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Proc. nº 730/97 Plenário Cons. Messias Bento
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., invocando a qualidade de candidato à presidência da câmara da Meda pelo Partido Popular Monárquico, interpõe recurso ao abrigo do artigo 104º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, pedindo que seja
'anulado o acto eleitoral nas mesas onde ocorreram as eleições ou, se assim se não entender', que se determine 'a recontagem dos boletins de voto, a fim de que haja um apuramento exacto'.
Para fundamentar o pedido, alega a ocorrência de factos que, em seu entender, constituem irregularidades, umas, e ilegalidades, outras:
a). foram 'proibidos de estar presentes todas as pessoas que não tivessem a qualidade de candidatos ou mandatários das listas concorrentes';
b). faziam parte 'da composição da mesa da assembleia de apuramento geral' 'dois elementos que eram, simultaneamente, candidatos pelas listas do PSD' - facto, este último, que o PPM protestou;
c). na mesa de voto da Barreira, o número de votos entrados na urna é inferior em um voto ao número de votantes descarregados - facto que o PPM reclamou na oportunidade;
d). na mesa de voto de Longroiva, 'há menos um boletim de voto para a câmara';
e). a assembleia de apuramento geral não pôde 'conferir todos os boletins de voto nulos' da mesa de voto de Marialva, 'uma vez que não apareceram';
f). na mesa nº 2 da Meda, 'também faltou um voto nulo para analizar, constatando-se que o mesmo estava junto dos votos válidos', 'sem que o mesmo tivesse sido reapreciado e verificado se existiam outros nas mesmas circunstâncias';
g). na assembleia de voto de Outeiro de Gatos, 'aparece descarregado um 'votante' que, ao que tudo indica, é pessoa falecida';
h). também 'não se apreciou um voto nulo, por não ter aparecido', relativamente à mesa de voto de Poço do Canto;
i). os boletins de voto de Marialva foram entregues na câmara 'sem que o envelope estivesse devidamente lacrado', o que o respectivo portador, 'elemento do PSD', a quem o envelope foi devolvido, veio-o a fazer
'horas após';
j). 'igual situação ocorreu em Alcarva, com a agravante de o envelope ter sido transportado e confiado a um delegado do PSD e não por qualquer elemento da mesa de voto';
k). na mesa de voto de Fontelonga, 'cerca de dez pessoas foram acompanhadas por terceiros na câmara de voto' - facto que o delegado do PPM 'protestou verbalmente', 'tendo o protesto sido rejeitado pela mesa, sem que tenha sido fundamentada a decisão e não fizeram constar em acta';
l). na mesa nº 2 da Meda, 'dois votos estavam 'marcados' com uma pastilha elástica um e outro com uma 'pinta' no verso' - facto de que o delegado do PPM 'apresentou reclamação verbal à mesa, para que ficasse registada em acta, o que a mesa não aceitou', tal dando causa a que o referido delegado
'não tivesse assinado a acta daquela mesa'.
O recorrente termina o seu petitório, dizendo: 'junta: certidão da acta logo que a mesma lhe seja entregue pela Câmara Municipal da Meda'.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. As irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral podem ser contenciosamente recorridas. Questão é que 'hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram' (cf. artigo 103º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 701-B/76).
Significa isto que o que se impugna é a deliberação que recair sobre a reclamação ou protesto que tiver por objecto uma irregularidade que tenha sido praticada. E que a reclamação ou o protesto hão-de ter sido apresentados durante a votação, o apuramento parcial ou o apuramento geral, consoante o momento em que a irregularidade haja sido cometida.
Por outro lado, este recurso só pode ter por objecto
'irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral', e não irregularidades que, acaso, tenham sido cometidas em momento anterior, como são as relativas à composição da assembleia de apuramento geral. De facto, por força do que dispõe o artigo 95º, nº 2, do mencionado Decreto-Lei nº 701-B/76, esta 'deverá estar constituída até à antevéspera da eleição, dando-se imediato conhecimento público dos nomes dos cidadãos que a compõem através de edital a afixar à porta da câmara municipal'. E, por isso, se alguma irregularidade tiver ocorrido nessa fase, a sua impugnação, por força do que dispõe o artigo 102º-B, nº 7, da Lei do Tribunal Constitucional, deve fazer-se no prazo de um dia, a contar da publicação desse edital. É que - como se escreveu no acórdão nº 604/89 (publicado no Diário da República, II série, de 30 de Abril de 1990), 'neste domínio, como em outros do processo eleitoral, deve funcionar o princípio da aquisição progressiva dos actos, por forma que os diversos estágios, depois de consumados e não contestados no tempo útil para tal concedido pela lei, não possam ulteriormente, quando já se percorre uma etapa diversa do iter eleitoral, vir a ser impugnados'.
A petição - para além de dever especificar os fundamentos de direito e de facto do recurso - deve ser acompanhada 'de todos os elementos de prova incluindo cópia ou fotocópia da acta da assembleia em que a irregularidade tiver ocorrido' (cf. o nº 3 do citado artigo 103º).
Escreveu-se, a este propósito no Acórdão nº 5/90
(publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1990), que 'ainda que se entenda que eles (ou seja: os elementos de prova) podem não acompanhar a petição, não poderão os mesmos ser aceites para além do prazo que o próprio Tribunal tem para decidir o recurso'. E, no acórdão nº 713/97 (ainda por publicar), acentuou-se que 'a apresentação das provas, cujo ónus impende sobre o recorrente, tem de ocorrer até ao limite do prazo legalmente fixado para o Tribunal Constitucional decidir o recurso, salvo se o tiver decidido antes'.
Um dos elementos que deve instruir a petição de recurso
é a acta das operações de votação e apuramento, se a irregularidade se reportar
à votação ou ao apuramento parcial; e a acta do apuramento geral, caso a irregularidade tenha sido cometida nesta fase do processo eleitoral.
A junção de cópia ou fotocópia da acta (cópia integral) da assembleia em que a irregularidade tiver ocorrido constitui, mesmo, como este Tribunal já decidiu (cf., entre outros, o Acórdão nº 14/90, publicado no Diário da República, II série, de 29 de Junho de 1990), 'um requisito formal da petição, implicando a sua não verificação o não conhecimento do recurso'.
O recurso deve ser interposto no prazo de 48 horas, a contar da afixação do edital destinado à publicação dos resultados do apuramento geral (cf. artigo 104º, nº 1, referido ao artigo 99º do mesmo Decreto-Lei nº
701-B/76), sendo sobre o recorrente que impende o ónus da prova da tempestividade do mesmo, como este Tribunal tem reiteradamente decidido.
4. Expostos estes princípios, resulta claro que a pretensa irregularidade na composição da assembleia de apuramento geral não pode ser objecto do presente recurso, que foi interposto ao abrigo do artigo 104ºdo Decreto-Lei nº 701-B/76.
De facto, se irregularidade houve - questão que aqui não há que decidir -, ela seria, agora, irrelevante, ultrapassado que está o momento para a sua impugnação contenciosa, ao abrigo do mencionado artigo 102º-B, nº 7, da Lei do Tribunal Constitucional.
O Tribunal não pode, pois, conhecer do recurso, na parte em que tem por objecto esta irregularidade.
5. No tocante à proibição de estarem presentes, na assembleia de apuramento geral, pessoas que não fossem candidatos, nem mandatários das listas, suposto que, no caso, o recurso é tempestivo - tempestividade de que o recorrente não fez prova, apesar de ser sobre si que recai o respectivo ónus -, é manifesto que tal facto não constitui qualquer irregularidade. Na verdade, não faria qualquer sentido que, para além das indicadas, que não têm funções de apuramento, pudessem ainda assistir às respectivas operações outras pessoas. Uma tal possibilidade só poderia servir de factor de perturbação - e esse é, seguramente, um resultado que a lei não pretende.
Seja como for, como o recorrente não fez prova da tempestividade do recurso, dele não pode o Tribunal conhecer, na parte em que tem por objecto tal pretensa irregularidade.
6. O recorrente - repete-se - não fez prova da tempestividade do recurso.
É que, não se sabe em que dia e hora foi afixado o edital contendo os resultados do apuramento geral (ele nem sequer alega o facto)
- e, assim, se o recurso, tendo entrado às 11,55 horas do dia 22 de Dezembro em curso, foi apresentado nas 48 horas subsequentes àquela afixação. Tão-pouco se sabe em que dia e hora terminou o apuramento geral, dado que ele não juntou a cópia da respectiva acta; e, tendo dito que a juntaria, 'logo que a mesma lhe seja entregue pela Câmara Municipal da Meda', nem sequer fez prova de que a requereu - e, assim, da data em que o fez.
À falta da prova da tempestividade e, bem assim, da junção da acta do apuramento geral, não pode o Tribunal conhecer do recurso, na parte em que ele tem por objecto irregularidades ocorridas no apuramento geral e no transporte dos votos das assembleias de voto para a câmara municipal. Tal conhecimento, como decorre do que atrás se disse, sempre pressupunha que elas tivessem sido reclamadas ou protestadas - o que, conforme ao teor da petição de recurso, parece não ter ocorrido quanto a todas elas.
7. No tocante às irregularidades eventualmente ocorridas no decurso da votação e nos apuramentos parciais, também o Tribunal não pode conhecer do recurso.
De facto, o recorrente, não só não faz prova da tempestividade do recurso, nem da apresentação oportuna da respectiva reclamação ou protesto, como não juntou (nem sequer protestou juntar) as actas das operações de votação e apuramento relativas às assembleias de voto onde, segundo diz, tais irregularidades terão ocorrido.
Ora, era sobre o recorrente que impendia o ónus de proceder a tal junção e de fazer aquela prova.
8. Aditamento: depois de o processo se achar pronto para julgamento com a apresentação do respectivo projecto de acórdão, chegou a este Tribunal a cópia da acta do apuramento geral, acompanhada das reclamações e protestos apresentados. Essa cópia foi requerida pelo recorrente no dia 22 de Dezembro em curso, pelas 10,30 horas.
Como resulta do que atrás se disse e, mais especificamente, do Acórdão nº 856/93 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Março de 1994), tal acta deve considerar-se entregue em prazo, uma vez que o Tribunal ainda não decidiu e o prazo de 48 horas para o fazer só terminava pelas 12,55 horas do dia 24. E porque esse dia 24 era tolerância de ponto, o termo do prazo transferia-se para o 1º dia útil seguinte, pela hora de abertura da secretaria do Tribunal.
Daquela acta resulta que as operações do apuramento geral terminaram às 03,03 horas do dia 19 do mês de Dezembro em curso. E, como informa o escrivão do processo, o edital, contendo os resultados desse apuramento, foi afixado às 17,30 horas desse dia 19.
Assim, o prazo do recurso, sendo um prazo de horas
(recte, de 48 horas) - que, por isso, se conta de hora a hora, sem se incluir nessa contagem a hora em que tal afixação teve lugar (cf. artigo 279º, alínea b), do Código Civil), terminou, conforme jurisprudência uniforme e reiterada,
'pela hora da abertura da secretaria do Tribunal'. É que, o dia 19 foi sexta-feira.
O que acaba de dizer-se mostra que o recurso foi, efectivamente, apresentado fora de prazo.
A consequência da extemporaneidade do recurso é a mesma da falta de prova da sua tempestividade. Ou seja, o não conhecimento do respectivo objecto.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do recurso.
Lisboa, 23 de Dezembro de 1997
Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa