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Proc.nº 607/97
2ª Secção Relator: Cons.Sousa e Brito
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. O mandatário do Partido Socialista interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão da juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Grândola que indeferiu a reclamação que apresentara contra a não admissão da candidatura de A. como cabeça de lista do Partido Socialista à Câmara Municipal de Grândola. A decisão final de não admissão foi proferida a 6 de Novembro de
1997, tendo no dia 7 de Novembro sido afixada à porta do Tribunal a relação completa de todas as listas admitidas, data em que o mandatário do Partido Socialista recebeu notificação da decisão. O requerimento de interposição do recurso deu entrada na secretaria do Tribunal às 9 horas de segunda-feira 10 de Novembro de 1997. No mesmo dia a juíza de Grândola admitiu o recurso 'por legal, tempestivo e interposto por quem tem legitimidade' e mandou notificar os mandatários das listas do Partido Social Democrata e da Coligação Democrática Unitária, únicos que tinham impugnado a admissão, para responderem, querendo, ao recurso. Respondeu o mandatário do Partido Social Democrata, apoiando o decidido.
2. As razões invocadas para a decisão recorrida foram as seguintes :
'Como resulta dos autos, designadamente dos documentos de fls. 1381 a 1321 e
1340, o candidato A., sendo funcionário da Câmara Municipal de Grândola, onde ingressou em 10.08.88, foi nomeado, em comissão de serviço, para exercer funções como Director do Serviço Sub-Regional de Setúbal no Centro Regional de Segurança Social da Região de Lisboa e Vale do Tejo - Serviço Sub-Regional de Setúbal, funções que exerce no momento presente.
Tal nomeação em comissão de serviço, efectuada de acordo com o disposto nos artºs 3º e 5º do Dec.-Lei 323/89, de 26.09, dependeu de autorização do serviço de origem - Câmara Municipal de Grândola -, nos termos do artº 6º do Dec.-Lei
198/91, de 29.05, não tendo o referido candidato perdido o vínculo à Câmara Municipal de Grândola.
Como se referiu na decisão ora objecto de reclamação, a nomeação em comissão de serviço, sem prejuízo das diferenças que apresente relativamente à modalidade da requisição, não faz cessar o vínculo permanente à autarquia, valendo, por conseguinte, relativamente a esta situação a razão de ser da inelegibilidade consagrada na alínea c) do nº 1 do artº 4º do Dec.-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro.
Assim, sendo, não tendo cessado o vínculo à autarquia, o mesmo candidato é inelegível para a Câmara Municipal de Grândola, nos termos do disposto no artº
4º, nº1, do citado Dec.-Lei 701-B/76.
3. A argumentação do recorrente foi a seguinte :
1. Ao contrário do que se afirma na douta decisão recorrida, a nomeação do ora candidato, em comissão de serviço, como director do Serviço Sub-regional de Segurança Social de Setúbal não dependeu de autorização da Câmara Municipal de Grândola, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 198/91, de 29 de Maio.
Com efeito, como resulta meridianamente do preceituado no nº 1 do artigo 1º daquele diploma legal, ele apenas se aplica à nomeação do pessoal dirigente das autarquias. Ora, o A. foi nomeado, em comissão de serviço, para cargo dirigente da Administração Central, sendo que o Decreto Lei nº 323/89, de
26 de Setembro, que estabelece o regime destas nomeações, não exige a prévia autorização do serviço ou entidade de origem.
Nestes termos, a ter havido pedido de autorização, decorreu ele de regra de cortesia, mas não de dever jurídico. Em todo o caso, a nomeação não dependeu de autorização.
2. O provimento em comissão de serviço determinou uma nova subordinação jurídica, hierárquica, funcional e disciplinar a entidade distinta da autarquia, sem qualquer interferência desta última, constituindo um vínculo profissional permanente, ainda que temporário (por um período de três anos, renovável por iguais períodos, sem limitação) com o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira e sob tutela do Ministro da Solidariedade e Segurança Social (artigos
1º e 2º do Decreto-Lei nº 260/93, de 23 de Julho).
Enquanto a requisição reflete uma vicissitude no âmbito de uma relação de emprego público preexistente, a comissão de serviço traduz uma forma de constituição da relação jurídica de emprego público, como decorre expressamente do já citado Decreto-Lei 323/89. Por isso, se fala de nomeação em comissão de serviço, mas se não pode falar em «nomeação em requisição». Por isso, também, se pode afirmar que um funcionário autárquico exerce determinado cargo, em regime de requisição, na Administração Central, mas já será incorrecto referir que um funcionário autárquico exerce determinado cargo, em comissão de serviço, na mesma Administração Central: é que, ao passar a exercer este último cargo, em comissão de serviço, ele deixou - enquanto o exercer - de ser funcionário autárquico, já que a comissão de serviço determina uma nova relação de emprego público.
É verdade que, finda a comissão de serviço, o funcionário tem o direito de regressar ao serviço de origem. Mas, como acontece no caso em apreço (cfr. doc. nº 1), não regressa ao lugar que ocupava, mas a um lugar que para ele há-de ser criado de novo, e a extinguir quando vagar, o que acontece igualmente no caso de não ser funcionário à data da nomeação em comissão de serviço, como resulta do disposto no nº 2 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 323/89.
Entende-se, pois, que a comissão de serviço corresponde à criação de um vínculo profissional de carácter permanente, ainda que com limitação temporal, implicando a suspensão do vínculo do funcionário à autarquia, enquanto durar a comissão de serviço.
3. A isto acresce que, uma vez eleito presidente da câmara municipal, a comissão de serviço do A. não cessa automaticamente, antes se suspende, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 1, al., a), e nºs 2 e 3, do mencionado Decreto-Lei nº 323/89, conservando o ora candidato a titularidade do cargo de Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Setúbal, enquanto durar o mandato.
Isto é, enquanto exercer o cargo de presidente da Câmara, o lugar de origem do A. será o de Director daquele Serviço Sub-regional, e não o de Técnico da Câmara Municipal de Grândola.
Mais, e o que é decisivo: ao cessar as funções de Presidente da Câmara, o A. não regressa à Câmara Municipal, como técnico, mas ao lugar que exercia anteriormente, em comissão de serviço, como resulta das citadas disposições legais.
4. Resta referir, apenas, que a inelegibilidade dos funcionários autárquicos, como restrição a um direito político básico, sempre foi contestada, mesmo com fundamento na sua inconstitucionalidade, como resulta de inúmeras declarações de voto apendiculadas aos acórdãos do Tribunal Constitucional, uma vez que melhor se poderia atingir o objectivo pretendido através de um rigoroso sistema de incompatibilidades.
Seja como for, e como restrição que é, deve ser reduzida ao mínimo. Nessa perspectiva, o Tribunal Constitucional não deve alargar à comissão de serviço a regra da inelegibilidade que considerou aplicável à requisição, mas não já à licença de longa duração.
II Fundamentação
4. Compete ao Tribunal Constitucional decidir da admissibilidade do recurso. Não há que questioná-la, nomeadamente quanto à observância do prazo de 48 horas para a interposição (nº 2 do artigo 25º no Decreto-Lei nº 701-B/76, na redacção da Lei nº 14-B/85 de 10 de Julho), uma vez que o requerimento deu entrada às 9 horas de segunda-feira.
5. Por duas distintas razões pode merecer provimento o recurso
:
- ou porque os funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou municípios (na hipótese trata-se de um funcionário da Câmara Municipal) perder essa qualidade, para efeitos da alínea c) do nº 1 artº 4º do Decreto-Lei nº
701-B/76 de 29 de Novembro, de 29 de Setembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 757/76 de 21 de Outubro, quando são providos em comissão de serviço;
- ou porque a referida alínea c) do nº 1 artigo 4º é inconstitucional.
A segunda tese é a do Relator (cfr. a declaração de voto no acórdão nº 352/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4, pp. 375, ss) e a ser verdadeira dispensaria a ulterior averiguação dos limites da alínea c) do artigo
4º. Mas também a verdade da primeira tese dispensa a demonstração da segunda, uma vez que, não estando em causa a aplicabilidade de nenhuma cláusula restritiva da elegibilidade, o afastamento desta resolve a questão pela positiva. Como a opinião do relator tem sido minoritária (embora reforçada entretanto pelo Conselheiro Guilherme da Fonseca, declaração de voto nos acórdãos nºs 705/93 e 715/93, Acórdãos, 26, pp. 377, 391), nada o impede de seguir o percurso pelo direito infra-constitucional que a primeira tese requer, sendo certo que também a alínea c) do artigo 4º terá que ser interpretada em função dos princípios constitucionais do direito eleitoral.
A questão do âmbito de aplicação do conceito de 'funcionário de
órgão representativo da freguesia ou do município' põe-se especialmente nos casos em que se pode dizer que tal funcionário exerce a sua actividade em alguma outra entidade pública, a cujo serviço se encontra adstrito por requisição, mediante licença sem vencimento de longa duração ou em comissão de serviço, por exemplo, ou de cujos órgãos é titular. Deve então, para os fins da inelegibilidade da alínea c) do artigo 4º, prevalecer o vínculo originário à autarquia ou o novo vínculo funcional a que se encontra adstrito? Posta assim a questão, a jurisprudência maioritária do Tribunal tem sobretudo atendido à força relativa de cada um dos vínculos, como resulta do especial regime da dupla vinculação.
Assim, na hipótese de requisição, entende-se no acórdão nº
537/89 (Acórdãos, 14, p. 391 ss), por maioria, que a requisição não tem a virtualidade de levantar a inelegibilidade, por ter o fim de assegurar o exercício transitório de tarefas excepcionais de um serviço com pessoal de outro serviço, por ter sempre carácter temporário e por não dar lugar à abertura de vaga no quadro de origem, embora o lugar de origem do funcionário requisitado possa ser preenchido interinamente. Este último traço do regime - a não vacatura do lugar - foi considerado decisivo para considerar o caso abrangido pela alínea c) do nº 1 do artigo 4º.
Diferentemente, na hipótese do funcionário que se encontra em situação de licença sem vencimento de longa duração, tratado no Acórdão nº705/93
(Acórdãos, 26, p. 361 ss) abre-se vaga no lugar de origem, donde decorre que o seu vínculo profissional fica suspenso (artigo 80º, nº 1, do Decreto-Lei nº
497/88 de 30 de Dezembro), cessando os direitos e deveres que mantinha com a administração, e implicando a perda de remunerações, e perda da contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade na carreira, com reflexos, designadamente, no cálculo de pensão das pensões de aposentação e de sobrevivência (artigo 80º, nº 2 do mesmo diploma). Ainda assim, nota o acórdão, não perde a qualidade de funcionário autárquico e pode reingressar. Mais precisamente, o funcionário em licença sem vencimento de longa duração só pode requerer o regresso ao serviço ao fim de um ano, cabendo-lhe uma das vagas existentes ou a primeira que se vier a verificar na sua categoria (artigo 82º, nº 1). Mas nesse caso, o deferimento de tal pretensão gerará a perda de mandato que tiver em órgão autárquico, pois que constitui causa de tal perda, legalmente prevista, a colocação em situação de inelegibilidade (cfr. artigo 9º, nº 1, alínea a), da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro). Por estas razões o Tribunal decidiu, com apenas dois votos de vencido, que não se preenchia o conceito da alínea c) do nº 1 do artigo 4º.
No presente caso, o candidato apresentado pelo Partido Socialista à Câmara Municipal de Grândola ingressou na Câmara Municipal de Grândola como técnico superior de 2ª classe em 10 de Agosto de 1988, foi nomeado chefe da Divisão Administrativa e Financeira da mesma Câmara em 22 de Setembro de 1988, foi finalmente em 7 de Junho de 1996 nomeado em comissão de serviço director do Serviço Sub-Regional de Setúbal no Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, equiparado, para todos os efeitos legais, a sub-director-geral (artº 18º do Decreto-Lei nº 260/93 de 23 de Julho), tendo iniciado estas funções a 14 de Junho de 1996, depois de autorizado para tal a 13 de Junho de 1996 pelo serviço de origem, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei nº 198/91 de 29 de Maio (não importando saber se este artigo era aplicável à hipótese, o que é negado pelo recorrente).
O regime da comissão de serviço tem entre outras, as seguintes características, definidas no Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, modificado pelos Decretos-Leis nº 34/93 do 13 de Fevereiro e 239/94 de 22 de Setembro e pela Lei nº 13/97 de 23 de Maio: o provimento é feito por um período de três anos renováveis por iguais períodos ( artigo 5º, nº 1); a comissão de serviço suspende-se no caso de exercício, entre outros, do cargo de presidente da câmara municipal, suspende-se igualmente a contagem do prazo da comissão, embora o período de suspensão conte, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no cargo dirigente de origem [isto é, na comissão de serviço]
(artigo 6º, nºs 1 alínea c), 2 e 3); o tempo de serviço em cargos dirigentes conta, para todos os efeitos legais designadamente para promoção, progressão na carreira e categoria em que cada funcionário se encontra integrado (artº 18º, nº
1, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93); os funcionários nomeados para cargos dirigentes têm direito, finda a comissão de serviço, ainda que seguida de nova nomeação, ao provimento em categoria superior à que possuíam à data da nomeação para dirigente, a atribuir em função do número de anos de exercício continuado nestas funções, criando-se nos quadros de pessoal dos serviços ou organismos de origem os lugares necessários para tanto (artº 18º, nº 2 e 6, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93); e isto mesmo sem prejuizo do direito de se candidatarem aos concursos de acesso que ocorrerem na pendência da respectiva comissão de serviço (artº 18º, nº 5, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93).
Temos, portanto, que o funcionário em questão, ao ser nomeado em comissão de serviço director do Serviço Sub-Regional de Setúbal equiparado a subdirector geral, passou a ter este último cargo como cargo de origem, no sentido de que, se for eleito Presidente da Câmara Municipal, se suspende a comissão de serviço, contando o tempo da suspensão como tempo do serviço prestado no cargo de director, equiparado a subdirector geral, regressando a esse cargo quando cessar a suspensão da comissão de serviço. Por outro lado, se regressar ao serviço autárquico de origem ( a comissão de serviço não é necessariamente limitada no tempo, ao contrário da requisição, podendo renovar-se indefinidamente) fá-lo-á para um novo lugar criado especialmente ex novo, em categoria superior à que possuia à data da nomeação para dirigente em comissão de serviço, a atribuir em função do número de anos de exercício continuado nestas funções, agrupados de harmonia com os módulos de promoção da carreira e em escalão a determinar, nos termos do Decreto-Lei nº 533-A/89 de 16 de Outubro (artigo 18º, nº 2, alínea a) do Decerto-Lei nº 323/89, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93).
Valem, portanto, no essencial as razões que já levaram a maioria do Tribunal a considerar que na hipótese de licença sem vencimento de longa duração não se preenche o conceito da alínea c) do nº1 do artigo 4º. Tanto mais assim quanto a doutrina maioritária se tem apoiado na do acórdão nº 244/85
(Acórdãos, 6, pp.211, ss; cfr. nomeadamente a remissão do acórdão nº 537/85, Acórdãos, 14, p. 398): a razão pela qual o legislador estabelece a inelegibilidade consignada na alínea c) do nº 1 do artigo 4º é «evitar qualquer confusão - e antes garantir uma clara 'separação' - entre o nível, que se poderá dizer ainda 'político' da tomada das deliberações e decisões autárquicas e o nível puramente 'administrativo' da sua execução» ( Acórdãos, 6, p. 222). Essa separação está garantida desde logo, pela suspensão da comissão de serviço, que se exerce fora da autarquia, como consequência da eleição para Presidente da Câmara, e pelo reingresso na mesma comissão e no mesmo cargo não autárquico, quando findar o exercício do cargo electivo, pelo que não se justifica a inelegibilidade.
Pode, decerto questionar-se se a faculdade de os funcionários que exerçam funções dirigentes em comissão de serviço se candidatarem aos concursos de acesso que ocorrerem na pendência da respectiva comissão de serviço não implica precisamente a confusão entre as funções políticas e as executivas que se pretende evitar com a inelegibilidade. O candidato A., se eleito Presidente da Câmara, poderia concorrer aos concursos de acesso que ocorressem na mesma Câmara Municipal. É certo, mas não poderia integrar nem nomear o respectivo júri, sendo interessado directo no concurso, como acontece com o funcionário nomeado pessoal dirigente do mesmo Ministério (artºs 44º ss. do Código do Procedimento Administrativo). Não estaria, assim, em causa a independência e isenção no exercício do cargo electivo.
Ainda que se entenda que a independência e a isenção do exercício do cargo electivo admite, na sequência do acórdão nº 244/85, ineligibilidades destinadas assegurar que o exercício referido daquele cargo se processe separado do interesse na gestão dos lugares do cargo da autarquia, haverá que reconhecer que tal interesse, na hipótese configurada pelo caso presente, não tem consistência suficiente para justificar a ineligibilidade, no contexto dos outros aspectos referidos no regime da comissão de serviço e da situação que se verifica na comissão de serviço do recorrente.
Também não se diga que estaria, assim, descoberto o meio de evitar a inelegibilidade. O funcionário da autarquia só teria que conseguir ser nomeado para lugar dirigente em comissão de serviço. O mesmo vale para a licença sem vencimento de longa duração ou para a exoneração. Haverá, porventura desvio de poder ou até crime de abuso de poder (artº 382º do Código Penal) da autoridade que, para fins de política autárquica, nomear em comissão de serviço, autorizar a licença ou nomear o beneficiário dela para outro lugar, conceder ou recusar a exoneração. Mas só é desejável que os melhores funcionários autárquicos possam ser eleitos para cargos políticos, se afastarem, licitamente,
é claro, os obstáculos legais à elegibilidade.
Para o Relator, se a razão da inelegibilidade da alínea c) do artº 4º é a apresentada pelo acórdão nº 244/85, ela não se funda na defesa da liberdade de formação de vontade democrática e não é necessitada pela independência do exercício dos cargos electivos, pelo que há que convertê-la em incompatibilidade. Não se ignora, contudo, que o acórdão nº 244/85 (Acórdãos 6, p.228) entendeu diferentemente, negando explicitamente que um regime de incompatibilidades garantisse suficientemente a 'separação' que deve existir entre o nível 'político-deliberativo' da administração autárquica e o seu 'nível executivo', para assim assegurar a independência e imparcialidade dessa administração. E é esta a doutrina que continua a ser maioritária no Tribunal. Mas ainda então haverá que concordar que tal razão não justifica a subsunção de uma hipótese como a dos autos na alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 701-B/76 e, assim sendo não justifica tão pouco a inelegibilidade.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e considerar ilegível para a Câmara Municipal de Grândola o candidato A..
Lisboa, 26 de Novembro de 1997 José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Messias Bento (vencido, nos termos da declaração de voto).
Declaração de voto:
Pronunciei-me no sentido de que o primeiro candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal de Grândola, A., é inelegível.
As razões deste meu entendimento são as que passo a indicar.
1. O referido candidato é funcionário (técnico superior) da referida câmara municipal, mas exerce, em comissão de serviço, as funções de director do Serviço Sub-Regional de Setúbal, no Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, desde 7 de Junho de 1996.
Este lugar de director do mencionado Serviço Sub-regional é equiparado, para todos os efeitos legais, a subdirector-geral (cf. o artigo 18º do Decreto-Lei nº
260/93, de 23 de Julho), o que significa que o respectivo funcionário tem estatuto de pessoal dirigente. Esse estatuto é o consagrado no Decreto-Lei nº
323/89, de 26 de Setembro, parcialmente alterado pelo Decreto-Lei nº 34/93, de
13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei nº 239/94, de 12 de Setembro, e pela Lei nº
13/97, de 23 de Maio.
Decorre daí que o estatuto do funcionário aqui em causa apresenta os seguintes tragos essenciais com relevo para a questão de saber se ele é ou não elegível para a câmara municipal de cujos quadros de pessoal faz parte:
(a). o lugar que o funcionário ocupa pertence a um quadro diferente daquele a que pertence;
(b). esse lugar só pode ser provido em comissão de serviço, por um período de três anos, renovável por iguais períodos, sendo que essa renovação tem que ser comunicado ao interessado até 30 dias antes do seu termo, pois que, chegado esse momento, se o membro do Governo competente não tiver manifestado expressamente a intenção de a renovar, a comissão de serviço cessa automaticamente (cf. artigo
5º, nºs 1 a 3, do mencionado Decreto-Lei nº 323/89. Cf. também o artigo 7º, nº
1, alínea a), do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro);
(c). a comissão de serviço pode, a todo o tempo, ser dada por finda durante a sua vigência, por despacho fundamentado do membro do Governo competente - não apenas na sequência de procedimento disciplinar que se tenha concluído com a aplicação de sanção disciplinar -, mas também com base na não comprovação superveniente da capacidade adequada a garantir a execução das orientações superiormente fixadas; na não realização dos objectivos previstos; na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, de modificar as políticas a prosseguir por estes ou de tornar mais eficaz a sua actuação; e na não prestação de informações ou na prestação deficiente das mesmas quando consideradas essenciais para o cumprimento da política global do Governo (cf. artigo 7º, nº 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 323/89);
(d). se o candidato for eleito presidente da câmara, aquela comissão de serviço
(e, naturalmente, a contagem do respectivo prazo) suspendem-se durante todo o tempo que durar o exercício das funções autárquicas, mas esse período de suspensão conta, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no cargo dirigente (cf. artigo 6º, nºs 1, alínea a), 2 e 3, do mencionado Decreto-Lei nº 323/89);
(e). o tempo de serviço prestado pelo funcionário no cargo que exerce em comissão (recte, no cargo de director do referido Serviço Sub-regional) e - por força do disposto no citado artigo 6º, nºs 1, alínea a), 2 e 3, do Decreto-Lei nº 323/89 - no cargo de presidente da câmara para que, eventualmente, venha a ser eleito, conta para todos os efeitos legais; conta, designadamente, para efeitos de acesso na carreira de funcionário autárquico, a que pertence (cf. artigo l8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 323/89);
(f). durante o tempo em que se encontrar fora do quadro a que pertence, a exercer as mencionadas funções, o funcionário em causa pode apresentar-se aos concursos de acesso para lugares do seu quadro de origem (cf. artigo 18º, nº 5, do Decreto-Lei nº 323/89, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro);
(g). finda a comissão de serviço, o dito funcionário tem direito a ser provido em categoria superior à que possuía à data da nomeação para o cargo dirigente, a atribuir em função do número de anos de serviço continuado nestas funções, agrupados de harmonia com os módulos de promoção na carreira e em escalão a determinar, nos termos do artigo 19º do Decreto-Lei nº 353-A/ 89, de 16 de Outubro;
(h). para efeitos de provimento do funcionário em categoria superior à que possuía quando foi nomeado em comissão de serviço, será criado, no seu quadro de origem, um lugar, que se extinguirá quando vagar (cf. artigo 18º, nº 6, do Decreto-Lei nº 323/89, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93);
(i). a criação desse lugar, sempre que se trate da categoria mais elevada da respectiva carreira, pode ser requerido pelo próprio funcionário, independentemente da cessação da comissão de serviço (cf. artigo 18º, nº 7, do Decreto-Lei nº 323/89, na redacção do Decreto-Lei nº 34/93);
(j). o funcionário, quando cessar a comissão de serviço, se, nos termos indicados, não puder ser provido em categoria superior, tem direito a regressar ao lugar de origem (cf. artigo 18º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 323/89).
O candidato em causa, embora, de momento, não exerça funções na câmara municipal a cuja presidência concorre, continua, pois, a pertencer ao respectivo quadro de pessoal, mantendo cativo o respectivo lugar. E mais: enquanto estiver no exercício de funções em comissão, pode progredir na respectiva carreira, candidatando-se aos concursos de acesso que, nesse quadro, forem abertos; e, quando regressar, se não tiver direito a ser provido em lugar do quadro de categoria superior, tem direito a ocupar o seu lugar de origem. Significa isto que o candidato à presidência da Câmara Municipal de Grândola, como, no momento em que foi nomeado, em comissão de serviço, para o cargo dirigente que ocupa, era funcionário da mesma, pois que era titular de um lugar do respectivo quadro de pessoal, com investidora vitalícia, mantém-se vinculado a esse lugar de origem, através da cativação do mesmo, não obstante essa comissão de serviço e a eventual eleição para o cargo de presidente da câmara.
