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Proc. nº 308/97
1ª Secção Cons. Rel: Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A..., advogado, arguido no Proc. nº 5305/96 pendente no 1º Juizo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com invocação do disposto nos Arts. 70º nº 1 als. b) e g) e 75-A da LOTC, do despacho de fls. 29 que, ao abrigo do artº 291º nº 1 do Código de Processo Penal (CPP) indeferiu a inquirição da maior parte das testemunhas por ele arroladas, bem como a apensação de outros processos.
Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
'(...) 1ª O douto despacho recorrido é violador da Constituição e da CEDH.
2ª A aplicação do artº 291º com a interpretação que lhe foi dada pelo douto despacho, firma este preceito, materialmente inconstitucional.
3ª A igualdade de armas; a defesa e a acusação a supramacia e não a inferioridade da defesa é manifesta na intenção do legislador e no texto constitucional.
4ª Admitir como 'razoável' a interpretação que é feita do artº 291º
é claramente afirmar a sua inconstitucionalidade, a qual deve ser claramente declarada pois que violador de normas e principios fundamentais expressos.
5ª Termos em que, muito respeitosamente, se requer a V.Exa. a declaração de inconstitucionalidade material, do artº 291º do CPP na interpretação que lhe é feita pelo douto despacho recorrido devendo em consequência ser o mesmo revogado (...)'.
Por despacho de fls. 66 o recurso não foi admitido, nos termos do Artº. 70º nº 2 da LOTC, por não se mostrarem esgotados os meios ordinários de recurso.
Deste despacho reclamou o arguido A..., nos termos seguintes:
'(...) 1ª Vem a presente reclamação do douto despacho que não admitiu o recurso de inconstitucionalidade suscitada.
2ª Diz aliás o douto despacho que 'a decisão em crise admite recurso ordinário que, aliás, já foi interposto..'
3ª Na verdade, o recurso interposto para o tribunal da Relação vem suscitar a ilegalidade da decisão recorrida, por violação de lei.
4ª Dizendo-se aí que, que não parece que o legislador do CPP-artº
291º quisesse dar poderes ilegais e violadores da Constituição ao juiz de Instrução.
5ª De tal modo que ele pudesse violar o disposto na Constituição-artº 32º.
6ª Se assim fosse, o referido artº seria inconstitucional.
7ª Atento que o Sr. Dr. Juiz de Instrução, nos presentes autos, considera não haver ilegalidade (processual e constitucional) na sua decisão,
8ª Teremos que concluir que é o preceito que está ferido de inconstitucionalidade.
9ª A não ser assim, teria sustentado o recurso, e ordenadas as diligências de prova requeridas.
10ª Ao manter a Instrução nos termos e data por si preconizadas, o douto despacho recorrido, vai violar os direitos fundamentais do cidadão.
11ª A diferença entre ambos os recursos, é que ali pretende-se atacar a decisão, e daí o efeito meramente devolutivo que lhe foi atribuído, e aqui pretender-se atacar a inconstitucionalidade do preceito, e daí a lei atribuir-lhe o efeito suspensivo.
12ª Daí a diferença de regime e de substancia de ambos os recursos.
13ª É evidente que já se apresentou, recurso autónomo, no Tribunal Constitucional, desconhecendo-se qual a decisão tomada quanto à sua aceitação.
14ª No entanto, só a sua subida imediata, ao Tribunal Constitucional, evitará aplicação de norma inconstitucional, e continuar a privar a liberdade do ora reclamante.
15ª Termos em que deve, subir de imediato o presente recurso, evitando uma pronuncia, com base na recusa de realização de prova, constitucionalmente protegida (...)'.
Neste tribunal, o Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência da reclamação, por faltar um pressuposto de admissibilidade do recurso: o esgotamento dos recursos ordinários possíveis.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2. Como se deixou relatado, o reclamante invocou no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional o artº 70º nº 1 als. b) e g) da LOTC.
É porém, evidente que a menção da al. g) do citado artº 70º nº 1 da LOTC não tem qualquer atinência ao caso dos autos e ao próprio teor das alegações apresentadas pelo reclamante.
Na verdade, o reclamante não põe em causa a aplicação de norma (no caso, o artº 291º nº 1 do CPP) que o Tribunal Constitucional tivesse já anteriormente julgado inconstitucional ou ilegal.
O que o reclamante argui é, outrossim, a inconstitucionalidade material do artº 291º nº 1 do CPP, por infracção ao disposto no artº 32º nº 1 da CRP, na interpretação que estaria pressuposta no despacho impugnado ao fundar naquele preceito legal o indeferimento das requeridas deligências instrutórias.
Mas se o recurso foi, deste modo, interposto ao abrigo do artº 70º nº 1 al. b) da LOTC, haveria que observar os pressupostos da sua admissibilidade, entre os quais avulta, in casu, o que consta do nº 2 do mesmo artº 70º - não admitir a decisão impugnada recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam.
Tal pressuposto não se verifica.
Com efeito, considerando o princípio geral expresso no artº 349º do CPP e as excepções previstas no artº 400º do mesmo código, manifesto é que do despacho impugnado caberia recurso para a relação (artº 427º do CPP), recurso esse que se integra na espécie dos recursos ordinários (epígrafe do Título I do Livro IX).
Saliente-se até que o reclamante bem se apercebeu deste meio de impugnação exercitando-o, em simultâneo, com o recurso interposto do mesmo despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa que foi, aliás, admitido.
Não se mostra, assim, verificado um dos pressupostos de admissibilidade do recurso expresso no artº 70º nº 2 da LOTC.
3. De uma forma confusa - como bem assinala o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu parecer - intenta o reclamante justificar o bem fundado da sua conduta processual com os dois recursos interpostos.
Parece depreender-se do seu arrazoado que o recurso interposto para a relação visaria impugnar a legalidade da decisão, suposta a conformidade constitucional da norma aplicada - a que consta do citado artº 291º nº 1 do CPP
- e o interposto para o Tribunal Constitucional a constitucionalidade da mesma norma na interpretação subjacente àquela decisão.
Sem qualquer razão,
Na verdade se o reclamante sustenta que a norma do artº 291º nº 1 da CPP, efectivamente aplicada no despacho recorrido, infringe o artº 32º nº 1 do CRP, embora na interpretação que lhe foi dada, o recurso para o Tribunal Constitucional só pode alicerçar-se na al. b) do nº 1 do artº 70º da LOTC
(afastados os casos previstos nas als. f) g) e h)), o que implica a observância do disposto no nº 2 do mesmo artigo, ou seja o esgotamento dos recursos ordinários, recursos estes onde é lícito ao recorrente pugnar também pela inconstitucionalidade da norma aplicada na decisão recorrida, considerando o poder-dever de fiscalização (difusa) de constitucionalidade das normas, conferido pelo artº 204º da CRP a todos os tribunais.
4. Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs.
Lisboa, 13 de Maio de 1998 Artur Maurício Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida