Imprimir acórdão
Proc. nº 139/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que figuram como expropriante a Junta Autónoma e como expropriada G...., Limited, foi proferida decisão arbitral, fixando o valor da parcela a expropriar em 1.038.000$00.
A expropriada e a expropriante interpuseram recursos da decisão arbitral para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, que, por sentença de fls. 171 e ss., julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada e improcedente o recurso interposto pela expropriante. Nesse aresto, o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia recusou a aplicação da norma contida no artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º, nº 2, e 62º, nº 2, da Constituição.
2. O Ministério Público interpôs recurso da sentença do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº
438/91, de 9 de Novembro.
Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1º - A norma constante do nº 2 do artigo 8º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, é – tal como a norma que constava do artigo 3º, nº 2, do anterior Código – materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 62º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que não consente a indemnização do prejuízo resultante da imposição de uma servidão 'non aedificandi' sobre parcela sobrante do terreno expropriado.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
A recorrida contra-alegou, aderindo às alegações apresentadas pelo Ministério Público.
II Fundamentação
3. O artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações tem a seguinte redacção:
2. As servidões fixadas directamente na lei não dão direito a indemnização, salvo se a própria lei determinar o contrário.
Tal norma é materialmente idêntica à norma contida no nº 2 do artigo
3º, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
O Tribunal Constitucional decidiu em vários arestos que a norma contida no artigo 3º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, era inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13º, nº 1, e 62º, nº 2, da Constituição (cf. Acórdãos nºs
594/93 e 329/94 - D.R., II Série, de 29 de Abril de 1994 e de 30 de Setembro de
1994, respectivamente; e 800/93, 45/94, 438/94, 657/94, 71/95, 72/95, 112/95,
142/95, 154/95, 173/95, 192/95, 230/95, 250/95, 391/95, 588/95, 665/95, 174/96 e
299/97 - inéditos).
Recentemente, a 2ª Secção do Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nº 1, e 62º, nº 2, da Constituição, a norma constante do artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações de 1991 (cf. Acórdão nº 193/98, inédito). Tal como se escreveu nesse aresto 'a diminuição das utilidades da coisa, por virtude da imposição de certos vínculos administrativos (maxime, de uma servidão non aedificandi) é susceptível de fazer nascer uma obrigação de indemnizar. E, por isso, resultando essa servidão do acto expropriativo, tem ela de ser levada em conta na determinação do montante a pagar, a título de indemnização'.
É este o entendimento que agora se acolhe, em face da similitude dos casos apreciados em ambos os Acórdãos.
III Decisão
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. julgar inconstitucional a norma contida no artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações de 1991, por violação dos artigos 13º, nº 1, e 62º, nº 2, da Constituição, na medida em que não permite que haja indemnização pelas servidões fixadas directamente na lei e desde que essa servidão incida sobre a parte sobrante de um prédio na sequência de processo expropriativo relativo a parte de tal prédio, e quando este, antecedentemente àquele processo, tivesse já aptidão edificativa; b. em consequência, confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade por ele feito.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1998. Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto (vencido de acordo com a declaração de voto que junto) José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme a declaração de voto junta ao Acórdão nº 262/93, e a posição reiteradamente assumida na sequência dela, em casos semelhantes)
Declaração de voto Votei vencido, discordando da jurisprudência resultante do Acórdão n.º 262/93
(publicado no Diário da República, II série, de 21 de Julho de 1993) e dos restantes Acórdãos citados e seguidos na presente decisão, pelas razões que passo a expor. Entendo que a hipótese, compreendida na previsão do artigo 8º, n.º 2, do Código das Expropriações, de servidão non aedificandi resultante directamente da lei
(no caso, o artigo 5º do Decreto-Lei n.º 13/94, de 15 de Janeiro) para a parte sobrante de prédio expropriado não pode, sem entorse ao princípio da igualdade, ser distinguida, para efeitos indemnizatórios e de controlo de constitucionalidade, daqueloutra em que tal servidão fica constituída independentemente de qualquer expropriação, por o prédio simplesmente ser marginado por uma estrada, sendo servidão idêntica imposta pela mesma disposição legal. Como bem se nota na declaração de voto aposta pelo Ex.mº Consº Cardoso da Costa ao Acórdão n.º 262/93, não cabe seccionar a norma em questão, como neste e no Acórdão citado, para efeitos de sobre ela formular um juízo de constitucionalidade, entre hipóteses em que uma servidão de idêntico conteúdo e imposta pela mesma disposição resulta para a totalidade ou para parte da área sobrante de prédio expropriado e hipóteses em que resulta para a totalidade ou para parte de um prédio que não é objecto de qualquer expropriação. Em ambos os casos, a situação, sob todos os pontos de vista possivelmente relevantes para o problema da indemnizabilidade da imposição da servidão resultante da lei, afigura-se-me perfeitamente idêntica: está em discussão a indemnização por uma servidão idêntica, imposta pela mesma lei, numa determinada situação, incida tal servidão ou não sobre parte sobrante de prédio expropriado (pois pela perda do direito de propriedade sobre a parte do prédio expropriada há obviamente indemnização). Mesmo quando a servidão surge, para a parte sobrante, 'na sequência de processo expropriativo relativo a parte' do prédio, a expropriação não é a causa da imposição dessa servidão, mas sim o preenchimento da hipótese legal que prevê a constituição da servidão. Não pode a constituição da servidão, portanto, ser considerada como consequência da expropriação (apesar de a ela poder estar ligada), antes surgindo, como não deixou de se reconhecer no Acórdão n.º 329/94, 'em consequência da realizanda obra exproprianda' (cfr., todavia, o citado Acórdão n.º 262/93). Não concordando, portanto, com o tratamento específico da situação (como a presente) em que a servidão incide sobre a parte sobrante de prédio expropriado, e antes identificando tal caso, sob os pontos de vista juridico-constitucionalmente relevantes, ao da imposição de servidão sobre prédio não expropriado e marginado por uma estrada, apenas poderia concordar com o juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão se, de forma mais abrangente, julgasse desconforme com a Constituição (designadamente, com o seu artigo 62º, n.º 2) todo o artigo 8º, n.º 2 do Código das Expropriações, enquanto exclui o direito de indemnização para as servidões resultantes directamente da lei. Ficam-me, todavia, sérias dúvidas sobre um juízo de inconstitucionalidade com tal amplitude, devido, quer ao tipo de encargo imposto (que não afectará normalmente o núcleo central do direito de propriedade), quer à via, legal (e não por acto individual e concreto), pela qual é imposto - mas sem deixar de considerar, por outro lado, a importância de que o ius aedificandi se pode revestir, sobretudo no caso de inserção do prédio em 'área edificável' ou
'vocacionada para a edificabilidade' (ver, para o caso de eliminação absoluta do ius aedificandi resultante do plano urbanístico, Fernando Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, Coimbra, 1989, págs. 523 e segs.). Em face de tais dúvidas, não me pronunciei pela inconstitucionalidade do artigo 8º, n.º 2, do Código das Expropriações, em todo o seu conteúdo normativo, assim também não podendo acompanhar o julgamento de inconstitucionalidade dos casos, autonomizados (a meu ver sem razão) na jurisprudência em que este Acórdão se insere, em que a servidão referida nessa norma resulta apenas para a parte sobrante de prédio expropriado. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Paulo Mota Pinto