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Processo nº 119/97 Plenário Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figuram como recorrente a sociedade 'A..., S.A.' e como recorrido o Presidente da Junta Autónoma das Estradas, foi proferido o acórdão nº 133//98, que, por comodidade, se passa a transcrever:
'1. A recorrente 'A..., S.A.' notificada do acórdão nº 492/97, a fls. 229 dos autos, que indeferiu 'a arguição de nulidade do acórdão nº 349/97' (acórdão que não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade por ela interposto), veio agora requerer a aclaração daquele acórdão nº 492/97, com o fundamento de que 'o exercício pelos tribunais da 'competência material' que lhes está demarcada não poderá, em termos constitucionalmente relevantes, deixar de ser iluminado pela 'incumbência' fixada no artº 205º, nº 2 da CRP' e, por isso,
'compaginando o 'programa de administração da justiça' que a Constituição impõe aos tribunais (a todos e a cada um deles, volta a repetir-se) a Recorrente não consegue, sem perplexidade ou hesitação, descortinar no douto acórdão a
'argumentação' consistente para não acolher o aduzido nos artº 1º a 14º da
'resposta' que ofereceu à 'exposição' do Venerando Juiz Conselheiro Relator (e que aqui, com a vénia merecida dá por integralmente reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos)'.
2. O recorrido Presidente da Junta Autónoma das Estradas respondeu à reclamação, sustentando a sua improcedência, 'por não ter qualquer fundamento', o pedido de aclaração, pois 'o que o recorrente mais uma vez pretende é abrir nova frente de discussão da matéria (que já foi) controvertida', peticionando ainda a condenação da recorrente como litigante de má-fé ('em multa que este Venerando Tribunal, no seu prudente juízo, fixará; e em indemnização ao Estado Português aqui representado pelo recorrido, em indemnização não inferior a 1 500
000$00 (Um milhão e quinhentos mil escudos) valor muito inferior ao prejuízo causado ao interesse público que este defende e prossegue, pela utilização reprovável e dolosa do presente meio processual)', porque se verifica representar o pedido de aclaração: 'i) uma pretensão deliberadamente infundamentada, já que nem sequer revela o que, em concreto, carece de clarificação; ii) uma tentativa de entorpecer a acção da justiça porquanto, a despeito da suspensão de eficácia mantém-se a presunção de legalidade de que beneficia o acto administrativo; iii) um protelamento censurável do trânsito em julgado da decisão'.
3. Ouvida a recorrente sobre este pedido da sua condenação como litigante de má-fé, veio sustentar que devia 'ser recusado, porque não provado, o pedido formulado pelo Recorrido', pois, se 'não tem qualquer rebuço em admitir que a questão por si suscitada possa ser havida como 'ousada' (ou 'temerária', se assim melhor se preferir)', isso não significa que, 'à partida e em abstracto, ela saiba ou tenha obrigação de saber qual a solução que, afinal, lhe virá a ser dada'.
4. Sem vistos, vêm os autos à conferência.
A reclamante não aponta na secura do seu pedido qualquer ambiguidade ou obscuridade de que pudesse padecer o acórdão visado e só esse apontamento poderia fundar um pedido de esclarecimento, ao abrigo do artigo 669º, nº 1, a), do Código de Processo Civil, revisto em 1995 e 1996. Tal como diz o recorrido Presidente da Junta
Autónoma das Estradas, o que a recorrente pretende é conhecer uma 'argumentação' que responda à sua posição expressa na resposta apresentada nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, voltando a 'abrir nova frente de discussão da matéria (que já foi) controvertida' , mas isso ficou já resolvido de forma clara no acórdão reclamado nº 492/97 e volta aqui a transcrever-se:
'A reclamante, no fundo, pretende fazer incluir no objecto do recurso de constitucionalidade matérias que lhe são estranhas, como seja o conhecimento e a declaração de nulidade de um acto administrativo, 'acto posto em crise pela Recorrente, (...) prolatado sem cumprimento da formalidade essencial, de base
'constitucional' e 'concretização' legal, da sua 'audiência prévia' (art. 267º, nº 4 da Constituição, e art. 2º, nº 5, 8º e 100º e segs. do Código do Procedimento Administrativo)' ('E particularmente, como no caso, quando tal nulidade advém de ofensa a normas e princípios consagrados na Constituição'- diz também a recorrente). Só que o Tribunal Constitucional tem, no que aqui interessa, uma competência material demarcada pelo juízo de (in)constitucionalidade de normas jurídicas e não de outros actos jurídicos, como é o acto administrativo, sendo que o nosso sistema jurídico não prevê a figura do recurso de amparo (cfr. artigos 223º,
225º, nº 1, e 277º e seguintes da Constituição). Deste modo, não relevando aqui as tais matérias que a recorrente faz constar da resposta à EXPOSIÇÃO do Relator, não constituem elas questões que este Tribunal Constitucional 'devesse apreciar', e, por consequência, não se verifica a omissão de pronúncia arguida pela recorrente, à luz da primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil. Além de que, como é jurisprudência pacífica, não integra aquela nulidade a falta de apreciação pelo juiz dos fundamentos ou razões de que as partes se socorrem, não havendo, pois, relação directa entre esses fundamentos ou razões e omissão de pronúncia'. Nenhuma obscuridade ou ambiguidade desse passo do acórdão reclamado é apontada pela reclamante, pelo que só resta concluir que não pode ser atendido o seu pedido de aclaração.
5. Relativamente à litigância de má fé, tal
como é feito o pedido pelo recorrido Presidente da Junta Autónoma de Estradas, parece agora relevar a situação de que o acórdão reclamado nº 492/97 já dava indícios (pressentir-se que a reclamante tem interesse em protelar o trânsito em julgado da decisão, que data de há mais de seis meses), pois com o infundado pedido de aclaração continua a jogar a favor da recorrente a decretada suspensão da eficácia do acto administrativo. Tal protelamento, sem fundamento sério, e, portanto, culposo no sentido de, pelo menos, negligência grave, obtido por via da utilização de sucessivos expedientes processuais - e o presente sem qualquer substância, pois não há o mínimo fundamento para se ver aclarado o que quer que seja -, constitui a causa de litigância de má fé prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 456º, do Código de Processo Civil. Com o que procede o pedido de condenação da reclamante como litigante de má fé, o que, nos termos do nº 1 do artigo 456º e do nº 1 do artigo 457º, implica a condenação numa multa que se entende fixar em oito unidades de conta. Quanto à indemnização que foi pedida pelo recorrido Presidente da Junta Autónoma das Estradas (cujo montante não foi questionado), não há demonstração alguma, nem mesmo invocação de factos, para o valor apontado e por isso não se fixa.
6. Termos em que, DECIDINDO: a) indefere-se o pedido de aclaração do acórdão nº 492/97;
b) defere-se o pedido de condenação em litigância de má fé, condenando-se a reclamante na multa de oito unidades de conta, e indefere-se, porém, o pedido de indemnização formulado pelo Presidente da Junta Autónoma das Estradas; c) condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em vinte unidades de conta'.
B. A recorrente, notificada desse acórdão, 'e não se conformando com o mesmo, no que em simbiose decidiu, dele vem interpôr recurso para o Plenário', invocando em síntese o seguinte:
- uma nulidade, 'consistente no não cumprimento do artº 84º, nº 6, da Lei nº 28/82, de 15 de Dezembro (na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro)', porquanto, como alega, 'não foi mandada ouvir sobre o 'projecto de decisão', digamos assim por mera comodidade de exposição, do Exmº Senhor Juiz Conselheiro Relator propendente para a condenação da Recorrente como 'litigante de má fé', sendo que aquele acórdão nº 133/98
'deferiu, em primeiro grau de jurisdição, o pedido de condenação da Recorrente
'em litigância de má fé'.
- a recorrente 'não litiga de má fé', continuando a entender que 'a
'nulidade' que ela assacou ao acto administrativo e cuja cognoscibilidade sustenta caber no âmbito da competência material do Venerando Tribunal Constitucional, tal como ela a entende, não está consumida pelo julgado na jurisdição administrativa' e daí insistir em 'pugnar pelo conhecimento que ainda não houve'.
- 'a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados é 'pauta constitucional' da administração da justiça e, portanto, iluminadora e concretizadora do sentido e alcance das normas disciplinadoras dos recursos e suas condições de admissibilidade, designadamente do artº 79º-D, da Lei nº 28/82 de 15 de Dezembro, e, particularmente, do que substantivamente promana do seu nº 7', acrescentando que 'o adoptado quanto à não admissão do recurso de constitucionalidade do douto acórdão do Venerando Supremo Tribunal Administrativo diverge do entendimento segundo o qual há recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que aplicam o regime estatuído pela norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada, mesmo quando essa aplicação é feita sob invocação de outro ou outros preceitos jurídicos: cfr. acórdão 581/94, in D.R. II série, nº 288, de 15/ /Dezembro/94'.
C. Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho do Relator:
'Porque não se verifica o condicionalismo do recurso para o plenário do Tribunal, previsto no artigo 79º-D, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que a recorrente pretende interpor com o requerimento de fls. 262 e seguintes, pedindo a sua admissão, indefiro esse requerimento e não admito tal recurso.
É que, e desde logo, o recurso para o plenário do Tribunal só pode ter lugar havendo divergência de julgamento por qualquer das suas secções, relativamente a uma questão de inconstitucionalidade reportada a uma 'mesma norma', o que não ocorre nos presentes autos, pois nunca o Tribunal se pronunciou sobre a matéria de inconstitucionalidade de uma norma jurídica (antes e só não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente)'.
D. Veio então a recorrente, não se conformando com tal despacho,
'apresentar 'RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA' a fim de que sobre o mesmo recaia um acórdão', argumentando do seguinte modo:
'a) A Recorrente foi, em primeiro grau de jurisdição, condenada em 'litigância de má-fé'; b) Nos termos do art. 84º, nº 5, da Lei nº 28/ /82, de 15 de Novembro (na redacção introduzida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), 'O Tribunal Constitucional pode, sendo caso disso, condenar qualquer das partes em multa e indemnização, como litigante de má-fé, nos termos da lei de processo' (o sublinhado é da Recorrente); c) Nos termos do art. 456º, nº 3, do Código de Processo Civil, 'é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé'; d) Porém, o douto despacho ora sob reclamação não admitiu o recurso (que, de resto, se funda em, por um lado, nulidade do julgado - consistente no não cumprimento do art. 84º, nº 6, da Lei nº 28/82, de 15 de Dezembro: cfr. A) do requerimento de interposição -, e, por outro lado, em 'não bom julgamento': cfr. B) do mesmo requerimento de interposição do recurso), sendo absolutamente silene quanto ao porquê não ter considerado o aduzido pela Recorrente, no plano da fundamentação da interposição. De outra banda, na sua economia global e coerência interna o douto acórdão do qual a Recorrente pretende interpôr recurso para o Plenário configura 'decisão simbiótica' (cfr. 'abertura' do requerimento de interposição do recurso e C) do mesmo requerimento), nada esclarecendo o douto despacho ora sob reclamação porquê enjeitou esta configuração e qualificação, para se ater ao aduzido 'por mera prudência'; (cfr. C) do requerimento de interposição); E salvo o merecido respeito, mesmo no seu único segmento o douto despacho ora sob reclamação, para ser obediente à 'pauta constitucional' de administração da justiça (cfr. C) do requerimento de interposição do recurso) deveria ser de sentido diferente - o que a Recorrente aqui diz a título subsidiário relativamente à configuração e qualificação como 'decisão simbiótica' do douto acórdão do qual pretende interpôr recurso para o Plenário, do porquê (de facto e de direito) da sua irresignação com o mesmo e, bem assim, da admissibilidade da sua impugnação (cfr. art. 456º, nº 3 do Código de Processo Civil, 'ex vi' do art. 84º, nº 5, da Lei nº 28//82, de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro)'.
E. Sem vistos, vêm os autos à conferência (artigo 700º, nº 4 do Código de Processo Civil).
F. Reduzindo a reclamação ao que unicamente pode interessar, isto é, saber se tem cabimento o pretendido recurso para o Plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79º-D, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, facilmente se alcança que a recorrente
não consegue minimamente demonstrar o pressuposto processual desse recurso: ter o Tribunal Constitucional julgado nestes autos uma questão de inconstitucionalidade 'em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções' (e só este pressuposto aqui releva, não interessando o mais alegado na reclamação).
Desde logo tem de registar-se que nem no citado acórdão nº 133/98, nem nos dois acórdãos que o antecederam, foi julgada qualquer questão de inconstitucionalidade relativamente a uma norma jurídica, porque nenhum julgamento desse tipo se detecta em tais arestos.
Depois porque, tendo a recorrente interposto recurso para o Plenário do acórdão nº 133/98, vê-se da sua leitura que ele se debruçou apenas sobre um pedido de aclaração do acórdão antecedente nº 492/97, indeferindo-o, e sobre a matéria da litigância de má fé, conforme pedido do Presidente da Junta Autónoma de Estradas, controvertido pela resposta da recorrente, em obediência ao princípio do contraditório. Daqui decorre que não há nesse acórdão nº 133/98 nenhum julgamento relativo a qualquer questão de inconstitucionalidade.
Não há, pois, que censurar o despacho reclamado, que se mantem.
Uma última palavra para afastar a pretensa arguição de nulidade constante do requerimento de interposição do recurso para o Plenário, repetida, aliás, na reclamação, e que só pode configurar-se como nulidade de acto processual, e nunca 'nulidade de decisão ou nulidade do julgado', porque não teria sido cumprida a formalidade prescrita no nº 6 do artigo 84º, da Lei nº
28/82, na redacção da Lei nº 85/89 (actual nº 7, na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
Só que não era caso de observar aquela formalidade, pela simples razão de que, como ficou já dito, a recorrente foi efectivamente ouvida 'sobre o pedido de condenação como litigante de má fé, formulado pelo Presidente da Junta Autónoma das Estradas', conforme despacho do Relator, e seria acto inútil, cuja prática o artigo 137º do Código de Processo Civil proíbe, ouvi-la sobre um eventual parecer do Relator, assumindo esse mesmo pedido, pelo que carece totalmente de fundamento tal arguição (aliás, nunca poderia influir na decisão daquele pedido a invocada omissão - artigo 201º, nº 1, do Código citado).
Diga-se ainda que o argumento usado pela recorrente e apoiado no artigo 456º, nº 3, não tem subsistência, uma vez que este Plenário funciona sempre como última instância.
G. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a recorrente em custas, com a taxa de justiça fixada em trinta unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 1998 Guilherme da Fonseca Messias Bento Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Vitor Nunes de Almeida Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Artur Mauricio José Manuel Cardoso da Costa