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Processo nº 477/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M. M., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor dois recursos para este Tribunal Constitucional, a seguir identificados:
1.1. Um primeiro recurso com o requerimento de fls. 471 a 473, completado com o requerimento de fls. 494 e seguintes, relativamente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (1ª Secção) , de 4 de Janeiro de 1997, que julgou improcedentes dois agravos por ela interpostos (um respeitante 'à decisão que, por terem sido recebidos embargos de executado, com fundamento em benfeitorias, ordenou a suspensão da execução, nos termos do artº 929º-2 do Cód. Proc. Civil' e outro tendo a ver com o 'erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso - artigos 722º, nº 2, e 755º, nº 2, do Cód. Proc. Civil' e com 'a conduta do Exmº Juiz da 1ª Instância' e os respectivos 'poderes de direcção' relativamente a funcionários).
1.2. O segundo recurso com o requerimento de fls. 526 a 528, respeitante aos acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril e de 8 de Julho de
1997, no que toca à interposição de um recurso para o Tribunal Pleno que não foi admitido por despacho do Relator (e esses acórdãos limitaram-se a desatender uma reclamação para a conferência desse despacho e a indeferir um pedido de reforma ou de esclarecimento dessa decisão).
'A recorrente M. M. veio, a fls. 471, interpor recurso para o Tribunal Pleno do acórdão de fls. 453 e seg., nos termos dos artigos 763º e segs. do Código de Processo Civil. O recurso é, porém, inadmissível. Na verdade, o artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, considerou imediatamente aplicável a revogação dos artºs 763º a 770º do Cód. Proc. Civil, ordenada no artº 3º do mesmo Decreto-Lei. O presente recurso só agora foi intentado, ou seja, quando os artºs 763º a 770º do Cód. Proc. Civil já há muito estão revogados pelos artigos 3º e 17º daquele Decreto-Lei nº 329-A/95 que, neste aspecto, foram mantidos pelas Leis nºs 6//96, de 29 de Fevereiro e 28/96, de 2 Agosto e pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, certamente por se considerar que os assentos, tais como eram tratados, ofendiam a Constituição da República. Termos em que, inexistindo hoje recurso para o Tribunal Pleno, não admito o recurso interposto a fls. 471. Notifique' (é o que consta do aludido despacho do Relator).
2. Nos requerimentos de interposição dos dois recursos de constitucionalidade invoca a recorrente:
- que o primeiro recurso 'é interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro com a nova redacção da Lei nº 85//89 de 7 de Setembro' e 'pretende ver apreciada a interpretação ilegal/inconstitucional encrostada ao artº 929º do CPC', acrescentando ainda que
'a suscitação da inconstitucionalidade feita aqui e agora, dado o caso especial dos autos, é relevante e admissível'.
- que no segundo recurso vem 'recorrer dos Acórdãos de 22.4.97 e 8.7.97 para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa, pela recusa de aplicação da norma inovadora dos arts. 669/1/a/2/a/b/ e 732º--A do CPC, além de que tais Acórdãos omitem pronuncia sobre a problemática da inconstitucionalidade e ilegalidade oportunamente invocadas' e acrescenta ainda:
'O problema da inconstitucionalidade/ilegalidade foi invocado no requerimento de
27 .1.97, de fls. 471; na reclamação de 17.2.97, de fls. ; na resposta de
17.2.97 de fls. ; e no requerimento de reforma do Acórdão de 22.4.97, a fls. . Dado que o Acórdão proferido em 22.4.97, a fls. , é posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelos arts. 1º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro e
1º do DL 180/96, de 25 de Setembro, - 1 de Janeiro de 1997 -, não sofre dúvida a aplicação do novo texto daquele artº 669º/1/2 do CPC a este caso, atento o disposto no artº 25º/1/ do DL 329-A/95, aditado pelo artº 6º do DL 180/96. O recurso é atempado e interposto ao abrigo das alíneas b), c), e f) do artº 70º da Lei nº 28/ /82 de 15 de Novembro, com a redacção da Lei nº 85/89 de 7 de Setembro'.
3. Nas suas alegações concluiu assim a recorrente quanto ao 'RECURSO interposto em 1º lugar':
'Primeira Deve julgar-se inconstitucional a norma do artº 16 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, ou seja, que o CPC com as modificações operadas pelos DLs 329-A/95 e 180/96, é inaplicável ao caso dos autos, por violação do disposto no artº 25º/1/ do DL 329- -A/95, aditado pelo artº 6º do DL 180/96, e também por violação dos arts. 2º, 13º/1/, 18º e 20º/1/ da Lei Fundamental e artº 6º/1/ da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Segunda Deve ainda julgar-se inconstitucional a aplicação dos arts. 3º e 17º do DL
329-A/95, na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão recorrido, ou seja, que não é admissível recurso para o Tribunal Pleno, por violação da interpretação restritiva do artº 17º/1/ do DL 329-A//95 permitida pelo seu final: os arts. 763º a 770º mantém-se em vigor, até ao termo do período de vacatio da reforma, excepto no tocante aos efeitos dos Assentos, que perdem, desde já, a sua força obrigatória geral, razão por que foram violados, entre outros, os arts. 18º/2/3, 62º/1/ e 168º/1/e/ da Constituição. Terceira Deve, também, julgar-se inconstitucional a omissão de pronúncia que grassou nestes autos sobre a problemática da inconstitucionalidade/ /ilegalidade invocada pela recorrente, por ser sindicável essa parte da própria sentença como modo de se preservar a interpretação conforme à Constituição das normas pelas Instâncias mal entendidas e, portanto, mal aplicadas, já que tal omissão fere os princípios da legalidade e do contraditório processual civil.
Quarta O Acórdão recorrido interpretou e aplicou ilegal e inconstitucionalmente o disposto no artº 929º/2/ do CPC, violando o artº 675º do CPC e o artº 206º da Constituição, ou seja, o princípio constitucional da legalidade processual. Quinta O Aresto recorrido falece inequivocamente nos seus pressupostos factuais e de direito, como está consignado na Sentença proferida em 12.1.98 pelo 2º Juízo Cível/Proc. 5.788-D/91/ do Tribunal da Comarca de Almada, pelo que, por mais esta razão, o veredicto do STJ Lx em crise deve ser reformado, porque aplicador de normas com interpretação ilegal e inconstitucional. (Doc. nº 1)'. E quanto ao 'RECURSO interposto em 2º lugar' limitou-se a reproduzir ipsis verbis as três primeiras conclusões acabadas de transcrever.
4. A recorrida D.....,S.A, não apresentou alegações.
5. Por despacho do Relator foi convidada a recorrente a esclarecer aquelas conclusões das suas alegações, nos termos do disposto no artigo 78º-B, da já citada Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e na base dos seguintes considerandos:
'Considerando que a recorrente, nos requerimentos de interposição dos dois recursos de constitucionalidade ( a fls. 473, completado com o requerimento a fls. 494 e seguintes, e a fls. 526 e seguintes), identifica de modo claro as normas do Código de Processo Civil, mas depois nas alegações apresentadas em separado - as do 'Recurso interposto em 1º lugar' e as do 'Recurso interposto em
2º lugar' - indica normas que não têm correspondência com aqueles requerimentos
(cfr. as três primeiras conclusões das duas alegações, expostas nos mesmos termos) e acrescenta até normas que não são referenciadas em tais requerimentos; Considerando que, relativamente à norma do artigo 929º do Código citado, e com referência ao 'Recurso interposto em 1º lugar', a recorrente não indica o sentido com que, em seu entender, essa norma devia ter sido interpretada e aplicada, em termos de ser conforme à Constituição (cfr., em especial, a conclusão quarta das alegações do dito 'Recurso interposto em 1º lugar'), Convido a recorrente a esclarecer tais conclusões, sob pena de não se conhecer dos recursos (artigo 78ºB, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, na redacção da Lei nº 13-A/ /98, de 26 de Fevereiro e artigo 690º, do Código de Processo Civil)' Em resposta veio a recorrente dizer que 'quanto ás conclusões primeira, segunda e terceira das alegações dão-se sem efeito neste 1º recurso e passam a ser tratadas tão-só no 2º recurso', limitando-se aquele recurso 'apenas à norma do artº 929º do CPC' (e depois espraia-se em considerações sobre 'o sentido com que, no entender da recorrente, a norma do artº 929º/2/ do CPC devia ter sido interpretada e aplicada, em termos de ser conforme à Constituição'). E quanto ao 'RECURSO interposto em 2º lugar' veio prestar os esclarecimentos que se transcrevem:
'1. A recorrente no requerimento de interposição de recurso de fls. 526 e seguintes identifica expressamente as normas dos arts. 669º/1/a/2/a/b/ e 732º-A do CPC, cuja recusa de aplicação foi arguida de ilegal e inconstitucional, embora nas alegações em separado tenha acrescentado as normas dos arts. 3º, 16º e 17º do DL
329-A/95, de 12 de Dezembro, que não foram referenciadas no requerimento inicial, mas que estão concatenadas com a recusa de aplicação quer dos arts. revogados 763º a 770º, quer dos actuais arts. 732-A e 732-B do CPC.
2. Quanto à recusa de aplicação, no caso dos autos, da norma do artº 732º-A do CPC, convém referir que buliu com as expectativas processuais das partes ao extinguir o recurso para o Tribunal Pleno sem ter criado um instituto intermédio, razão por que nessa perspectiva é nitidamente inconstitucional por violar os arts.
18º/2/3/, 62º/1/ e 168º/1/e/, todos da Constituição.
3. O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro procedeu à revisão do Cód. de Proc. Civil. No seu artigo 3º este DL revogou, entre outros, os arts. 763º a 770º do citado Código, isto é, os preceitos que regiam o recurso para o Tribunal Pleno, que poderia originar o Assento. A revisão entrou em vigor em 1.1.97, no entanto o artº 17º/1/ do DL 329-A/95 teve o cuidado de considerar imediatamente aplicável a revogação em causa. Paralelamente, o artº 4º/2/ do DL revogou o artº 2º do Código Civil. Assim, pôs-se fim aos Assentos.
4. A troco dos Assentos, receberam as partes o julgamento ampliado da revista ou revista ampliada: arts. 732º A e 732º B do CPC, introduzidos pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. Mas, no caso dos autos, foi recusada a aplicação das normas dos anteriores arts. 763º a 770º, bem como dos actuais arts. 732-A e 732-B do CPC, criando-se um vazio processual, pelo que sempre seria de aplicar por analogia o disposto no nº 3 do artº 17º do DL 329-A/95: 'relativamente aos recursos para o Tribunal Pleno já intentados -- ou prestes a ser intentados
(acrescenta a recorrente) --, o seu objecto circunscreve-se à resolução em concreto do conflito, com os efeitos decorrentes das disposições legais citadas no número anterior'. Seria a solução plausível aplicável ao recurso 'sub judice'. Como a tramitação prevista nos revogados arts. 763º a 770º do CPC não se encaixa no normativo previsto nos actuais arts. 732-A e 732-B daquele Código, junta a alegação do recorrente e tendo o MP dado o seu parecer, havia que julgar se existia a invocada oposição entre o Acórdão recorrido e o fundamento. Neste caso é manifesto que se verifica essa oposição.
5. Quanto à recusa de aplicação, no caso dos autos, da norma do artº
669º/1/a/2/a/b/ do CPC cometeu-se ilegalidade evidente pois o Acórdão proferido em 22.4.97 é posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelos arts. 1º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro e 1º do DL 180/96, de 25 de Setembro,
-- 1 de Janeiro de 1997 --, não sofrendo, assim, dúvida a aplicação do novo texto daquele artº 669º/1/2/ do CPC a este caso, atento o disposto no artº
25º/1/ do DL 329-A/95, aditado pelo artº 6º do DL 180//96.
6. Donde, o STJ ao recusar a aplicação da norma inovadora do artº 669º/1/a/2/a/b/ do CPC impediu o exercício da faculdade de requerer a reforma da sentença de que a parte dispõe, violando assim o artº 20º/1/ da Constituição'
6. Cumprido o artigo 79º-B, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro (cfr. artº 6º, nº 2, desta Lei), foi o processo inscrito em tabela para julgamento, mas concluindo-se que, no plano das soluções plausíveis, pode vingar uma solução que obsta à apreciação do mérito dos recursos, interpostos e admitidos posteriormente a 1 de Janeiro de 1997, por implicar que deles não se venha a tomar conhecimento, foi determinado pelo Relator, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 3º, nº3, 704º, nº1, e
708º, nº1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 25º, nº1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo artigo 6º, do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro (ex vi do disposto no artigo 79º-B, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), que se ouvissem a recorrente e a recorrida sobre uma EXPOSIÇÃO em que se concluiu que não pode tomar-se conhecimento de nenhum dos dois recursos, porque não se verificam os pressupostos específicos exigidos pelas alíneas do nº
1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, que a recorrente utilizou nos respectivos requerimentos de interposição dos recursos. E as razões alinhadas nessa EXPOSIÇÃO são as seguintes:
'Considerando o teor e as conclusões das suas alegações e também o esclarecimento prestado relativamente àquelas conclusões, tudo relacionado com os dois recursos, verifica-se que, no que toca ao identificado primeiro recurso
– e delimitado agora o seu conhecimento à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 929º, do Código de Processo Civil -, não estão presentes os pressupostos específicos exigidos pelas alíneas b) e g), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82 (não se demonstra, por um lado, ter havido no acórdão recorrido aplicação daquela norma 'já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional', e, por outro lado, não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade relativa à mesma norma 'durante o processo', pois nas alegações e respectivas conclusões apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça não há nenhuma referência à matéria de inconstitucionalidade reportada ao citado artigo 929º, seja mesmo quanto à sua interpretação conforme
à Constituição, apesar de largamente utilizada essa norma na fundamentação do recurso, mas sempre na perspectiva de que 'não há de forma alguma direito de retenção por benfeitorias' e, por isso, o julgado teria 'violado o disposto nos arts 342º/1, 516º, 754º, 756º e 1273º do Cód. Civil, regime que aliás nem analisou' (e, consequentemente, não interessa indagar o sentido com que aquele artigo teria sido interpretado e aplicado no acórdão recorrido). Quanto ao segundo recurso, radicando o seu objecto nas 'normas inovadoras dos arts. 669/1/a/2/a/b e 732º-A do CPC', face à clareza do requerimento de interposição desse recurso, é desde logo patente que não tem nenhuma pertinência com o presente caso a indicação das alíneas c) e f), do nº 1 do artigo 70º, porque não têm cabimento as hipóteses aí previstas, como resulta da simples leitura dessas alíneas, não podendo, assim, tomar-se conhecimento dele. E mesmo admitindo como bastante o fundamento da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, pelo menos quanto à norma citada do artigo 732º-A, também não se pode tomar conhecimento desse recurso, porque as conclusões (as duas alegações) reportam-se a normas distintas: 'a norma do art º 16 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido' e 'a aplicação dos arts, 3º e 17º do DL
329-A/95, na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão recorrido' (em parte alguma dessas conclusões são aludidas ou identificadas as normas do Código de Processo Civil, na versão de 1995 e 1996, que constam do requerimento de interposição do segundo recurso sendo que essa identificação tem de ser precisa), sendo sabido que é o requerimento de interposição do recurso o instrumento próprio e idóneo para fixar o seu objecto. Além de que a recorrente, em relação a qualquer dessas normas, não precisa a tal interpretação que 'lhes foi dada pelo Acórdão recorrido' e que pretensamente seria inconstitucional, nem indica a interpretação com que elas teriam de ser aplicadas para não serem desconformas à Constituição. Em suma, sendo clara a posição da recorrente ao longo dos autos de que quis sempre prevalecer-se, e só, do regime do recurso para o tribunal pleno previsto pelos artigos 763º e seguintes do Código de Processo Civil, para impugnar o acórdão de 14 de Junho de 1997, a controvérsia, no plano da constitucionalidade, teria de ser correctamente formulada, passando pela conjugação e articulação das normas transitórias com o regime novo daquele recurso, mas a recorrente não seguiu tal via e foi separando as águas em peças processuais distintas, o que não pode aproveitar-lhe. Teve oportunidade para o fazer, designadamente, na reclamação para a conferência do despacho do Relator, que não lhe admitiu o recurso para o tribunal pleno, mas não o fez'. Apenas respondeu a recorrente àquela EXPOSIÇÃO, mostrando-se surpresa por 'esta inesperada reviravolta processual', essencialmente, porque 'o TC volta à questão dos pressupostos, não obstante constituiu caso julgado formal (artº 675º do CPC)', querendo com isto referir-se às decisões neste Tribunal relativas à produção de alegações e ao convite para esclarecimento das conclusões delas.
'Mesmo assim, acrescenta-se que no 1º recurso, relativamente à questão da inconstitucionalidade/ilegalidade da norma do artº 929º do CPC, estão presentes os pressupostos específicos exigidos pela alínea b) do nº 1 do artº 70º da LTC, pois ocorreu a suscitação da ilegalidade ao longo dos autos e da inconstitucionalidade quando podia ser, nas alegações e respectivas conclusões, e no requerimento de recurso e foi indicado o sentido com que aquele artigo foi interpretado e aplicado no Acórdão recorrido'. E, quanto ao segundo recurso, diz a recorrente:
'É evidente que não é possível analisar os arts. 669º/1/a/2/a/b/ e 732º-A do CPC sem relacionar essas normas com os arts. 3º, 16º e 17º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro e foi isso que a recorrente fez com toda a precisão, para além de ter indicado as interpretações negativa e positiva face à Constituição'.
7. Cumpre agora decidir, sem necessidade de novos vistos. Começando naturalmente pelo já identificado primeiro recurso, a tarefa está facilitada porque a recorrente delimitou agora e confirmou na resposta à EXPOSIÇÃO o seu conhecimento à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 929º, do Código de Processo Civil, que disciplina o fundamento e os efeitos dos embargos do executado, em execução para entrega de coisa certa, e no segmento por ela questionado da suspensão do prosseguimento da execução (a matéria do primeiro agravo apreciado no acórdão recorrido de 14 de Janeiro de
1997, onde se concluiu que 'recebidos, como foram, os embargos de executado, a execução, até à decisão a proferir nos mesmos embargos, ficará suspensa, nos termos do nº 2 do artigo 929º do Cód. Proc. Civil', não merecendo, assim, censura o julgado neste ponto). Vindo esse recurso fundado nas alíneas b) e g), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, logo se vê que não se verificam aqui os respectivos pressupostos específicos exigidos em qualquer dessas alíneas. Com efeito, e quanto à alínea g), é em absoluto despropositada a sua invocação, porque não se demonstra ter havido no acórdão recorrido aplicação de norma - e só poderia ser aquele artigo 929º - 'já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional' (nunca houve da parte deste Tribunal um tal julgamento e nem a recorrente o identifica, se eventualmente o conhecesse). Relativamente à alínea b), não se revela o seu pressuposto específico de suscitação da questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', pois nas alegações e respectivas conclusões apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça não há nenhuma referência à matéria de inconstitucionalidade reportada ao citado artigo 929º, seja mesmo quanto à sua interpretação conforme à Constituição, apesar de largamente utilizada essa norma na fundamentação do recurso, mas sempre na perspectiva de que 'não há de forma alguma direito de retenção por benfeitorias' e, por isso, o julgado teria 'violado o disposto nos arts 342º/1, 516º, 754º, 756º e 1273º do Cód. Civil, regime que aliás nem analisou' (e, consequentemente, não interessa indagar o sentido com que aquele artigo teria sido interpretado e aplicado no acórdão recorrido). Não tem, pois, a recorrente razão ao sustentar que 'ocorreu a suscitação da ilegalidade ao longo dos autos e da inconstitucionalidade quando podia ser', nem mesmo o demonstra. Donde a conclusão óbvia de que não pode tomar-se conhecimento do primeiro recurso.
8. Passando agora ao segundo recurso, tudo está em saber onde radica o seu objecto, para se poder concluir se dele pode ou não tomar-se conhecimento. A clareza do requerimento de interposição desse recurso aponta só para 'norma inovadora dos arts. 669º/1/a/2/a//b/ e 732º-A do CPC' e com o fundamento das alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82(e aquela norma do artigo 732ºA vinha já referenciada em anteriores actos processuais praticados pela recorrente, sempre na óptica de que a sua aplicação 'aos casos pendentes é nitidamente inconstitucional' porque a recorrente queria prevalecer-se do recurso para o tribunal pleno previsto nos artigos 763º e seguintes do citado Código: no requerimento de interposição do recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 14 de Janeiro de 1997, na reclamação para a conferência do despacho do Relator atrás identificado (ponto 1.2.), e no pedido de reforma e de aclaração do acórdão de 22 de Abril de 1997). Sendo o objecto do tal segundo recurso preenchido por aquelas normas e só elas, dele também não se pode tomar conhecimento, admitindo mesmo como bastante o fundamento da alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, e aceitando ainda haver in casu uma arguição de questão de inconstitucionalidade normativa, pelo menos quanto à citada norma do artigo 732ª-A, porque as conclusões das respectivas alegações (as duas alegações) reportam-se a normas distintas: 'a norma do art º 16 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 180/96, de 25 de Setembro, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido' e 'a aplicação dos arts, 3º e 17º do DL 329-A/95, na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão recorrido' (em parte alguma dessas conclusões são aludidas ou identificadas as normas do Código de Processo Civil, na versão de 1995 e 1996, que constam do requerimento de interposição do segundo recurso sendo que essa identificação tem de ser precisa). E é sabido que o conhecimento do recurso não pode estender-se a normas que não são identificadas no respectivo requerimento de interposição, que é o instrumento idóneo e próprio para fixar o seu objecto. Nem se diga que aquelas normas transitórias do Decreto-Lei nº 329-A/95, tendo a ver com a revogação do regime do recurso para o tribunal pleno, chamam à colação a norma do artigo 732º-A, do Código de Processo Civil, pois o que este prevê é um regime novo de julgamento alargado, para uniformização da jurisprudência, por determinação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não havendo similitude ou coincidência nesses regimes (o actual e o dos anteriores artigos
763º e seguintes). Se o que a recorrente pretende sustentar, como se alcança do seu pedido de reforma do acórdão de 22 de Abril de 1997, é que 'o recurso para o Tribunal Pleno não podia sair do nosso ordenamento jurídico - nem saiu - relativamente aos processos pendentes, como é o caso, pois tal ofenderia o princípio da irretroactividade das leis', então teria que controverter de modo processualmente adequado a (in)constitucionalidade das identificadas normas transitórias, o que não fez no momento próprio, - e seria o da reclamação para a conferência -, versando só essa matéria no pedido de reforma e de aclaração do acórdão de 22 de Abril de 1997 e nas alegações apresentadas neste Tribunal Constitucional. Se o que a recorrente pretende dizer, como resulta do requerimento de interposição do segundo recurso (ponto 1.2.), é que houve 'recusa de aplicação da norma inovadora dos arts 669º/1/a/ 2/a/b/ e 732º do CPC', então essa recusa só poderia aqui relevar em termos de recusa de aplicação de norma jurídica com fundamento em inconstitucionalidade, e nada disso se detecta nos acórdãos a que se reporta o segundo recurso (no acórdão de 22 de Abril é dito expressamente que não há que 'apreciar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do falado artigo 732º-A', porque ao caso ele é 'inaplicável', sendo o mesmo repetido no acórdão de 8 de Julho). Mas também da parte da recorrente não se invoca o fundamento do recurso da alínea a), do nº 1, do mesmo artigo 70º, que já poderia ser eventualmente o fundamento aqui pertinente. Se ainda o que a recorrente pretende fazer crer é que a aplicação do artigo
732º-A 'aos casos pendentes é nitidamente inconstitucional', então falta o pressuposto específico da aplicação desse norma, pretensamente arguida de inconstitucionalidade, nos acórdãos recorridos, pois, como já ficou dito, nesses arestos considerou-se, pelo contrário, que aquele preceito legal é ao caso
'inaplicável'. Em suma, e repetindo o que já ficou dito na EXPOSIÇÃO, sendo clara a posição da recorrente ao longo dos autos de que quis sempre prevalecer-se, e só, do regime do recurso para o tribunal pleno previsto pelos artigos 763º e seguintes do Código de Processo Civil, para impugnar o acórdão de 14 de Junho de 1997 (ponto
1.1.), a controvérsia, no plano da constitucionalidade, teria de ser correctamente formulada, passando pela conjugação e articulação das normas transitórias com o regime novo daquele recurso, mas a recorrente não seguiu tal via e foi separando as águas em peças processuais distintas, o que não pode aproveitar-lhe. Teve oportunidade para o fazer, designadamente, na reclamação para a conferência do despacho do Relator, que não lhe admitiu o recurso para o tribunal pleno
(ponto 1.2.), mas não o fez. Resta, por último, ponderar que não tem nenhuma pertinência com o presente caso a invocação das alíneas c) e f), do nº 1, do artigo 70º, porquanto aí se prevê a hipótese de recurso com fundamento numa 'ilegalidade por violação de lei com valor reforçado' - seja recusa de aplicação, seja a aplicação, passando por esse fundamento, 'de norma constante do acto legislativo' -, mas em parte alguma se detecta tal 'lei com valor reforçado', nem a recorrente a identifica. Donde a mesma conclusão de que não pode também tomar-se conhecimento do segundo recurso, e nada de útil em sentido oposto pode extrair-se da resposta seca da recorrente à EXPOSIÇÃO.
9. Registe-se, por fim, que a mandatária da recorrente, na resposta àquela EXPOSIÇÃO, diz que o Relator apresenta 'um raciocínio, ‘tipo enguia’, muito aldrabado e fazendo voltar tudo aos ‘pressupostos específicos para encobrir
(...)', expressões que ultrapassam as regras de urbanidade e respeito que se impõem nas relações entre advogados e juízes (cfr. artºs 87º e 89º do Decreto-Lei nº 84/84 de 16 de Março).
10. Termos em que, DECIDINDO: a. não se toma conhecimento dos recursos e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta. b. determina-se que seja remetida ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados certidão da resposta à EXPOSIÇÃO, para efeitos disciplinares. Lisboa, 2.12.98 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Pereira Bravo Serra Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa