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Proc. Nº 680/99 TC – Plenário Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1 – O Procurador-Geral da República requereu, em 10 de Novembro de
1999, ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 281º nº 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa, 51º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e
12º nº 1 alínea c) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº
60/98, de 27 de Agosto, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 12º do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Resolução nº 1/93/M, de 28 de Abril de 1993.
A norma sujeita à apreciação deste Tribunal é do teor seguinte:
'Artigo 12º
(Direitos e regalias)
1 – Os deputados não podem, sem autorização da Assembleia, ser jurados, peritos ou testemunhas nem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em flagrante delito, ou quando suspeitos de crime a que corresponda pena superior a três anos.
....................................................................................................................'
2 - Como fundamentos do seu pedido diz, em síntese, o requerente que: a. A norma apresenta um carácter inovatório relativamente ao preceituado nos artigos 20º e 21º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na versão originária da Lei nº 13/91, de 5 de Junho, pois aí não se contemplava 'qualquer imunidade processual que se prenda com o interrogatório de um deputado como declarante ou como arguido'; b. Sendo matéria estatutária, que deve ser regulada exaustivamente nos estatutos politico-administrativos das regiões autónomas, o regime das imunidades dos deputados das assembleias legislativas regionais, a norma em causa é organicamente inconstitucional; c. Cabe exclusivamente à Assembleia da República a discussão, aprovação e deliberação final dos estatutos politico-administrativos das regiões autónomas
(artigo 226º, nº 1 da CRP, ou 228º, na versão anterior à revisão de 1997) onde, por força do artigo 231º da CRP, se deve definir o estatuto dos órgãos de governo próprio daquelas regiões; d. A inconstitucionalidade orgânica da norma não é precludida por o Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na revisão operada pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto, Ter eliminado a discrepância entre o aludido Regimento e o Estatuto, em matéria de imunidades dos deputados da assembleia legislativa regional, no que concerne à audição do deputado como declarante ou como arguido (artigo 23º, nº 2 do Estatuto); e. Isto porque as alterações operadas pela Lei nº 130/99 não têm eficácia retroactiva ou retrospectiva e estar vedada a 'apropriação' pela assembleia legislativa regional de norma que se insere na 'reserva de estatuto', mediante reprodução (e transformação em normação regional) de norma que tem necessariamente que constar do Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma.
3 - Notificado para responder, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional informou que a norma em causa já não se encontrava em vigor em virtude da publicação do novo Regimento, aprovado pela Resolução nº 1/2000/M, de 12 de Janeiro e ofereceu o merecimento dos autos.
4 – Nos termos do artigo 63º da Lei do Tribunal Constitucional, foi discutido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal e, fixada a orientação a seguir, o processo foi distribuído ao relator para elaboração do projecto de acórdão. II
5 – A primeira questão que cumpriria apreciar respeita à delimitação do objecto do pedido: o preceito regimental em toda a sua extensão normativa ou apenas na parte em que se reporta à necessidade de autorização da assembleia legislativa regional para o deputado ser ouvido como declarante ou arguido em processo penal.
Com efeito, não se fazendo no pedido qualquer expressa limitação a segmentos normativos do artigo 12º nº 1 do Regimento, a verdade é que, aludindo ao carácter inovatório da norma, o requerente alude exclusivamente ao facto de o Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, constante da versão originária da Lei nº 13/91, não contemplar 'qualquer imunidade processual que se prenda com o interrogatório de um deputado como declarante ou como arguido'; e, mais adiante, ao salientar que, na redacção da Lei nº 130/99, o artigo 23º nº 2 do mesmo Estatuto reproduz integralmente o artigo 157º nº 2 da CRP, acentua unicamente que ele passa 'consequentemente a condicionar a audição do deputado como declarante ou como arguido à autorização da Assembleia'.
Não é, no entanto, necessário que o Tribunal tome posição sobre esta questão, em razão do que em seguida se dirá sobre a evolução legislativa subsequente à apresentação do pedido e a utilidade do conhecimento do mesmo pedido.
6 - Com a Resolução nº 1/2000/M, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovou um novo Regimento que substituiu integralmente o anterior onde constava a norma em causa, norma esta que fica, assim, abrangida na revogação do sistema.
Mesmo que se não admitisse tal forma de revogação, certo é que do novo Regimento não consta qualquer norma idêntica à norma impugnada, mas antes um preceito – o nº 2 do artigo 10º - que regula diferentemente a mesma matéria, dispondo que 'Os deputados não podem ser ouvidos como declarantes nem como arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos'.
Ou seja, enquanto, nos termos do artigo 12º, nº 1 do Regimento aprovado pela Resolução nº 1/93/M, a autorização da Assembleia era necessária para os deputados serem ouvidos como declarantes ou arguidos, excepto quando presos em flagrante delito ou quando suspeitos de crime a que correspondesse pena superior a três anos, no regime definido pelo novo Regimento, essa autorização impõe-se em todos os casos, devendo, porém, ser sempre deferida, quando os deputados forem presos em flagrante delito ou suspeitos por crime doloso punível com pena superior a três anos.
Trata-se pois de regimes substancialmente incompatíveis, pelo que, também com este fundamento, se impõe concluir que a norma constante do artigo
12º, nº 1 do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, aprovado pela Resolução nº 1/93/M, de 28 de Abril, se mostra tacitamente revogada.
Ora, por força do princípio do pedido, estabelecido no artigo 51º nº
5 da Lei do Tribunal Constitucional e conforme jurisprudência pacífica deste Tribunal (cfr. Acórdãos nºs 45/2000 e 31/99, inéditos e 57/95 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p. 141 e segs.), não pode operar-se a convolação do objecto do processo – o artigo 12º, nº 1 do Regimento de 1993 – para a norma do artigo 10º, nº 2 do novo Regimento.
Deste modo, não podendo deixar de se manter, como objecto do processo, a norma do artigo 12º nº 1 do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, coloca-se a questão de saber da utilidade do seu conhecimento, dada a revogação daquela norma, subsequente à apresentação do pedido.
7 – Conforme jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional, não é bastante para se não conhecer do pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade o facto de a norma em causa Ter deixado de vigorar por revogação (cfr., entre muitos outros, o Acórdão nº 17/83, in Acórdãos do Tribunal Constitucional 1º vol. P. 93 e segs.).
Na verdade, operando a declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex tunc, a menos que o Tribunal a limite, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 282º, nº 4 da CRP, pode manter-se a utilidade do conhecimento do pedido, como meio para eliminar efeitos entretanto produzidos pela norma revogada, só removíveis por esta via.
Sucede que, no caso, os efeitos eventualmente produzidos pela norma em causa, enquanto vigorou, não são, pela sua natureza, susceptíveis de serem eliminados retroactivamente – concedidas ou não as autorizações necessárias, nos termos e ao abrigo da norma, os efeitos esgotaram-se nesses momentos e são, consequentemente, inapagáveis.
Não se verifica, pois, qualquer utilidade no conhecimento do pedido.
III
8 – Pelo exposto e em conclusão, o Tribunal decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo
12º nº 1 do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, aprovado pela Resolução nº 1/93/M, de 28 de Abril, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 26 de Abril de 2000 Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa