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Processo n.º 90/13
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., recorrente nos autos em apreço, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão de primeira instância na qual foi condenado criminalmente, pela prática de crimes de falsificação de documentos e de burla qualificada, na pena única de sete anos de prisão, bem como no pagamento de três indemnizações, respetivamente em quantia a liquidar em execução de sentença até 1000 Euros, em quantia até 2829,10 Euros, e na quantia de 292.380,59 Euros.
2. Por acórdão de 28 de novembro de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso tanto no que respeita à parte criminal (uma vez que o Tribunal da Relação confirmara penas parcelares e pena conjunta inferiores a 8 anos de prisão), como no respeitante à condenação em indemnização cível (por aplicação no processo penal do disposto no artigo 721º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
3. Inconformado, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), indicando três “normas” como objeto da apreciação de conformidade constitucional requerida.
4. Em sede de exame preliminar foi proferida decisão a rejeitar o conhecimento do objeto do recurso na parte respeitante a duas das normas formuladas, prosseguindo os autos apenas para apreciação da norma seguinte:
- A norma do «art. 721º, n.º 3 do CPC e do artº 400º, n.º 1, al f) do CPP, na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo, segundo a qual não é admissível o recurso da parte da sentença concernente ao pedido de indemnização cível, em processo-crime iniciado antes do ano de 2008, por violação do princípio da igualdade e do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, previstos nos artº 13º e 29º, n.º 4 da CRP.»
5. Ordenada a notificação para alegações, sem prejuízo de questões obstativas que pudessem vir a colocar-se também ao conhecimento daquela norma (fls. 1969), viria o Ministério Público suscitar a questão prévia da admissibilidade do recurso com a seguinte fundamentação:
«2. Questão prévia: admissibilidade do recurso
2.1. A questão da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por força da aplicação do artigo 721.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi levantada pelo Ministério Público no parecer que emitiu no Supremo Tribunal de Justiça, onde cita jurisprudência anterior naquele sentido (fls. 1853 a 1856).
O recorrente foi notificado desse parecer e respondeu.
Na resposta questiona aquela interpretação, cita preceitos constitucionais pertinentes, mas não enuncia de forma clara, precisa e adequada uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Efectivamente, não se poderá considerar como tal, o que é afirmado nos artigos 20.º, 24.º e 25.º da resposta.
Por outro lado, o recorrente, no requerimento, refere a alínea f) do nº 1 do artigo 400º do CPP.
Ora essa norma não foi aplicada no acórdão recorrido, na parte que agora nos interessa.
Aqui, a norma do CPP efectivamente aplicada foi a do nº 3 daquele artigo 400º, em conjugação com o artigo 721º, nº 3, do Código de Processo Civil.
2.2. Assim, faltando esses requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não deverá conhecer-se do seu objecto».
6. Na sequência das alegações produzidas foi ordenada a notificação do recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 704.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 69.º da LTC, para, no prazo de 10 (dez) dias se pronunciar sobre a eventualidade de o recurso não ser objecto de conhecimento.
Na resposta que apresentou, o recorrente concluiu do seguinte modo:
“a) A interpretação das citadas normas pelo Ministério Público cerceia o direito ao recurso e de acesso ao direito e aos tribunais, pela aplicação analógica de requisitos e pressupostos de recorribilidade que não estão contidos na lei reguladora da matéria em apreço, em clara violação do Princípio da Legalidade, do art.º 32.º, n.º 1 da CRP, do acesso aos tribunais e tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º da CRP) e do princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito no art.º 1.º da Lei Fundamental.
b) Pelo que face ao exposto, a argumentação aduzida pelo Exmo. Ministério Público, apesar de muito Douta, não deve colher”.
Para assim concluir, expendeu a seguinte fundamentação:
“1 .º
O Recorrente reitera na íntegra, a sua fundamentação do recurso interposto para este Venerando Tribunal a 15.04.2013.
2.º
O princípio da dupla conforme introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24/8 e transposto para o artigo 721.º n.º 3 do CPC não se aplica ao regime de recursos em processo penal.
3.º
Isto porque o artigo 400.º n.º 3 do Código de Processo Penal contém uma norma expressa no sentido de que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização cível, sendo este recurso admissível da Relação para o STJ, em processos cuja decisão seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal recorrido (artigo 432.º, alínea b) e 400.º, n.º 2 do CPP).
4.º
O que significa que o legislador quis estabelecer inequivocamente um regime de recursos no CPP diferente do regime do CPC, tanto assim que quando produziu e aprovou a norma do artigo 400.º n.º 3 do CPP já conhecia a regra da dupla conforme do artigo 721.º n.º 3 do CPC.
5.º
Havendo norma expressa no CPP a regular esta matéria não pode o julgador, de forma totalmente surpreendente e sem respeitar o Princípio da Certeza Jurídica e da Confiança no direito, falar em omissões ou em integração de lacunas que não existem e muito menos em interpretação do que é claro e não precisa de ser interpretado, sob pena de violar, ainda, o Princípio do Estado de Direito, na sua vertente de Segurança Jurídica.
6.º
Deste modo, o Princípio da Segurança Jurídica exige que o legislador ordinário adote normas suficientemente claras e precisas, de tal modo que possam constituir parâmetro expectável da atuação a prosseguir pelos particulares.
7º
Conforme se pode ler no Comentário do Código de Processo Penal, do Prof. Pinto de Albuquerque (4.ª edição Universidade Católica Portuguesa, pag. 230):
“A tramitação do Pedido e Indemnização Cível obedece ás regras do processo penal, não sendo aplicável o art. 678. º do CPC (acórdão do STJ, de 14.11.1991, in BMJ, 411, 453), nem às regras do ónus de impugnação (acórdão do STJ, de 12.01.1995, in CJ, Acs. STG III, 1, 181), nem as regras restritivas de prestação de declarações pelo lesado ou de testemunho pelo conjugue lesado (acórdão do TRC, de 21.11.1996, in CJ, XXV nem as regras de notificação do pedido de indemnização ao demandado (…) nem o art. 631.º do CPC. A obediência às regras do processo penal mantém-se mesmo que o procedimento criminal se extinga, por exemplo. por amnistia, e a ação cível prossiga.”
8.º
Ora ao interpretar o artigo 400.º n.º 3 do CPP no sentido de que o Princípio da Dupla Conforme do artigo 721.º n.os 3 e 4, é aplicável a esse pedido de indemnização, o STJ violou ostensivamente o Princípio de Acesso ao Direito previsto no artigo 20.º n.º 1 e o Principio da Confiança no Direito contido no artigo 2.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
9.º
Isto porque amputou ou eliminou, de forma absolutamente surpreendente, uma dupla instância de recurso (da Relação para o STJ) que o CPP expressamente admite e regula no seu artigo 400.º, n.os 1, 2 e 3.
10.º
Ao proferir tal decisão, sem conceder ao recorrente o direito ao contraditório, o STJ proferiu uma decisão surpresa, imprevisível e contrária à norma do artigo 20.º n.º 3 da CRP.
11.º
A melhor demonstração da violação do direito constitucional de Acesso ao Direito e do Princípio da Confiança no direito por parte do recorrente, é que se tivesse sido instaurada a equivalente ação cível, nos tribunais cíveis, o que poderia ter naturalmente acontecido, o arguido teria sempre a prerrogativa do duplo grau de jurisdição, já que o valor do seu pedido permitia recurso até ao STJ.
10.º
Mas, pelo simples facto de se ter aderido à dedução no âmbito do correspondente processo-crime já o direito de acesso a esse duplo grau de jurisdição pelo arguido, ficou com a decisão do STJ, restringido a uma só instância recursiva, sem que qualquer fundamento se possa apor a favor de tal tratamento desigual.
11.º
Assim, ao ser restringido o livre acesso à mais alta instância viola, inequivocamente, o princípio da igualdade ou da não discriminação, contido no art. 13.º do CRP, bem como o Princípio do Acesso ao direito e da Tutela Jurisdicional Efetiva.
12.º
Com efeito, a exigência de um processo equitativo, consagrado no art. 20.º, n.º 4 da CRP, impõe que, no seu núcleo essencial os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas.
13.º
Neste sentido veja-se aqui, o que o próprio Tribunal Constitucional afirma expressamente:
“O que a lei já não poderá fazer é admitir o recurso em toda uma categoria de casos e depois excluí-lo apenas em relação a um setor dessa categoria, sem que nenhuma justificação objetiva se verifique para tal discriminação - in Processo n.º 18/11, disponível em www. tribunalconstitucional.pt.”
13.º
Mais! Observemos ainda o impressivo acórdão, deste mesmo Tribunal, in Processo 68/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
“Por aquele princípio, quem se encontre em situação igual deve beneficiar de iguais direitos e vantagens e deve estar sujeito aos mesmos deveres e sacrifícios. Se na atribuição de um direito ou vantagem são contemplados apenas alguns dos que, de acordo com o princípio da igualdade, deveriam gozar dele, então existe um privilégio ilegítimo; se são contemplados todos menos alguns, então existe uma discriminação ilegítima. O mesmo se diga, invertendo os dados do problema, para o caso da imposição de deveres ou sacrifícios. O regime do direito de recurso para o STJ também deve respeitar o princípio da igualdade?Sem dúvida! A vantagem que é dispor dele deve ser igualmente atribuída.”
14.º
Apreciando a questão normativa de fundo, dir-se-á que a consequência da aplicação subsidiária do n.º 3 do artigo 721.º do CPC resulta na vedação do acesso do recorrente ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto segunda instância de recurso.
15.º
Decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, um direito subjetivo a que determinada questão jurisdicionalmente controvertida goze de um duplo grau de recurso.
16.º
Pelo que, se terá de concluir ser inconstitucional a interpretação dos normativos suprarreferidos quando deles se extrai que o princípio da dupla conforme introduzido pelo Decreto-lei n.º 303/2007 de 24/8 e transposto para o art.º 721.º, n.º 3 do CPC se aplica ao recurso no âmbito do P.I.C. enxertado em processo penal iniciado antes de 2008, por violação dos direitos constitucionais e princípios referidos.
17.º
O direito ao recurso e de acesso ao direito aos tribunais, ínsito à dignidade da pessoa humana, jamais poderá ser cerceado pela aplicação analógica de requisitos e pressupostos de recorribilidade que não estão contidos na lei reguladora da matéria em apreço, sob pena de violação do art. 32.º, n.º 1 da CRP, do direito de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, art. 20.º da CRP, do princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito no art. 2.º da Lei Fundamental, e ainda o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido (art. 29.º).
18.º
a) Por todos, Ac. Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 360/06.OPTSTB.E1.S1.:
“O regime do recurso quanto à questão cível deduzida no processo penal resultante desta dupla proposição visou, diretamente, criar novas soluções, fazendo caducar a interpretação constante do AUJ 1/2002, que determinava o alinhamento e a consequente irrecorribilidade da questão cível se fosse irrecorrível a correspondente ação penal.”
b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/05/2012:
“I - O regime processual do art. 721.º, n.º 3, do CPC, deve aplicar-se ao processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP, relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o STJ que tenha por objeto o pedido de indemnização civil.
(...)
V - Este sistema da dupla conforme entrou em vigor em 01-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º. n.º 1, e 12.º, n.º 1, do DL 303/2007, de 24-08.
18.º
Mesmo que assim não se entenda e que se julgasse o princípio da dupla conforme aplicável aos recursos instaurados do pedido de indemnização cível formulado no processo penal, este princípio haveria necessariamente de soçobrar uma fez que se encontram em causa questões de particular relevância jurídica e social, como acontece com estes autos.”
Deste modo, sustenta o entendimento de deverem “considerar-se inconstitucionais, e por isso revogadas:
- As normas do art.º 721.º, n.º 3 do CPC e do art.º 400, n.º 1, al. f) e n.º 3 do C.P.P., na interpretação que lhe foi dada, segundo a qual não é admissível o recurso da parte da sentença concernente ao pedido de indemnização cível, em processo-crime iniciado antes do ano de 2008, por violação do princípio da igualdade, do princípio do estado de direito, do acesso ao direito e à tutela efectiva e do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, previstos nos art.º 1.º, 2.º, 13.º e 29.º, n.º 4 e 32.º da CRP”.
Cumpre, assim, começar por apreciar a questão prévia da cognoscibilidade do recurso.
II – Fundamentação
Questão prévia
7. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1 da LTC.
Nos termos desta disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, sendo ainda indispensável que a norma, ou o critério normativo cuja inconstitucionalidade se requer, tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida.
Entende o Ministério Público que não se mostra preenchido o requisito de suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade, uma vez que o recorrente não colocou qualquer questão normativa de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.
Com efeito, para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade normativa, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a matéria em causa (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Compulsados os autos, verifica-se que no parecer que emitiu no Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público levantou a questão da inadmissibilidade do recurso, seguindo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual, “independentemente do acórdão ser recorrível sobre a decisão penal por ter caducado a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ n.º 1/02, DR-A de 21/5/02, a admissibilidade do recurso na parte da sentença relativamente à indemnização cível, terá de se submeter integralmente ao regime da lei adjetiva civil, para poder ser salvaguardada a igualdade entre os recorrentes em matéria civil, quer ocorra no processo penal quer no processo civil” (v. fls. 1854-1855).
O recorrente foi notificado daquele parecer e apresentou resposta ao mesmo, no âmbito da qual questionou a interpretação do artigo 721.º, n.º 3 do Código de Processo Civil defendida pelo Ministério Público, contrapondo o entendimento de que o recurso deveria ser admitido na parte da sentença respeitante ao pedido cível. Contudo, ao sustentar a admissibilidade do recurso, o recorrente, apesar de se socorrer de preceitos constitucionais, não enunciou uma questão de inconstitucionalidade normativa referente à interpretação daquele preceito legal. Limitou-se a afirmar que “o direito ao recurso e de acesso ao direito e aos tribunais, não poderá ser cerceado pela aplicação analógica de requisitos e pressupostos de recorribilidade que não estão contidos na lei reguladora da matéria em apreço, sob pena de violação do art.º 32.º, n.º 1 da CRP, do acesso aos tribunais e tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP) e do princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito no art.º 1.º da Lei Fundamental” (artigo 20.º da resposta ao parecer do Ministério Público, fls. 1867); “(…) no caso dos autos, verifica-se que o processo foi iniciado antes da entrada em vigor do referido normativo legal, pelo que, também por aí se deverão considerar verificados todos os pressupostos de recorribilidade no tocante à matéria do pedido de indemnização cível” (artigo 24.º da resposta ao parecer do Ministério Público, a fls. 1869); “sob pena de violação do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, previsto no art.º 29.º, n.º 4 da CRP” (artigo 25.º da resposta ao parecer do Ministério Público, a fls. 1869).
Uma tal alegação não configura, porém, suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, pois não identifica nenhuma norma, ou sentido normativo, a sindicar. «Não traduz suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa a mera invocação da aplicabilidade “direta” de uma norma constitucional, argumentando-se com referência a princípios constitucionais que reclamariam uma certa solução concreta do caso: não referenciando o recorrente, com o mínimo de precisão, qualquer norma jurídica inconstitucional e invocando a aplicabilidade direta de norma constitucional, prescinde de discutir a constitucionalidade de normas convocáveis (…)» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pp. 102-103).
Cabe, portanto, ao recorrente indicar com clareza qual o sentido ou dimensão normativa que entende ser violador da Constituição. «Necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido (Acórdão n.º 106/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt)» (v., entre outros, Acórdãos n.os 199/88, 1026/96, 618/98 e 370/13).
8. Ora, a suscitação da questão «durante o processo» deve ocorrer em momento processual em que ainda seja possível ao tribunal a quo dela conhecer, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade respeita (cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 352/94, 155/95, 618/98, 519/2012, 442/2013, disponíveis no sítio da internet supra aludido, assim como todos os outros a seguir indicados). A jurisprudência constitucional tem um entendimento exigente do cumprimento deste ónus, apenas admitindo a sua dispensa em casos absolutamente excecionais em que o recorrente é confrontado com uma aplicação normativa totalmente imprevisível. Apenas em circunstâncias excecionais ou anómalas que permitem concluir não ser previsível nem exigível semelhante prognose (cfr., v.g., os Acórdãos deste Tribunal n.os 94/88, 51/90, 61/92, 352/94, 618/98, 409/2000, 595/2005, 453/2008) se admite diferir para o momento da interposição do recurso de constitucionalidade a definição da questão de constitucionalidade que se quer ver apreciada. Não é este, todavia, o caso dos autos, em que a norma questionada pelo recorrente já fora anteriormente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça em precedentes decisões (v. Acórdão n.º 192/2000). Estava, assim, ao alcance do recorrente suscitar a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada, no momento em que se pronunciou nos autos sobre a admissibilidade do recurso na parte respeitante ao pedido cível, i.e., quando respondeu ao parecer do Ministério Público em que este sustentou a respetiva inadmissibilidade em interpretação dos preceitos legais pertinentes (v. Acórdãos 126/98, 318/01, 408/01 e 674/05).
Como decorre do já acima referido, apesar de ter respondido ao aludido parecer, na peça processual em causa, o recorrente não especificou a dimensão interpretativa que pretendia questionar do ponto de vista jurídico-constitucional.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto.
III - Decisão
Termos em que se decide não conhecer do objeto do recurso.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC.
Lisboa, 3 de março de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.