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Processo nº 556/98
ACTA
Aos vinte e seis de Maio de mil novecentos e noventa e oito, achando-se presentes o Ex.mo Presidente, Conselheiro José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros Messias Bento. Luís Nunes de Almeida, Maria Helena de Brito, José de Sousa e Brito, Alberto Tavares da Costa, Paulo da Mota Pinto, Guilherme da Fonseca, Vítor Nunes de Almeida, Maria dos Prazeres Beleza, José Manuel Bravo Serra e Artur Faria Maurício, foram trazidos à conferência - nos termos do disposto no nº 5 do artigo 12º da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto - os presentes autos. Após debate e votação, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte
ACÓRDÃO Nº 391/98
1. O presidente da assembleia de freguesia de Caramos, concelho de Felgueiras, por requerimento entrado em 21 de Maio corrente, veio solicitar a este Tribunal a apreciação da constitucionalidade e da legalidade de 'uma consulta directa aos cidadãos eleitores [ dessa] freguesia', com a seguinte pergunta: ² Concorda que a freguesia de Caramos seja integrada no futuro concelho da Lixa?² .
Juntou, a instruir o seu requerimento, cópia autenticada da acta da reunião extraordinária dessa assembleia de freguesia, que teve lugar no dia 12, também do corrente mês, na qual foi deliberada a realização do que aí já se designou como 'referendo' sobre a questão enunciada.
2. Após a última revisão de que foi objecto, operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, deixou a nossa lei fundamental de falar - como antes falava, no nº 3 do artigo 241º - de ² consultas directas aos eleitores² a nível local, passando agora a referir-se, sem qualquer eufemismo, à figura do ² referendo local² , contemplado nos termos seguintes, que são os do actual artigo 240º, nº 1: ² as autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelece² .
Esta alteração constitucional, porém, não encontrou até ao momento reflexo no plano da legislação ordinária - pois que, neste plano, é ainda a Lei nº 49/90, de 24 de Agosto, sobre as ditas 'consultas directas', que subsiste, e subsiste inalterada. Daí que seja esse mesmo diploma o invocado no requerimento, e neste continue a aludir-se também a uma 'consulta directa' aos cidadãos da freguesia em causa (não obstante a designação de 'referendo' utilizada, como já se disse, pela assembleia de freguesia).
Vai partir-se do princípio, de todo o modo, de que o ² desfasamento²
, que por agora se verifica, ao menos no plano formal, entre a Constituição e a lei ordinária (lei orgânica) não constituirá impedimento dirimente à possibilidade da realização de referendos locais, enquanto aquela lei não for alterada. É que - dir-se-á - sendo a ² consulta directa aos cidadãos a nível local² e o ² referendo local² , no fundo e substancialmente, o mesmo instituto, a ² vontade conjectural² (para dizer assim) do legislador de revisão, ao adoptar agora para esse instituto, sem reticências, a segunda qualificação, há-de ter sido a de que a Lei nº 49/90, mesmo enquanto não modificada, continue a aplicar-se aos, agora, 'referendos locais', na medida do possível e, porventura, com as actualizações e adaptações que se mostrem necessárias, e que aos seus mesmos aplicadores cumprirá introduzir.
E, sendo assim, também não haverá, evidentemente, de atribuir-se qualquer relevo à terminologia utilizada pelo requerimento em apreço.
Posto isto, irá, pois, apreciar-se, face ao disposto na Lei nº
49/90, numa 'leitura' actualizada, combinada com os próprios princípios e regras constitucionais sobre a matéria, a viabilidade jurídica da realização do referendo local sub judice e, desde logo, a admissibilidade do correspondente requerimento.
3. Do teor da acta que acompanha o requerimento do presidente da assembleia de freguesia de Caramos apura-se o seguinte:
- a assembleia foi convocada para discutir e votar a integração da freguesia de Caramos no futuro concelho da Lixa, atentos os projectos de lei nºs
468/VII e 476/97, pendentes na Assembleia da República;
- foram cumpridos os requisitos legais relativos, tanto à forma de convocação da reunião, como ao quorum para a efectiva realização da, mesma, já que na mesma se achavam presentes todos os membros da assembleia, no total de nove;
- no decurso da reunião, e sem que esse específico tema constasse da convocatória, foi debatida a questão da realização de um referendo sobre a matéria em discussão, havendo-se manifestado opiniões divergentes a tal respeito. No seguimento de tal debate, foi apresentada, e submetida a votação, uma proposta do presidente da assembleia de freguesia no sentido da não realização do dito referendo, proposta essa que foi rejeitada com 5 votos contra, 2 votos a favor e 2 abstenções;
- por seu turno, no seguimento desta votação, foi apresentada pelo presidente da junta de freguesia uma nova proposta, esta outra no sentido de se promover a realização de um referendo, entre os cidadãos eleitores da freguesia, com a pergunta supra enunciada, proposta que foi aprovada por 7 votos a favor, 1 contra e 1 abstenção.
É a deliberação da assembleia de freguesia de Caramos, traduzida na aprovação desta proposta, - recte, o referendo a que a mesma respeita - que ora se submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
4. A descrição, que acaba de fazer-se, do contexto em que foi tomada tal deliberação logo impõe a conclusão, todavia, de que o requerimento presente ao Tribunal deve ser liminarmente rejeitado.
É certo que às assembleias de freguesia também cabe a faculdade de deliberar a realização de referendos, de âmbito circunscrito ao universo dos cidadãos eleitores recenseados na respectiva área, desde que incidentes sobre matéria da sua competência ou da junta de freguesia (cfr. artigo 6º, nº 1, e artigos 3º e 4º da Lei nº 49/90). Mas a tomada dessa deliberação deve obedecer, desde logo, a determinados requisitos ou exigências formais ou de procedimento, que, no caso, não foram integralmente respeitados.
Com efeito, dispõe-se no nº 2 ainda do artigo 6º da Lei nº 49/90 que
'a deliberação referida no número anterior é obrigatoriamente tomada, em sessão ordinária ou extraordinária, no prazo de 15 dias a contar da data da recepção da proposta para realização da consulta [ agora, ¢ referendo¢ ] '. Por sua vez, no tocante ao 'poder de iniciativa', ou seja, à faculdade de apresentar aquela proposta, dispõe-se no artigo 8º da mesma lei que dele são titulares, por um lado, 'as assembleias ou os órgãos executivos da autarquia' [ alínea a)] e, por outro lado, 'um terço dos membros das assembleias ou dos órgãos executivos da autarquia em efectividade de funções' [ alínea b)] . Ora, ainda que possa extrair-se de uma leitura literal deste último preceito
(cuja interpretação será susceptível de suscitar algumas dificuldades) a conclusão de que, no caso (que é necessariamente o vertente, dado o número de membros da correspondente assembleia) de a junta de freguesia ser constituída por três membros, o respectivo presidente (ou qualquer outro dos membros dela) dispõe, por si só, da possibilidade de apresentar à assembleia de freguesia uma proposta de referendo paroquial; e ainda que se aceite que, em tal hipótese, essa proposta não tem de ser previamente 'formalizada' no próprio órgão executivo da freguesia - ainda que se admita tudo isso, a verdade é que do transcrito nº 2 do artigo 6º da Lei nº 49/90 não pode deixar de tirar-se a ilação de que a deliberação sobre a realização de um referendo local pressupõe a apresentação da respectiva proposta previamente à reunião da assembleia em que vai ser votada, como pressupõe que a discussão e a votação dela constem especificamente da correspondente convocatória: seguramente, não pode a proposta de realização do referendo ser apresentada em plena reunião da assembleia local e logo aí discutida e votada (como no caso aconteceu).
Assim - e independentemente de saber se às assembleias de freguesia
é constitucional e legalmente admissível, e em que circunstâncias, deliberarem a realização de referendos locais tendo como objecto a matéria da respectiva reordenação territorial (sobre esta questão, v., por último, o Acórdão nº
390/98, deste Tribunal, hoje mesmo proferido) - tem de concluir-se que a deliberação, relativa à realização de um referendo local, ora em apreço, tomada pela assembleia de freguesia de Caramos, é manifestamente ilegal.
5. Consequentemente, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 12º da Lei nº 49/90, de 24 e Agosto, decide não admitir o requerimento apresentado pelo presidente da assembleia de freguesia de Caramos, relativo à apreciação da constitucionalidade e da legalidade do referendo local cuja realização foi deliberada por essa assembleia de freguesia na sua reunião de 12 de Maio corrente. Messias Bento Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa