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Processo nº 802/01 Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. A lista de cidadãos “Evoluir no Novo Século – ENS”, “concorrente às eleições para a Assembleia de Freguesia da Lomba, Concelho de Lajes das Flores, representada pelo seu mandatário, (...), Hélio Manuel Avelar de Freitas”, veio,
“nos termos do artº 158 da Lei Orgânica n° 1/2001 de 14 de Agosto interpor recurso da decisão da Assembleia de Apuramento Geral do concelho das Lajes das Flores e relativamente ao apuramento da Assembleia de Freguesia da Lomba, do concelho das Lajes das Flores”, por não ser conformar “com as decisões da Assembleia de Voto da freguesia de Lomba e da Assembleia de Apuramento Geral”, relativamente a um voto, que foi considerado nulo e que era “nitidamente para a lista que representa”, devendo considerar-se válido.
Os fundamentos invocados são os que, por comodidade, se transcrevem e constam da petição de recurso, datada de 19 de Dezembro de 2001:
“1°) A ENS apresentou reclamação quer na assembleia de voto, quer no decorrer do apuramento geral.
2°) De acordo com o n° 4 do artº 115° da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto
‘o eleitor assinala com uma cruz em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota’.
3°) No boletim de voto reclamado, o eleitor assinalou com uma cruz no quadrado correspondente à candidatura da ENS, apenas a cruz não foi perfeita; lamentavelmente não podemos enviar cópia do boletim de voto considerado nulo por dificuldades na reunião do apuramento geral e porque o Tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores entendeu também não o fazer, conforme documento anexo
(...).
4°) Perante a reclamação apresentada na mesa eleitoral da Lamba, a decisão foi tão somente não aceitar a reclamação e considerar o voto em causa nulo.
5°) Durante o apuramento geral também não foram aduzidas razões de nulidade, tão somente foi posta à votação e a maioria da assembleia de apuramento geral votou pela nulidade, tendo reclamado o 1º candidato da ENS Miguel Bernardo Belo Maciel, considerando que o voto não era nulo porque nesse ‘voto em que a cruz assinalada dentro da quadrícula mostra inequivocamente a vontade do eleitor, conforme o n° 2 do artº 133 da Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto’, e citei a reclamação apresentada pelo primeiro candidato da ENS, reclamação essa que a Mesa de Apuramento Geral não quiz receber inicialmente, e só foi forçada a receber após invocação da lei.
6°) Perante a reclamação apresentada pelo 1º candidato da ENS foi tomada a deliberação constante da acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral que juntamos (...) .
Pelo exposto, salvo melhor opinião, deverá o voto em análise ser considerado válido porque:
a) Não pode ser anulado de acordo com a nº 1 do art° 133 da Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto na medida em que
1°) Só foi assinalado um quadrado
2°) Não existe qualquer dúvida sobre o quadrado assinalado. o correspondente à ENS
3°) A candidatura da ENS nem foi rejeitada nem desistiu das eleições
4°) No boletim de voto não havia qualquer voto, desenho ou rasura
5°) No boletim de voto não havia qualquer outro sinal que não fosse uma cruz.
b) No boletim de voto considerado nulo o eleitor em causa cumpriu o estipulado no nº 4 do art° 115° da Lei Orgânica n° 1/2001 de 14 de Agosto, na medida em que assinalou com uma cruz, embora mal feita, mas com uma cruz, o quadrado correspondente à candidatura da ENS”.
Com a petição do recurso foram juntos três documentos:
_ “Certidão da qualidade de mandatário da lista 'Evoluir no Novo Século ENS', a que coube a sigla XII”;
_ “Indeferimento do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Cruz das Flores de emitir fotocópia autenticada do boletim de voto considerado nulo”;
_ “Fotocópia da acta da reunião da Assembleia de Apuramento Geral das eleições para as autarquias locais do concelho das Lajes das Flores”.
2. Foi apresentada resposta pelo “mandatário do Partido Socialista no concelho de Lajes das Flores” a sustentar que “se deverá manter a decisão tomada pela Assembleia de Apuramento Geral e considerar indeferido o recurso”, na base essencial que a “lei fala em cruz e não em qualquer outro símbolo” e no caso “o que estava assinalado no voto era um símbolo que se assemelhava a um ‘e’ tombado e nunca dois segmentos de recta que se interceptam”.
3. Desses documentos retira-se que da “ACTA DA REUN1ÃO DA ASSEMBLE1A DO APURAMENTO GERAL DAS ELEIÇÕES PARA AS AUTARQU1AS LOCAIS DO CONCELHO DE LAJES DAS FLORES, CELEBRADA NO SALÃO NOBRE DA CÂMARA ,MUNICIPAL DO MESMO CONCELHO NO DIA DEZOITO DE DEZEMBRO DE 2001” consta o seguinte quanto à Assembleia de Freguesia da Lomba:
“O numero de inscritos era de cento e sessenta c oito, dos quais votaram cento e vinte e nove eleitores, sendo oito votos em branco e dois votos nulos.
Dos restantes, votaram no XII cinquenta e nove eleitores e no PS sessenta eleitores.
A Assembleia analisou os votos nulos, tendo sido posto a votação o voto nu1o sobre o qual incidiu a reclamação, foi considerado por maioria nulo, reafirmando assim a posição da Mesa da Assembleia de Voto daquela freguesia.
No decorrer desta análise esteve presente a Dr.ª I... em representação do Partido Socialista, que após o conhecimento da decisão da mesa de apuramento gera1 se ausentou da sala.
Assim, coube ao PS o primeiro, terceiro, quinto e sétimo mandatos e ao XII o segundo, quarto e sexto mandatos.”
E mais à frente:
“Reiniciados os trabalhos às catorze horas, com a presença de todos os membros da mesa, o Sr. M..., candidato à Assembleia de Freguesia da Lomba pela lista XII Evoluir no Novo Século, pediu permissão para entrar, onde entregou uma reclamação por escrito, a qual se anexa à presente acta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido: ‘M..., B.I.... emitido em 21 de Maio de 1999 pelo arquivo de identificação de Angra do Heroísmo, na qualidade de candidato da lista ENS – Evoluir no Novo Século, à Assembleia de Freguesia da Lomba vem apresentar a sua reclamação em relação a decisão tomada nesta assembleia de Apuramento Geral de considerar nulo um voto em que a cruz assinalada dentro da quadrícula mostra inequivocamente a vontade do eleitor, conforme nº 2 do artº
133 da Lei Orgânica 1/2001’. Dado que esta mesa já tinha debatido exaustivamente sobre a validade ou nulidade do boletim em questão, conforme o disposto no artigo cento e quarenta e nove da Lei Orgânica um barra dois mil e um de catorze de Agosto, decidiu por maioria, não voltar a apreciar o boletim uma vez que considerou que no processo deliberativo e respectiva votação não existiu qualquer irregularidade. Após o conhecimento desta decisão o Sr. Miguel Maciel abandonou a sala e a Assembleia prosseguiu os seus trabalhos”.
Da mesma ACTA consta na parte final que “a senhora Presidente ordenou que se procedesse à elaboração do Edital com os resultados do Apuramento Geral e que o mesmo fosse afixado à porta do edifício dos Paços do Conselho e, em cumprimento do disposto no artigo cento e cinquenta da já mencionada Lei Orgânica número um barra dois mil e um, de catorze de Agosto”, tendo sido “declarada encerrada a reunião” quando eram “dezoito horas e dez minutos”.
4. Por acórdão nº 569/2001, a fls. 18 dos autos, foi decidido, embora com o voto de vencido do Relator, “requisitar ao Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores o boletim de voto que foi objecto de reclamação pela recorrente conforme consta da Acta da Assembleia de Apuramento Geral das Eleições para as Autarquias Locais do Concelho de Lajes das Flores, no que se refere à Assembleia de Freguesia da Lomba”, tendo sido remetido a este Tribunal, através do tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores, “o boletim de voto objecto de reclamação da freguesia da Lomba, concelho das Lajes das Flores, desta comarca de Santa Cruz das Flores, indo via fax o rosto do mesmo e o verso e o original via CTT”.
5. Cumpre decidir.
De acordo com o disposto nos artigos 156º, 157º, 158, 159º, nº 2, da citada Lei nº 1/2001, doravante LEOAL, não oferece dúvidas que o meio de impugnação é o próprio, apresentado no dia 20 de Dezembro de 2001 neste Tribunal Constitucional, que é o competente, a parte recorrente é legítima e o prazo mostra-se respeitado (atenta a circunstância de “recurso relativo a assembleias de apuramento com sede em Região Autónoma” – citado nº 2 do artigo 159º).
E também tem que se dar como verificado o pressuposto processual específico deste tipo de recurso contencioso eleitoral, que é a precedência de “reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram” as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral (nº 1 do citado artigo 156º).
Na verdade, tratando-se de uma irregularidade relacionada com a validade ou a nulidade de um boletim de voto, demonstra-se que, perante a assembleia de apuramento geral, como se constata pela leitura da acta documentada nos autos, na qual se dá notícia da pertinente reclamação, foi cumprido o aludido pressuposto processual. E também tem de se considerar cumprido perante a assembleia de apuramento local, embora falte a prova documental, dada a referência expressa naquela acta ao artigo 149º da LEOAL, que prevê exactamente que a assembleia de apuramento geral decida “sobre os boletins de voto em relação aos quais tenha havido reclamação ou protesto” e verifique “os boletins de voto considerados nulos, reapreciando-os segundo critério uniforme” (nº
1).Aliás, a mesma acta também dá notícia de que a “Assembleia analisou os votos nulos, tendo sido posto a votação o voto nu1o sobre o qual incidiu a reclamação”.
5. Havendo que conhecer do mérito do presente recurso contencioso, é fácil de ver que a questão posta reside unicamente na decisão da Assembleia do Apuramento Geral das Eleições para as Autarquias Locais do Concelho de Lajes das Flores, na qual se começou por apurar que “votaram no XII cinquenta e nove eleitores e no PS sessenta eleitores”, para a Assembleia de Freguesia da Lomba, e foi depois posto à votação o voto nulo sobre o qual incidiu a reclamação da lista recorrente, o qual “foi considerado por maioria nulo, reafirmando assim a posição da Mesa da Assembleia de Voto daquela freguesia” (e na mesma decisão foi implicitamente indeferida a nova reclamação apresentada pela lista recorrente, por se haver entendido por maioria, “não voltar a apreciar o boletim uma vez que considerou que no processo deliberativo e respectiva votação não existiu qualquer irregularidade”).
Desde já pode afirmar-se que assiste razão à lista recorrente, a lista XII.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 115º, nº 3, da LEOAL, preceito regulador do modo como vota cada eleitor, o voto é “assinalado pelo eleitor com uma cruz, em cada boletim, no quadrado correspondente à candidatura em que vota”, e é essa realidade que o boletim de voto controvertido revela (e conforme o disposto no nº 2 do artigo 133º não é considerado “voto nulo o boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada (....), assinale inequivocamente a vontade do eleitor”).
Pela análise desse boletim, agora enviado e junto aos autos, vê-se claramente que no centro do quadrado correspondente à candidatura “Evoluir no Novo Século – ENS – XII” foi assinalado pelo eleitor uma intersecção de linhas.
Ainda que se possa dizer que isto não é em rigor uma cruz, a intersecção assinalada no boletim de voto controvertido revela inequivocamente a vontade do eleitor (cfr., por todos, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 6/98, nos Acórdãos, 39º vol., pág. 695).
Com o que esse voto deve considerar-se válido, de acordo com o citado nº 2 do artigo 133º.
7. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso, julgando-se válido o voto que foi objecto de protesto e atribuindo-se, por consequência, mais um voto na lista recorrente para a Assembleia de Freguesia da Lomba.
Lisboa, 3 de Janeiro de 2002 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa