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Procº nº 173/98
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Por deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, datada de 16 de Abril de 1997, foi imposta à A..., Ldª, a coima de Esc.
250.000$00 por, em síntese, não ter a mesma procedido à divulgação de uma recomendação tomada por aquela mesma Alta Autoridade e segundo a qual ao Jornal de Coimbra era recomendado 'o estrito cumprimento das regras legais e éticas a que está obrigado, para respeito do rigor informativo', com o que violaria o disposto no nº 1 do artº 23º da Lei nº 15/90, de 30 de Junho.
Dessa imposição recorreu a A... para o Tribunal de comarca de Coimbra, o qual, por decisão proferida em 15 de Julho de 1997 pelo Juiz do respectivo 4º Juízo Criminal, veio a absolver a recorrente.
Do assim decidido recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra,
Na alegação que, na ocasião, produziu, A.., inter alia, sustentou que 'a norma do nº 1 do artigo 23º da Lei 15/90, de 30 de Julho, com a concreta interpretação e aplicação que dela fez a AACS ao caso sub specie, é uma norma inconstitucional, uma vez que viola os artigos 37º, nº 1, e 38º, nº 1 e nº 2, als. a) e b) e nº 4, bem como o artigo 39º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa' e que, '[a]lém disso, a norma do artigo 3º, al. e) da Lei
15/90, de 30 de Junho, a é, na concreta interpretação e aplicação que dela fez a AACS ao caso sub specie, também inconstitucional, por violação dos artigos, 38º, nº 1 e nº 2, als. a) e b) e 39º, nº 1 e da CRP'.
Por acórdão de 29 de Janeiro de 1998, concedeu a Relação de Coimbra provimento ao recurso.
Disse-se, por entre o mais, nesse aresto:-
'.........................................................................................................................................................................................................................................
A deliberação da A.A.C.S., ao decidir fazer a recomendação, não é passível da impugnação judicial que foi usada. A impugnação judicial tem por objecto a sanção aplicada e não aquela decisão. É o que resulta claro do art.º
59º, nº 1, do D. Lei 433/82. E se se entendesse que o era, não o foi perante o tribunal competente, isto é, o tribunal administrativo, dada a natureza administrativa de tal deliberação.
Ao tribunal recorrido competia apenas apreciar a bondade da decisão em condenar a arguida na coima. E quanto a esta, não há dúvida que o facto foi cometido e o elemento subjectivo também subsiste. Isto não é, sequer, posto em causa pela arguida. Aliás, a intencionalidade da arguida, ficou logo bem patente quando, ao ser notificada da deliberação da ‘recomendação’, que não impugnou, advertiu, prevendo a consequente sanção, que iria impugnar a deliberação. Certo é, porém, que o não fez. Impugnou foi depois a sanção.
............................................................................................................................................................................................................................................ x
O que se deveria ter discutido, além disso, era a invocada nulidade, intempestividade da queixa e inconstitucionalidade.
Fazendo-o, diremos:-
1 – quanto à inconstitucionalidade:
Apenas remetemos para o Ac. do Tribunal Constitucional, nº 505/96 – Processo nº 523/94 – de 20 de Março de 1996, publicado na II Série do D.R.. nº
154, de 5-7-96, pags. 9051 a 90555, que seguimos nas considerações acima expostas e que já decidiu sobre a questão, considerando não serem inconstitucionais as referidas normas.
.........................................................................................................................................................................................................................................'
2. É do acórdão de que parte se encontra transcrita que, pela A..., estribada na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto o vertente recurso, por intermédio do qual se pretende a apreciação da (in)constitucionalidade das normas constantes dos artigos 3º, alínea e), e 23º, nº 1, ambos da Lei nº 15/90 de 30 de Junho.
A recorrente concluiu a sua alegação formulando as seguintes
«conclusões»:-
'1. Em função da factualidade descrita e dada como assente nos autos a deliberação/recomendação da AACS é ilegítima, ilegal e inconstitucional.
2. É ilegítima porque, no limite, se baseia na pretensa violação de uma norma do código deontológico dos jornalistas, a qual, por sobre não ter sido violada, foi objecto de uma leitura e aplicação truncada pela AACS.
3. Além disso tal norma pertence a um domínio - deontológico - que se situa fora do seu âmbito de actividade, sendo que o recurso à deontologia jornalística só é lícito por parte de entidades estranhas à classe quando tal se revele necessário para densificar princípios como o da boa fé previsto, v.g. no art. 180º, nº 2, alínea b) do Código Penal ou então para aferir a intensidade do dolo em caso de infracções previstas na lei.
4. O princípio pretensamente violado alegadamente emergente dessa norma - o chamado princípio do contraditório - não é um princípio do jornalismo e, como tal, não obrigava o jornalista autor da notícia dos autos nem o director do Jornal de Coimbra que autorizou a sua publicação.
5. Mesmo assim, o jornalista tentou várias vezes contactar o médico queixoso, só não o conseguindo fazer por o mesmo se furtar ao contacto do jornalista.
6. É ilegal porque ultrapassa o âmbito dos seus poderes funcionais estabelecidos no art. 4º da Lei 15/90, mormente o estatuído no nº 1, alínea l), já que se baseia numa queixa onde não fora alegada a violação de qualquer norma e por proceder a um alargamento do seu campo de intervenção para além das suas atribuições fixadas no art. 3º do citado diploma, mormente a contida na norma da alínea e).
7. É inconstitucional porque interpretou e aplicou a norma do art. 3º, nº 1 alínea e) da Lei 15/90 num sentido desconforme ao estatuído no art. 39º, nº l da CRP que não permite a aplicação daquela norma ao caso dos autos.
8. O direito à informação contido na citada norma constitucional não abrange o suposto direito de um cidadão ser previamente auscultado por um jornalista sobre o conteúdo de uma notícia onde esse cidadão seja referendado.
9. No caso dos autos, o interesse que o médico queixoso quis acautelar situa-se, tal como foi configurado pelo próprio queixoso, a montante da notícia em causa e, por isso, não está contido no direito à informação do art. 39º, n 1 da CRP nem tem qualquer cobertura legal ou constitucional, enquanto o direito à informação previsto no art. 39º nº 1 da CRP se situa a jusante da referida notícia, ou seja o direito que todos têm a ser informados.
10. O eventual interesse do médico queixoso só poderia ser legal e constitucionalmente acautelado no âmbito do direito de resposta e não através de uma deliberação/recomendação como a que deu origem ao presente processo.
11. Se o legislador constitucional tivesse querido tutelar um direito à informação relativamente a pessoas singulares em termos de conferir aos cidadãos um direito de queixa à AACS, tal como o entenderam a AACS (na sua deliberação/recomendação) e o Tribunal da Relação de Coimbra (no acórdão recorrido) esse direito teria sido expressamente previsto no texto constitucional tal como o foi feito o direito de resposta.
12. Se assim fosse, o legislador ordinário teria outrossim regulado o exercício desse direito, tal como o fez para o direito de resposta, nomeadamente, definindo um prazo para a apresentação de queixa de acordo com as regras e princípios da actualidade e imediaticidade.
13. A publicação obrigatória de uma deliberação/recomendação sob cominação de uma multa traduz-se numa restrição à liberdade de expressão e informação consagrados no art. 37º e à liberdade de imprensa ínsita no art. 38º, ambos da CRP, já que essa obrigatoriedade constitui uma intromissão na vida interna de um
órgão de informação, obrigando-o a inserir, contra a sua vontade, mensagens informativas desconformes com os critérios internamente instituídos no exercício de informar e no uso das prerrogativas da liberdade de imprensa.
14. No caso dos autos tal obrigação consubstanciava-se numa ofensa ao crédito do Jornal de Coimbra e ao bom nome profissional dos seus jornalistas, já que continha juízos ofensivos e até humilhantes para o seu brio e dignidade profissionais.
15. O direito de informar e a liberdade de imprensa não são ofendidos apenas por meio da censura, mas também através da imposição coercitiva de publicação de textos não produzidos pelo próprio órgão de informação.
16. Nessa medida, as recomendações da AACS são restritivas dos direitos consagrados nos arts. 37º e 38º da CRP ou pelo menos diminuem a extensão e o alcance do conteúdo essencial dessas normas.
17. Aos direitos previstos nos arts. 37º e 38º da CRP é, pois, aplicável o regime do art. 18º, ex vi do estatuído no art. 17º, pelo que, qualquer restrição aos direitos previstos no título II da CRP, mormente os dos arts. 37º e 38º, só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na Constituição e deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo em nenhum caso diminuir a extensão e o alcance do conteúdo dos direitos consagrados nesses artigos.
18. Ora, a obrigação de publicar deliberações e/ou recomendações da AACS não está expressamente prevista na CRP, pelo que a norma da lei ordinária que a tal obriga está, assim, desconforme com o texto constitucional.
19. À data dos factos, a CRP previa, no seu art. 37º, nº 3, que as infracções cometidas no exercício dos direitos relativos à liberdade de expressão e informação ficavam submetidas aos princípios gerais do direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
20. Porém, com a entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, as infracções cometidas no exercício dos direitos relativos à liberdade de expressão e informação ficavam também submetidas aos princípios gerais do ilícito de mera ordenação social, sendo, assim, a sua apreciação também da competência de entidade administrativa independente.
21. Se o legislador constituinte de 1997 veio alargar o âmbito da norma do art.
37º nº 3 ao ilícito de mera ordenação social e a entidades administrativas independentes é porque tal não tinha sido querido pelo legislador constituinte anterior e por isso tal possibilidade não figurava no texto constitucional.
21. São, assim, inconstitucionais as normas da lei ordinária (artº.3º alínea e) e art. 4º, nº l alínea l) da Lei 15/90) que, in casu, fundamentaram a intervenção da AACS, uma vez que essa intervenção, por sobre constituir uma restrição de direitos fundamentais não expressamente prevista na CRP, não era consentida pelo texto constitucional anterior à revisão de 1997, que só previa o recurso aos tribunais judicias para apreciar as infracções cometidas no exercício do direito de expressão e de informação.
23. Como são, também in casu, inconstitucionais as normas (art. 23º, nº l e 2 da Lei 15/90) que obrigam à publicação da recomendação da AACS e aplicam uma coima de 100.000$00 a 1.000.000$00 a quem recusar a sua publicação.
24. A eventual «constitucionalização a posteriori» dessas normas alegadamente introduzido pelos constituintes de 1997 constituiria uma flagrante violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático vertido no art. 2º da CRP. Estaríamos então perante um caso de inconstitucionalidade de uma norma constitucional.
25. A AACS não é um órgão materialmente independente, sendo a sua invocada independência apenas formal, já que existe a possibilidade de os seus membros serem reconduzidos pelo poder político que os nomeou.
26. A mera existência da suspeita de que a acção dos seus membros possa ser orientada no sentido de merecer as graças da(s) entidade(s) com o poder para os reconduzir retira credibilidade e, portanto, autoridade à intervenção da AACS.
27. Tal credibilidade e autoridade só se verificam quando os seus membros cada um em particular e todos em conjunto possam agir com independência em relação ao poder que os nomeia, sendo certo que só poderão fazer genuinamente se não tiverem expectativas de virem a ser reconduzidos.
28. Além disso, a AACS, é um órgão administrativo constituído por critérios quase exclusivamente político-partidários e nessa medida também não dá garantias de independência.
29. A somar a tudo isso, et pour cause, a AACS é uma entidade cuja existência não é pacífica na sociedade portuguesa nem na comunidade da informação, pelo que tem constantemente necessidade de justificar a sua existência, sendo, para tanto, frequentemente tentada a invadir domínios que lhe estão legal e constitucionalmente vedados, na ilusão de vir a tornar-se imprescindível.
30. E também por isso existe o receio legítimo de que as suas intervenções sejam determinadas mais pelas razões supra apontadas do que pelos seus genuínos objectivos constitucionais. Para dirimir litígios em matérias tão sensíveis como as relacionadas com o direito de informar e a liberdade de imprensa são necessários órgãos sobre os quais não existam as suspeitas nem os receios acima apontados, órgãos jurisdicionais (como os tribunais) ou para-jurisdicionais mas libertos das peias, dos complexos e das obsessões da AACS.
31. Só assim as suas deliberações poderiam constituir um factor de pacificação da comunidade a que se destinam e não um elemento de instabilidade ou de perturbação da paz social.
32. Além de que tais órgãos para legitimamente se pronunciarem sobre matéria da deontologia jornalística deveriam ter representação profissional dos jornalistas.
33. Por tudo isso é que a recomendação da AACS se apresenta, no caso dos autos, como uma deliberação sem relho nem trambelho e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que a acolheu, se apresenta como um aresto sem tirte nem guarte já que o mesmo não procedeu a uma adequada sindicância dos pressupostos legais e constitucionais da referida recomendação. É que sendo a mesma ilegítima, ilegal e inconstitucional, foi legítima, legal e constitucional a recusa da recorrente em publicá-las no Jornal de Coimbra.
34. Assim, e em síntese, as normas do artigo 23º nº l e 2 da Lei 15/90, de 30 de Junho, com a concreta interpretação e aplicação que dela fizeram a AACS e o acórdão recorrido ao caso sub specie, é uma norma inconstitucional, uma vez que viola os artigos 37º, nº l e 38º, nº l e nº 2, als. a) e b) e nº 4, bem como o artigo 39º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, enquanto a norma do artigo 3º, al. e) da Lei 15/90, de 30 de Junho é, na concreta interpretação e aplicação que dela fizeram a AACS e o acórdão recorrido ao caso sub specie, também inconstitucional, por violação dos artigos, 38º, nº l e nº 2, als. a) e b) e 39º, nº l e da CRP.
35. Aquelas normas assim interpretadas e aplicadas pela AACS e pelo Tribunal da Relação de Coimbra consubstanciam também uma violação do estatuído no art. 18º da ex vi do art. 17º com referência aos art.ºs 37º, 38º, nº l e nº 2, als. a) e b) e nº 4, 39º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
36. A AACS e o Tribunal da Relação de Coimbra ofenderam ainda a norma do art.
202º, nº l e 2 e 204º ambos da CRP, porquanto a concreta interpretação e aplicação que tais normas fizeram na deliberação/recomendação e no acórdão recorrido impedem uma boa administração da justiça, a qual é um dever e aplica normas inconstitucionais.
37. Assim, deverá, por um lado, revogar-se o acórdão recorrido, bem como a deliberação/recomendação da AACS e a decisão que aplicou uma coima de 250.000$00
à recorrente e, por outro lado, repor-se a sentença do Tribunal Judicial de Coimbra revogada pelo acórdão recorrido. Se assim se fizer, será feita JUSTIÇA'
De seu lado, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu a sua alegação dizendo:-
'1º - As normas dos artigos 3º, alínea e), e 23º, nº 1, da Lei nº 15/90, de 30 de Junho, tal como interpretadas e aplicadas pela decisão recorrida, não violam qualquer norma ou princípio constitucional.
2º - Termos em que deve negar-se provimento ao recurso, na parte impugnada'.
Cumpre decidir.
II
1. Resulta à evidência do acórdão prolatado na Relação de Coimbra, que a decisão dele constante e que ali foi objecto de decisão foi, unicamente, a questão de saber se a coima imposta pela Alta Autoridade para a Comunicação Social tinha, ou não, razão de ser, não entrando, desta arte, na apreciação directa do bem ou mal fundado da «recomendação» cujo não acatamento por parte da arguida levou àquela imposição, e isso porque, na óptica seguida pelo dito acórdão, tal matéria se encontrava excluída da competência atribuída aos tribunais pertencentes à ordem dos tribunais judiciais.
Ora, sendo assim, há-de convir-se que o acórdão ora impugnado, para seu suporte decisório, se serviu das normas ínsitas na alínea e) do artº 3º, na alínea a) do nº 1 do artº 4º e no nº 1 do artº 23º, todos da Lei nº 15/90, pois que a primeira comete à Alta Autoridade para a Comunicação Social a incumbência de providenciar pela isenção e rigor da informação, a segunda confere-lhe competência para, na prossecução das suas atribuições, elaborar directivas e recomendações que visem a realização, entre outros objectivos, daquela incumbência, e a terceira estabelece a obrigatoriedade de difusão das mencionadas recomendações nos órgãos de comunicação social a que digam respeito.
O objecto do presente recurso, porém, restringe-se, tão somente, às normas constantes dos referidos artigos 3º, alínea e), e 23º, nº 1.
2. Tocantemente àquela alínea e) do nº 1 do artº 3º, teve já este
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa oportunidade de se debruçar sobre a sua conformação ou não conformação com a Lei Fundamental, mesmo na versão anterior à decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro.
Fê-lo por intermédio do seu Acórdão nº 505/96, publicado na 2ª Série do Diário da República de 5 de Julho de 1996, no qual concluiu pela não enfermidade constitucional de tal normativo.
Os fundamentos que apontaram no sentido da não formulação de um juízo de inconstitucionalidade daquela norma e, bem assim, aquele juízo, porque não infirmados, minimamente, relas razões aduzidas pela ora recorrente, são, no caso presente, plenamente acolhidos neste aresto, motivo pelo qual, também agora, se concluirá pela não enfermidade constitucional do normativo ínsito na alínea e) do nº 1 do artº 3º da Lei nº 15/90.
E, se se não alcança um juízo de censura, tendo por parâmetro as normas e princípios constitucionais constantes do texto do Diploma Básico antecedentemente à Revisão Constitucional de 1997, torna-se evidente que não têm razão de ser as considerações expendidas pela recorrente e sumuladas nos items
19 a 24 das «conclusões» da sua alegação produzida neste Tribunal.
Na verdade, naquele Acórdão n.º 505/96 disse-se que 'não há uma enumeração taxativa de atribuições e competências da AACS na Constituição, sendo indispensável que o legislador ordinário estabeleça as competências necessárias
à prossecução das finalidades da AACS havendo de interpretar-se nesse sentido o que consta do n.º 5 do art.º 39º da Constituição, sob pena de não serem exequíveis tais finalidades, enunciadas com carácter de generalidade', acrescentando-se que '[A] opção do legislador ordinário de extinguir o Conselho de Imprensa e de transferir parte das atribuições e competências desse órgão para uma autoridade administrativa independente não viola o texto constitucional, convindo recordar que o Conselho de Imprensa nunca chegou a ser constitucionalizado e que as suas atribuições e competências foram sempre previstas pela lei ordinária, mesmo depois de a Constituição ter entrado em vigor (recorde-se a Lei n.º 31/78, de 20 de Junho). Não se vê, pois, como da solução de extinção do Conselho de Imprensa [artigo 28º, alíneas a) e b) da Lei n.º 15/90] se havia de impor como fatalidade a impossibilidade de atribuição de parte das suas atribuições a uma autoridade administrativa independente, só porque estava previsto na Constituição esse órgão'.
Tais considerações, como é claro, foram efectuadas numa ocasião em que no n.º 5 do artigo 39º da Constituição se dispunha que a lei regula o funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Com a Revisão Constitucional resultante da Lei Constitucional n.º
1/97, a norma acabada de citar foi alterada, passando a constar do n.º 2 do mesmo artigo 39º que a lei define as demais funções e competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social e regula o seu funcionamento.
Ora, perante esta nova norma constitucional, a doutrina do Acórdão n.º 505/96 ficou reforçada, uma vez que, agora, há que concluir que ficou esclarecido que a Lei Fundamental não desejou, ela mesma, definir a não tipicidade das funções e competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social, deixando-se à lei ordinária a sua concreta definição.
Por outro lado, a referência, levada a efeito no aludido Acórdão nº
505/96 e segundo a qual '[t]ão pouco se tem de fazer qualquer apreciação sobre a opção constitucional no desenho da figura da AACS, em especial no que toca à composição do órgão, visto não caber ao Tribunal Constitucional a censura das decisões do legislador constituinte' identicamente se acolhe aqui, pelo que, neste particular, nada mais se acrescenta ao que nesse aresto ficou consignado.
Deste modo há que convir que não procedem as razões invocadas nos items 25 a 32 das conclusões da alegação da recorrente.
3. Fica, em consequência, por dilucidar a questão de saber se é, ou não, conforme à Lei Fundamental a imposição estatuída no nº 1 do artº 23º da Lei nº 15/90.
Como deflui da alegação por si produzida, a recorrente assenta a sua tese da inconstitucionalidade da norma agora em análise mais na inconstitucionalidade da supra analisada norma da alínea e) do art.º 3º da mesma lei, do que no desvalor ou contraditoriedade com o Diploma Básico por parte do normativo ínsito no citado nº 1 do seu artº 23.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição, 237) em anotação ao artigo 39º, referem que
'[n]ão especifica a Constituição que tipos de poderes há-de ter a Alta Autoridade, a fim de assegurar as tarefas constitucionais individualizadas no n.º 1. Eles hão-de traduzir-se na elaboração de directivas e recomendações, na apreciação das condições de acesso aos direitos de antena, de resposta e réplica política (com a faculdade de apreciação de queixas relacionadas com o exercício destes direitos), na arbitragem de conflitos entre os titulares de tempos de antena, na apreciação de recursos sobre a recusa do exercício destes direitos
(cfr. Lei n.º 15/90, art.º 4º).'
Sublinhe-se que , não tendo sido questionada a constitucionalidade da norma constante da alínea a) do art.º 4º da Lei n.º 15/90, o que ora se cura
é, e tão só, a análise da conformidade ou não conformidade com a Constituição do preceito que estatui a obrigatoriedade da difusão das recomendações da Alta Autoridade para a Comunicação Social, preceito esse constante da Lei n.º 15/90, no qual se dispõe:- Artigo 23º Publicidade das deliberações
1. As directivas genéricas e as recomendações da Alta Autoridade são obrigatoriamente difundidas nos órgãos de comunicação social a que digam directamente respeito, nos termos das notas oficiosas.
3.1. Sustenta a recorrente que a transcrita norma, ao impor a obrigatoriedade de publicação das recomendações da Alta Autoridade para a Comunicação Social, veio ela a prescrever uma restrição à liberdade de expressão e informação e à liberdade de imprensa, em violação dos artigos 37º, 38º e 39º da Constituição.
Na parametrização do caso em apreço há que ter em conta que, de um lado, se postam liberdades fundamentais, como são a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa, e, de outro, o asseguramento, expressamente previsto na Constituição, por um lado, dessas mesmas liberdades, colocado a cargo da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Não se vislumbra dispiciendo, a este propósito, citar o passo do aresto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa no qual se afirmou 'este Tribunal, quando não quiser correr o risco de censurar o mérito das opções do legislador, só deve invalidar essas mesmas opções quando elas se apresentarem manifesta ou excessivamente desproporcionadas e não também as opções que traduzam apenas, ou sobretudo, um menor acerto desse legislador'(Acórdão n.º 13/95, publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Fevereiro de 1995).
Incumbindo à Alta Autoridade para a Comunicação Social
'[p]rovidenciar pela isenção e rigor da informação' e sendo da sua competência a a elaboração de 'directivas e recomendações que visem a realização dos objectivos' que lhe estão acometidos [cfr. artigos 3º, al. e), e 4º, n.º 1, al. a), da Lei nº 15/90], o que não deixa, indubitavelmente, de objectivar o asseguramento, já referido, postulado pela Constituição, desde logo não poderá se deixar de ponderar se as recomendações daquele órgão constitucional poderiam revestir-se de eficácia prática, caso não devessem ser objecto de divulgação por parte de tal órgão.
Na aproximação à análise que se ora se efectua, não se deve passar em claro que, como se disse no aludido Acórdão nº 505/96, a recomendação efectuada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social não 'traduz um acto censório – traduz-se antes num juízo opinativo de natureza deontológica relativo ao exercício de uma profissão jornalística, a propósito de uma concreta notícia
– nem, manifestamente, um acto jurisdicional de resolução de um litígio cível ou de conhecimento de uma infracção criminal' e que '[a] publicação de recomendação no jornal destinatário, imposta pelo artigo 23º, n.º 1, da Lei n.º 15/90, visa permitir aos leitores que tomem conhecimento do teor da recomendação e que sobre o seu conteúdo formulem, eles próprios, um juízo'.
Assentes estas permissas, o que implica o acolhimento do transcrito passo do Acórdão nº 505/96, não se olvida o que se escreveu no já referido Acórdão nº 13/95, de harmonia com o qual 'num Estado democrático, ao legislador, como emanação da vontade colectiva do respectivo povo, cabe consagrar as soluções normativas que sejam as mais adequadas às situações que se intentem regular e aos fins que se pretendem ser atingidos, o que implica 'pois, que ao legislador deva ser reconhecida uma larga margem de liberdade de conformação ou, se se quiser, uma ampla margem conformativa'.
E, acrescentou-se aí:
'Mas, falar-se de liberdade conformativa não significa que se adopte, neste particular, um entendimento segundo o qual essa liberdade é irrestrita ou não possa ser sujeita a juízos de censura.
No caso do estabelecimento de sanções, e iluminado que é o Estado de direito democrático, por entre o mais, pelos princípios da adequação e da proporcionalidade, possível é a efectivação daqueles juízos de censura relativamente às soluções legislativamente consagradas. Há, porém, que efectuar uma harmonização entre a dita liberdade e a possibilidade de censura acarretadora de invalidade da regulação levada a efeito pelo legislador, de sorte a que a segunda, levada a extremos, não conduza a um Tribunal como este a determinar a invalidade de actos legislativos impositores de sanções só pela simples circunstância de entender que essas sanções se revestem de um já acentuado grau de gravidade'.
Vital Moreira (in Revista do Ministério Público, ano 16º - Janeiro/Março 1995, n.º 61, págs. 61, 62 e 64), não obstante se posicionar como bastante crítico do dito Acórdão nº 13/95, não deixou, contudo, no artigo citado, de acolher a possibilidade de limitações à liberdade de imprensa, quando em confronto com outros direitos igualmente relevantes do ponto de vista constitucional, ao dizer que '[é] certo que a proibição de apostilha constitui uma limitação da liberdade negativa de imprensa, visto que proíbe à direcção a publicação de um texto no próprio periódico. Mas essa limitação pode considerar-se sem dificuldade como necessária para uma cabal realização do direito de resposta, em condições de igualdade e eficácia' e que 'a liberdade de imprensa tem de consentir as limitações necessárias à garantia do direito de resposta, que de resto não a põem essencialmente em causa. Mas essas limitações devem ser apenas as necessárias para garantir aquele direito e não também as desnecessárias ou indiferentes'.
Não se escamoteia que, no caso sub specie, e em verdade meramente conceitual, não se colocam, de forma directa e imediata, em confronto dois direitos igualmente relevantes do ponto de vista constitucional .
A questão, todavia, reside em saber se o desiderato da Lei Fundamental de atribuir especificamente a uma entidade independente como a Alta Autoridade para a Comunicação Social o encargo de assegurar os direitos e liberdades consignados no seu artigo 39º não é concretizado por intermédio da norma sub iudicio, nos casos em que a publicação da recomendação se apresente como uma forma de alcançar um tal asseguramento.
3.2. Não pode deixar de aceitar-se, tendo até presente o disposto nos números 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, que, como diz Nuno e Sousa (A liberdade de imprensa , 1984, 290 e segs.), os 'direitos de liberdade não garantem âmbitos absolutos de liberdade, incluindo-se num ordenamento jurídico que intervém no caso de conflitos entre direitos', que 'direito de liberdade sujeita-se apenas aos limites estritamente necessários e adequados à salvaguarda de outros interesses do Estado democrático', indicando a própria Constituição
'vários interesses dos particulares, considerados como interesses públicos, que têm primazia sobre a liberdade de opinião: os direitos ao bom nome, reputação, imagem, e reserva da intimidade da vida privada e familiar', sendo que, como é sabido, mesmo em países de grande tradição no que respeita à liberdade da imprensa, como a França, os Estados Unidos, o Canadá e a Inglaterra, aquela liberdade está sujeita a limites (cfr. Bernard du Granrut, Démocratie et liberté de la presse, Revue Internationale de Droit Comparé, 1995, n.º 1, págs. 133 e segs.).
Neste contexto, entende-se que a obrigatoriedade de difusão estatuída no nº 1 do artº 23º da Lei nº 15/90, atenta a circunstância de Alta Autoridade para a Comunicação Social ter a responsabilidade, conferida pela Lei Fundamental, de fazer observar os princípios constitucionais relativos ao exercício do direito à informação, da liberdade de imprensa e da independência dos meios de comunicação social, tendo, desta arte, por função velar pela qualidade do direito à informação e da liberdade de imprensa, não deve ser considerada, em si, como uma limitação natural dessas liberdades, mas sim como um corolário do exercício daquelas responsabilidade e funções, ou, se se quiser, uma decorrência normal destas, com o fito de tornar eficaz a prossecução dos objectivos que lhe foram acometidos pela Constituição e pela lei ordinária.
E, de outra banda, aquela obrigatoriedade não deixa de ser um modo de concretização asseguradora de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos ou das funções cometidas, pela Lei Fundamental e pela lei ordinária, à Alta Autoridade para a Comunicação Social, sendo certo que, como no caso se assiste, é o próprio Código Deontológico do Jornalista
(aprovado em 4 de Maio de 1993) que consagra, como norma deontológica, a audição das 'que os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso'.
Sublinha-se também que tal obrigatoriedade que, como se viu, não pode considerar-se como integrando um acto censório, antes traduzindo, isso sim,
'um juízo opinativo de natureza deontológica', não se apresenta, que como algo que, directa ou indirectamente, diminua a extensão, o alcance e conteúdo essencial dos direitos de expressão e divulgação livres do pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, da liberdade de informar, da liberdade de expressão e criação dos jornalistas, do acesso destes às fontes de informação, identicamente não atentando contra a protecção da independência e do sigilo profissionais de informação.
Igualmente se não vislumbra que a mesma obrigatoriedade implique uma intromissão na vida interna de um órgão de comunicação social, não se situando fora das funções cometidas à Alta Autoridade para a Comunicação Social por uma lei para a qual a Constituição remete e que, na perspectiva deste Tribunal, quanto às normas sub specie, a não ofende.
III
Perante o exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 10 unidades de conta. Lisboa, 10 de Dezembro de 1998 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa