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Proc.Nº 712/97 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO:
1. – J... foi pronunciado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa como autor do crime previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Realizado o julgamento, veio o arguido a ser condenado pelo Tribunal de Círculo da Comarca de Oeiras na pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Não se conformando com o assim decidido, resolveu interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ), tendo, nas conclusões que formulou, referido o seguinte:
'13 A decisão a quo ao integrar a conduta do arguido na previsão do artº 21º do DL
15/93, de 22/01, violou esta disposição e o artigo 25º do mesmo diploma, e interpretou estes preceitos em violação do princípio da inocência estabelecido no artº 32º, nº2, da Constituição da República.
14 Uma interpretação que favoreça a aplicação do artigo 21º em detrimento do artigo
25º viola o princípio da presunção de inocência estabelecido no artº 32º, nº2, da Constituição da República.
15 O tribunal a quo porque não teve em conta aquele princípio constitucional, aplicou o artº 21º em detrimento do artº 25º'.
2. - No STJ, por acórdão de 26 de Junho de 1997, decidiu-se negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão impugnado.
Na parte respeitante à questão da aplicação do artigo
25º do Decreto-Lei nº 15/93, escreveu-se o seguinte:
'Pretende o recorrente ver integrada a sua conduta na previsão do artº 25º, a) do DL nº 15/93. Porém, este normativo só é aplicável quando a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias.
...E não é, seguramente, o caso. Além de ser significativa a quantidade de heroína detida e destinada à venda e não ao consumo pessoal (a qual daria, no critério da Portaria nº 94/96, de 26/3, para mais de 70 doses individuais diárias), esta substância estupefaciente é das que revela maior perigosidade. Por outro lado, a circunstância de a importância de 107.000$00 apreendida ser o resultado de anteriores vendas da heroína a terceiros revela que o arguido vinha anteriormente desenvolvendo este comércio ilícito e denota uma personalidade já afeita a tal actividade. Assim, a ilicitude do facto incriminado, apreciada em globo, não pode considerar-se consideravelmente diminuída. Pelo contrário, estamos perante um facto cujo grau de ilicitude é significativo. E não se tratou (ao contrário do que sustenta a recorrente) da aplicação
«automática» do citado artº 21º, nº 1, mas da correcta integração neste normativo de uma das diversas modalidades de acção nela previstos, sem que - ao invés - se tenham provado circunstâncias que permitissem a convolação para o crime do artigo 25º, a).'
Desta decisão, pretendeu o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 'com fundamento em interpretação inconstitucional dos artºs 21º e 25º do DL 15/93, de 22/01, por violação do princípio da presunção de inocência consagrado no artº 32º, nº 2, da Constituição', mas o relator, por despacho de 14 de Julho de 1997, não admitiu o recurso, sendo o despacho em questão do seguinte teor:
'O recorrente foi pronunciado (fls.256) por um crime do artº 21º, nº 1 do DL nº
15/93 e por ele condenado na 1ª instância (fls.376). Esta decisão foi confirmada pelo acórdão deste Supremo de fls. 439. Na motivação do seu recurso para este tribunal, o recorrente adianta um juízo de inconstitucionalidade sobre uma eventual decisão do tribunal de recurso: isto é, se este não aplicar determinada norma (do artº 25º, a) do DL nº 15/93), a sua interpretação dos artºs 21º e 25º é - tal como a do Colectivo - inconstitucional. Logo, o recorrente arguiu, por antecipação, a inconstitucionalidade da decisão e não das normas em causa. Ora, não pode admitir-se recurso para o TC com fundamento em inconstitucionalidade da decisão, mas tão-só de normas. Assim, não admito o recurso para o TC, interposto a fls. 454.'
Notificado desde despacho, o recorrente J... veio reclamar para o Tribunal Constitucional alegando que tinha suscitado uma questão de constitucionalidade arguindo de violadora da Constituição a interpretação feita nas instâncias dos artigos 21º e 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Na petição da reclamação, o recorrente solicita que lhe seja concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxas de justiça e do pagamento de custas, pedido este que foi deferido pelo despacho de fls.
O Ministério Público teve vista dos autos, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação, nos termos seguintes:
'A presente reclamação parece-nos manifestamente improcedente, já que o arguido não suscitou durante o processo uma verdadeira questão de 'inconstitucionalidade normativa', limitando-se a pugnar pelo preenchimento de outro tipo legal de crime, previsto no art. 25º a) do DL nº 15/93, com base numa valoração da matéria de facto que o STJ afastou de modo explícito. Na verdade, a decisão recorrida limitou-se a -ao valorar as circunstâncias que rodearam a actividade delituosa do arguido - considerar que a ilicitude do facto se não mostrava 'consideravelmente diminuída', o que obstava à pretendida qualificação jurídica, mais favorável ao arguido. Ora, a apreciação e enquadramento da matéria de facto relevante e a subsunção desta às normas do direito infraconstitucional aplicável constituem tema necessariamente excluído do âmbito dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Termos em que deverá confirmar-se o despacho que rejeitou, por legalmente inadmissível, o recurso interposto.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. - A presente reclamação resulta da recusa no recebimento de um recurso de constitucionalidade, com fundamento em que se arguiu, 'por antecipação, a inconstitucionalidade da decisão e não da norma em causa'.
Importa, por isso, analisar a forma como a questão foi suscitada nas alegações para o STJ e como a decisão recorrida aplica as normas questionadas, sendo todavia certo que o reclamante não identifica, de todo em todo, a interpretação das normas que considera inconstitucional.
Nas referidas alegações, o reclamante escreveu o seguinte:
'13º A decisão a quo ao integrar a conduta do arguido na previsão do art. 21º DL
15/93, de 22/01, violou esta disposição e o art. 25º do mesmo diploma, e interpretou estes preceitos em violação ao princípio da presunção da inocência estabelecido no art.32º, nº2, da Constituição da República;
14º Uma interpretação que favoreça a aplicação do art. 21º em detrimento do art.25º viola o princípio da presunção de inocência estabelecido no art.32º, nº2, da Constituição da República;
15º O tribunal a quo porque não teve em conta aquele princípio constitucional, aplicou o art.21º em detrimento do art.25º;
16º Atendendo às circunstâncias que no caso concreto diminuem consideravelmente a ilicitude da conduta do arguido, deveria ter-se aplicado o disposto no referido art.25º.'
3. - O Tribunal Constitucional admite os recursos de decisões dos outros tribunais que apliquem normas cuja constitucionalidade foi suscitada durante o processo ou recusem a sua aplicação por inconstitucionalidade, identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso.
Os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas utilizadas na decisão recorrida, não podendo visar as próprias decisões jurisdicionais (cfr., neste sentido, o Acórdão nº 702/96, e o Acórdão nº 336/97, ainda inéditos).
Na decisão recorrida, o STJ tomou sobre tal matéria a posição já atrás transcrita.
Ora, analisados todos os elementos em questão, é manifesto que a decisão recorrida não fez qualquer 'interpretação normativa ' das disposições em questão: com efeito, como do próprio texto decorre claramente, o acórdão do STJ limitou-se a analisar os factos considerados como provados e aplicando o direito a tais factos, realizou a operação de subsunção dos factos ao direito convocável, considerando que a factualidade dada como provada não 'cabia' na norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93. Trata-se, assim, de uma mera opção de direito infra-constitucional entre duas normas de direito ordinário, apenas decidida pelo julgamento que os juízes de instância são competentes para fazer: da escolha dos factos relevantes e da sua compatibilidade com as normas, optando pela aplicação daquela que melhor se adequa a todos os elementos que devem ser considerados na decisão.
Dizer que a opção que privilegia a aplicação de uma norma em vez de outra viola um dado princípio constitucional é, na verdade, imputar tal violação à própria decisão, uma vez que se não está a fazer qualquer
'interpretação normativa' que possa ser utilizada como regra para outras aplicações, mas apenas a fazer a subsunção dos factos à norma aplicável.
Assim, entende-se que não tem o Tribunal de conhecer do presente recurso uma vez que não estão preenchidos os requisitos legais de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. III - DECISÃO:
Por todo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em UC's.
Lisboa, 13 de Maio de 1998 Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Artur Mauricio Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida