito que regula o modo como vota cada eleitor, este assinala o voto “com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota”, ditando o nº 2 do artigo 133º que não é considerado voto nulo “o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada (...), assinale inequivocamente a vontade do eleitor”.
Embora, em bom rigor, os riscos ou traços assinalados no boletim de voto questionado não coincidam com uma cruz perfeitamente desenhada, o certo é que “o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme e uniforme” no sentido de definir “a cruz como a intersecção de dois segmentos de recta, sendo considerado o voto válido se e quando a intersecção ocorrer dentro das linhas que delimitam o quadrado” (como se lê no acórdão nº 6/98, nos Acórdãos, 39º vol., págs. 695 e seguintes). Ora, é esta realidade que o boletim de voto controvertido revela, pois, como já ficou dito, há intersecção nos dois traços irregulares feitos dentro do quadrado, tendo, assim, de considerar-se válido o voto.
Com o que merece provimento o presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso e julga-se válido o voto controvertido, atribuindo-se, por consequência, à lista recorrente mais um voto para a Assembleia de Freguesia de Covelães.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2002 Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) Maria Helena Brito (vencida, pelos fundamentos constantes da declaração de voto da Exª. Conselheira Maria Fernanda Palma) Artur Maurício (vencido, nos termos da declaração de voto da Exmª Cons. Maria Fernanda Palma) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de Voto
Voto vencida por entender que o voto considerado válido pelo Tribunal não deveria ser apreciado como tal por não representar uma cruz ainda que imperfeitamente expressa para um qualquer observador, não sendo de presumir que o possa ser para o próprio votante, ainda que geometricamente possa ser discutível que haja uma intersecção de linhas. Enquanto acto de comunicação da vontade eleitoral segundo critérios legais estritos (artigo 115º, nº 4, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), a percepção da vontade eleitoral não se compagina com uma elevada dúvida do observador sobre a mesma. Apesar de Ter seguido o anterior critério do Tribunal, altero a minha posição em face destes fundamentos.
Maria Fernanda Palma