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Processo n.º 110/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A reclamante A. veio requerer a reforma do acórdão n.º 248/2014 quanto à sua condenação em custas.
Sustenta, em síntese, que beneficia de isenção de custas, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. c), do Regulamento das Custas Judiciais e do artigo 4.º do Regime das Custas no Tribunal Constitucional, argumentando por referência aos termos do Acórdão n.º 284/2011 e com indicação de que todas as decisões proferidas no processo perante os tribunais judiciais reconheceram tal isenção, decorrente da sua condição de juíza de direito e interveniente processual, como assistente e demandante civil, em virtude do exercício de funções como magistrada judicial.
O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do provimento do pedido de reforma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
2. A questão colocada e a que cabe dar resposta passa por determinar se a reclamante beneficia de isenção de custas nos presentes autos, obstando à sua condenação em custas pelo decaimento no impulso que dirigiu a este Tribunal, em reação ao despacho proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
Adiante-se que a resposta é afirmativa.
Não porque, como alega, assim decorra do Acórdão deste Tribunal com n.º 284/2011, pois, consultado o mesmo, verifica-se que não encontra relação com os presentes autos. E, acrescente-se, nenhum Acórdão deste Tribunal instruiu o presente apenso de reclamação.
Como, por outro lado, não é exato que todas as decisões proferidas nos autos tenham reconhecido que a assistente e demandante civil, ora reclamante, beneficia de isenção de custas ou, simplesmente, tenham omitido a sua tributação, quando vencida. Na verdade, a decisão sobre que versou o recurso para o Tribunal Constitucional, proferida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 10 de dezembro de 2013, que indeferiu a reclamação apresentada pela mesma reclamante ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal, contém, na sua parte dispositiva: “Fixo em 3 UC a taxa de justiça, a cargo da reclamante” (fls. 537 a 539). Dos presentes autos incidentais não consta que a reclamante tenha peticionado a reforma dessa decisão, na vertente da sua condenação em custas.
Todavia, encontra-se certificado nos autos que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 21 de maio de 2013 apreciou recurso do arguido precisamente sobre a questão da isenção de custas por parte da assistente e demandante civil, aqui reclamante, o qual julgou improcedente, nos seguintes termos (fls. 390 e 391):
“Também relativamente à decidida isenção de taxa de justiça por banda da Assistente no que se reporta à dedução do pedido de indemnização civil, padece o Arguido Recorrente de razão.
Tal isenção decorre do preceituado no artigo 4.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais, ao dispor que «Estão isentos de custas: os magistrados (...) em quaisquer ações em que sejam parte por via do exercício das suas funções». Bem como do estatuído no artigo 17.º, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho (...), ao dispor que «são direitos especiais dos juízes: A isenção de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções (...)».
Ora, na situação que nos ocupa, dúvida alguma se coloca e que a causa de pedir e o pedido na ação cível enxertada têm como “núcleo essencial factivo” o exercício de funções, como Magistrada Judicial, da Ofendida, Srª Drª A., existindo um nexo causal entre as funções por ela exercidas, naquela qualidade, e o processo no âmbito do qual ocorreram os factos cujo cometimento é imputado ao Arguido.
Como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de junho de 2006, proferido no processo n.º 931/2006-1, acessível em www.dgsi.pt/jtrl «O que importa, para o efeito da isenção do juiz do pagamento de custas, nos termos (...) do Estatuto dos Magistrados judiciais, é que o núcleo essencial fáctico da ação esteja eminentemente conexionado ou relacionado com o exercício das funções jurisdicionais, “maxime” se o objeto da ação e os pedidos nela formulados não puderem ser perspetivados, apreciados e decididos sem que se chame à colação e discuta a probidade da atuação do juiz (quer como demandante quer como demandado), pois que nestes casos o que está essencialmente em causa são, não tanto os seus interesses particulares, mas antes o prestígio e a dignidade do Órgão de Soberania Tribunal, cuja defesa e assunção não pode ficar dependente de possíveis debilidades económicas dos seus agentes».
E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 697/96, 466/97, 290/99, 345/99, 424/99, 475/99 e 121/2000, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.t/tc/acordaos.
Pelo que improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelo Arguido.”
Note-se que o recurso de constitucionalidade versou decisão de inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do mesmo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na parte que determinou a admissão do pedido de intervenção principal provocada de seguradora, inscrevendo-se, então, na vertente do objeto do processo respeitante ao pedido de indemnização civil, a mesma tida em atenção no segmento que se vem de transcrever.
Assim, a questão do benefício de isenção de custas prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais da aqui recorrente encontra-se coberta pelo caso julgado formado por aquela decisão do Tribunal da Relação de Évora, em termos de determinar a sua aplicação também no domínio das custas no Tribunal Constitucional, face ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Impõe-se, então, proceder à reforma do Acórdão n.º 248/2014 quanto a custas, no sentido da remoção da condenação da reclamante, deixando-se exarada, em substituição, a isenção de que beneficia (artigo 616.º, n.º 1 do NCPC).
III. Decisão
3. Nos termos e pelos fundamentos expostos, deferir o pedido de reforma do Acórdão n.º 248/2014, e, em consequência:
- Eliminar o segmento do dispositivo em que se diz: “Custas pela reclamante, fixando-se, de acordo com a dimensão do impulso processual e o critério seguido neste Tribunal Constitucional, a taxa de justiça em 20 (unidades de conta)”;
- Inscrever, em sua substituição: “Sem custas, por delas estar isenta a reclamante (artigos 4.º, n.º 1, al. c) do RCP e 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro)”, com menção do presente Acórdão.
Notifique.
Lisboa, 26 de março de 2014. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.