Bem se compreende, de resto, que a lei garanta o lugar de origem ao funcionário que vai exercer um cargo dirigente. Não faria, com efeito, sentido que aquele que tem na função pública uma situação de estabilidade, perdesse o lugar de que era titular vitalício, pelo tão-só facto de, no interesse público, aceitar um cargo dirigente, que é de investidora temporária, transitória ou provisória - e, por isso mesmo, precária. Seria injusto que tal pudesse acontecer.
2. Continuando o candidato a ser funcionário da câmara, a cuja presidência concorre, é ele inelegível, por forca do que dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 7O1-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral das Autarquias Locais), pois que aí se preceitua que 'não podem ser eleitos para os
órgãos do poder local[...] os funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios'.
É que - como se escreveu no acórdão nº 244/85 (publicado no Diário da República, II série, de 7 de Fevereiro de 1986) e, depois, se repetiu, designadamente, no acórdão nº 537/89 (publicado no Diário da República, II série, de 27 de Março de
1990), em que se julgou inelegível para uma câmara municipal um funcionário dessa câmara que, para além de se encontrar requisitado, tinha pedido a exoneração do cargo, embora esse pedido ainda não tivesse sido deferido -, 'a inelegibilidade estabelecido pelo artigo 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, na redacção do Decreto-Lei nº 757/76, opera unicamente no âmbito da respectiva autarquia, ou seja: respeita unicamente à eleição do órgão autárquico de que o cidadão é ‘funcionário’, ou de outro órgão da mesma autarquia nos termos explicitados supra'; 'essa inelegibilidade abrange apenas os ‘funcionários’, da administrarão autárquica directa, dela estando excluídos, por conseguinte, os 'funcionários’, da administração autárquica indirecta (nomeadamente, os dos serviços municipalizados e das associações ou federações de municípios), mas atinge, nessa zona da administrarão autárquica, tanto os funcionários, em sentido estrito, como os simples agentes com vínculo permanente'; 'tal inelegibilidade, com o âmbito territorial e pessoal acabado de descrever, explica-se pelo objectivo de preservar e garantir a 'independência' e a 'imparcialidade’, do poder local'; 'este objectivo tem perfeito cabimento e justificação constitucional”.
Como se sublinhou no referido acórdão nº 537/89, o cabimento e a justificação constitucional do objectivo de preservar e garantir a independência e a imparcialidade do poder local - objectivo que a inelegibilidade dos funcionários autárquicos, com o âmbito territorial e pessoal que se deixou apontado, procura realizar - encontra-se no artigo 50º, nº 3, da Constituição, que autoriza o legislador a estabelecer as inelegibilidades que sejam necessárias para, entre o mais, garantir “a isenção e a independência do exercício dos respectivos cargos”.
Vitor Nunes de Almeida(vencido nos termos e pelos fundamentos da declaração de voto do Exmº Cons. Messias Bento) Fernando Alves Correia (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº Cons. Messias Bento). Bravo Serra (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Cons. Messias Bento). Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Cons. Messias Bento). José Manuel Cardoso da Costa [tendo votado, tanto o Acórdão nº 637/89, como o Acórdão nº 705/93, e considerando que a doutrina do Acórdão nº 244/95 mantém plena realidade, quanto aos fundamentos da inelegibilidade em causa, votei a presente decisão por, em último termo, não me haver convencido de que, no caso, com o perfil específico que apresenta, ocorre um 'interesse penal' do candidato, suficientemente consistente para suportar e justificar um tal efeito (da inelegibilidade). Mas sem prejuízo de, eventualmente, poder chegar a um resultado diverso e quando as situações de comissão de serviço se perfilem com outras características].