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Processo nº 763/97
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J..., acusado em processo penal da prática, em concurso real, de um crime de coacção e de um crime de corrupção activa, veio requerer a abertura de instrução, bem como a realização de várias diligências probatórias, entre as quais a realização de uma acareação entre ele próprio e determinadas testemunhas de acusação e entre testemunhas de defesa e de acusação, o que foi indeferido. Não obstante a arguição de nulidade deste indeferimento, a decisão instrutória subsequente ao debate entretanto realizado, na qual J... foi pronunciado 'pela prática de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo art. 423º, nº 1, com referência ao art. 420º, nº 1, ambos do Código Penal, versão de 1982 e, actualmente previsto e punido pelo art. 374º, nº 1, com referência ao artigo
372º, nº 1, ambos do Código Penal, versão de 1995', considerou não ocorrerem
'nulidades ou excepções' de que cumprisse apreciar e, entendendo ser competente o tribunal colectivo, contrariamente ao sustentado pelo arguido, ordenou a remessa do processo à distribuição junto das Varas Criminais de Lisboa. Só então, ao decidir da admissibilidade do recurso entretanto interposto de parte da decisão instrutória, o juiz de instrução se pronunciou sobre a arguição da nulidade do despacho de indeferimento referido, desatendendo-a. Desta decisão recorreu o arguido, tendo o recurso sido admitido a 'subir nos próprios autos, conjuntamente com o recurso interposto da decisão que vier a pôr termo à causa e sem efeito suspensivo'. Da retenção do recurso, por entender que deveria subir de imediato, sob pena de se vir a tornar absolutamente inútil, reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa; mas a reclamação não foi atendida. Admitido o processo pela 3ª Secção da 3ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, foi designado dia para julgamento, em decisão igualmente impugnada pelo arguido em recurso julgado inadmissível. Na contestação, o arguido suscitou novamente a questão da incompetência do tribunal colectivo, não obtendo acolhimento. Recorreu, então, para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu aquela reclamação, relativa à fixação do regime de subida diferida do recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. No requerimento de interposição de recurso, veio invocar a inconstitucionalidade
'da norma do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, ... na interpretação que lhe deu a Decisão recorrida, segundo a qual o recurso interposto de uma decisão do Tribunal de Instrução que julgou improcedente a arguição de nulidade de um despacho que indeferiu diligências de instrução requeridas deverá subir a final, ‘conjuntamente com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa’ ..., caso seja considerado o Tribunal Colectivo o Tribunal Competente para o julgamento da presente causa penal...'. E isto porque, nessa eventualidade, é ao Supremo Tribunal de Justiça que cabe conhecer do recurso interposto do respectivo acórdão final (art. 432º, alínea c), do Código de Processo Penal), cabendo-lhe de igual modo conhecer dos recursos relativos às decisões interlocutórias que devam subir com esse recurso (alínea d) do art. 432º do mesmo diploma). Assim, encontrar-se-ia o Supremo Tribunal de Justiça impossibilitado, por força da limitação dos seus poderes de cognição à matéria de direito (art. 433º), de conhecer do recurso da decisão de indeferimento da nulidade arguida. Seriam deste modo violadas de forma inadmissível as garantias de defesa do arguido, a quem seria negada a posteriori uma interposição de recurso que lhe havia sido reconhecida legal e jurisdicionalmente, violando-se, com a referida interpretação do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, os artigos 2º,
13º, 16º, 20º, 32º e 205º, nº 2 da Constituição da República (na redacção então vigente), bem como os princípios neles consignados. O recurso interposto para o Tribunal Constitucional não foi admitido pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos conjugados dos artigos
75º-A, nº 2 e 76º, nº 2, da Lei nº 28/82, na redacção em vigor na altura, porque
'deveria o reclamante suscitar logo na sua minuta de reclamação a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita do nº 2 daquele artigo 407º do Código de Processo Penal, que é maioritária na jurisprudência portuguesa', interpretação essa que 'já fora feita no despacho reclamado'. Da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional pelo Presiente do Tribunal da Relação de Lisboa vem agora o arguido reclamar para este Tribunal, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alegando que a interpretação perfilhada pela decisão do Tribunal da Relação sobre a reclamação mencionada 'só enferma de inconstitucionalidade pela posterior (à entrega do seu requerimento motivado de reclamação) decisão do Tribunal Colectivo de se ter considerado competente para o conhecimento e julgamento da causa criminal', e acrescentando que 'o disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC (...), sobretudo a expressão ‘durante o processo’, deverá ser interpretado em termos não estritamente literais, devendo entender-se que perante ocorrência de situações não previstas na lei, ser de admitir o recurso'. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que considera 'manifesta a improcedência da presente reclamação, já que o ora reclamante não suscitou
‘durante o processo’, isto é, antes da prolação da decisão que pretendia impugnar, podendo obviamente fazê-lo, a questão da inconstitucionalidade que constituía objecto do rejeitado recurso – e que se prende exclusivamente com o efeito e o regime de subida do recurso interposto da decisão do juiz de instrução que indefere a realização de certas diligências probatórias, matéria totalmente estranha à da competência do tribunal – singular ou colectivo – a que incumbe a realização do julgamento'. Relativamente ao argumento apresentado pelo reclamante da eventual preclusão do recurso interlocutório pela circunstância
'nova' de o recurso da decisão final ser apreciado pelo STJ, considerou que 'se o reclamante se vir confrontado com uma decisão que considere haver inutilidade superveniente do recurso interlocutório retido – que não poderia ser apreciado nem pela Relação (porque sobe conjuntamente com o recurso interposto da decisão final do colectivo) nem pelo Supremo (porque os seus poderes cognitivos o não permitiriam) – terá o ónus de então a impugnar ‘sub specie constitutionis', interpondo o pertinente recurso de fiscalização concreta, reportado à questão da inutilidade ‘superveniente’ do recurso retido, e que constituirá ‘questão nova’ relativamente à mera decisão para atribuir um regime de subida diferida ao recurso interlocutório interposto'.
2. Corresponde a jurisprudência constante deste Tribunal o entendimento da exigência formulada na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, segundo a qual a inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação deve ter sido 'suscitada durante o processo', no sentido de que há-de ser colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe deste modo a oportunidade de a apreciar. Só em casos excepcionais e anómalos em que o recorrente não teve processualmente essa possibilidade é que será admissível a arguição em momento subsequente.
É certo que o reclamante alega ter-se verificado uma ocorrência não prevista na lei, posterior ao momento processual em que, em condições normais, deveria suscitar o problema da inconstitucionalidade, assim qualificando a decisão do tribunal colectivo de se considerar competente, que teria gerado uma inconstitucionalidade do entendimento já atribuído ao nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, pois só nesse momento se viria a fixar a competência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do recurso interlocutório. Mas a referida alegação não procede. Na verdade, o nº 2 do referido artigo 407º, na interpretação verberada pelo reclamante, foi desde logo aplicado pela decisão do juiz de instrução, quando ordenou a remessa dos autos ao tribunal colectivo
(Varas Criminais de Lisboa). Essa interpretação foi posteriormente aceite pelo próprio tribunal colectivo, que admitiu o processo e designou dia para o julgamento. A circunstância de a reclamação para o Tribunal da Relação ter sido apresentada em momento anterior àquele em que o tribunal colectivo indeferiu expressamente a arguição de incompetência não pode assim manifestamente ser vista como um facto novo, imprevisível ou anómalo. Não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, na interpretação que que lhe foi dada pela decisão recorrida, e não se verificando circunstâncias excepcionais que poderiam levar à dispensa do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade nos termos gerais, não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante em _10_ unidades de conta de custas. Lisboa, 17 de Junho de 1998 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa