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Processos nºs. 720/91
721/97 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.1.- A. e B., na qualidade de candidatos pelo Partido Popular (CDS-PP)
às eleições para a assembleia municipal e câmara municipal de Loures, realizadas no passado dia 14 de Dezembro, recorreram contenciosamente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 103º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (doravante 'Lei Eleitoral') das decisões tomadas pelas mesas das secções de voto da freguesia de Odivelas que desatenderam o pedido de anulação da votação, formulado, sob a forma de protesto, pelo delegado do seu partido político, e, bem assim, da deliberação da Assembleia Geral de Apuramento, na parte em que não decidiu quanto à invalidade do acto eleitoral.
Para o efeito, deduziram fundamentação assim sintetizável:
a) os boletins de voto respeitantes à eleição para a assembleia de freguesia de Odivelas continham, no espaço destinado à lista apresentada pelo CDS-PP, um erro de identificação: à denominação 'Partido Popular' e à sigla CDS-PP, acrescia o símbolo de outro partido político, o Partido da Democracia Cristã (PDC) que, aliás, nem sequer concorreu ao acto eleitoral;
b) detectada a falha, o delegado da lista do CDS-PP 'imediatamente apresentou protestos orais em praticamente todas as mesas das secções de voto da freguesia, formalizadas por escrito a partir das 15 horas';
c) nos protestos, solicitou-se a anulação do acto eleitoral com base na ocorrência de irregularidade na votação tida por grave, susceptível de influir no resultado geral da eleição, atendendo à possibilidade de o erro confundir o eleitor, levando-o a não votar na lista cujo símbolo não correspondia à denominação e sigla ou, até, em votar em lista diferente pelo facto de não encontrar o símbolo equivalente à sua opção;
d) não obstante, 54 das 59 secções de voto existentes na freguesia de Odivelas optaram pela prossecução do acto eleitoral, tendo as restantes 5 circunscrito esse acto às votações para a assembleia e a câmara municipais;
e) o erro dos boletins de voto afecta não só a eleição para o órgão autárquico assembleia de freguesia mas também para os dois restantes órgãos, cuja votação ocorria simultaneamente;
f) tanto mais que, ao longo do dia, a comunicação social - como as estações de rádio TSF, Antena 1 e Nova Antena e de televisão RTP - anunciaram que as eleições em Odivelas, perante o ocorrido, poderiam ser anuladas e repetidas, na sua generalidade;
g) os descritos factos são do conhecimento público.
1.2.- Uma vez que na Assembleia de Apuramento Geral se determinou suspender os trabalhos até à data prevista no nº 3 do artigo 96º da Lei Eleitoral, afigura-se aos recorrentes dever ser declarada a nulidade da eleição nas assembleias de voto da freguesia de Odivelas - para a assembleia municipal, câmara municipal de Loures e assembleia de freguesia de Odivelas - com base na violação dos artigos 23º, nº 3, e 82º, nº 2, da Lei Eleitoral, e nº
1 do artigo 105º, conjugado com o artigo 103º do mesmo diploma, e, em consequência, ser ordenada a repetição de todo o acto eleitoral na freguesia de Odivelas.
Segundo alegam, as decisões tomadas sobre a matéria
- ou a falta delas - são recorríveis por terem sido objecto de protestos oportunamente apresentados, sendo certo que, de qualquer modo, a questão em causa é de ordem pública e de conhecimento oficioso pelo Tribunal Constitucional.
Juntaram fotocópia da acta da Assembleia de Apuramento Geral realizada em 18 de Dezembro de 1997, e, posteriormente, requereram ainda a junção de duas cassettes contendo gravações das notícias difundidas, mais pedindo se diligencie no sentido de se obterem certidões das actas das diversas mesas de voto, em poder daquela Assembleia, tendo nesse sentido formulado idênticos pedidos dirigidos à Presidente desse órgão e à Comissão Nacional de Eleições. Pretendem ainda que o Tribunal obtenha oficiosamente as actas e gravações em falta.
2.- O Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses - PCTP/MRPP, concorrente com listas próprias à eleição dos órgãos autárquicos do Concelho de Loures, interpôs recurso 'da decisão da Presidente da Assembleia de Apuramento Geral', reunida no citado dia 18, o que fez ao abrigo do disposto no artigo 102º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, verificados que estão, em seu entender, os pressupostos legais fixados pelo nº 1 do artigo 103º da Lei Eleitoral, com a legitimidade que lhe advém do preceituado no final do nº 2 do mesmo artigo.
Discorda-se do decidido naquela Assembleia não quanto à suspensão dos trabalhos, em si, mas por não inaceitar-se '[...a] limitação às irregularidade ocorridas em cinco Secções de Voto de Odivelas como fundamento da decisão - por entender o recorrente que as irregularidades
(designadamente, não se ter realizado o Acto Eleitoral nessas Secções) tiveram por origem uma irregularidade, ou ilegalidade, antecedente - a do 'erro' de impressão nos Boletins de Voto do símbolo de um dos Partidos concorrentes - cuja divulgação, no próprio dia do Acto Eleitoral, designadamente através das Rádios Locais, bem como a divulgação da notícia de que as Secções de Voto encerrariam, por tal motivo, e a que não faltou mesmo a publicação (nesse mesmo dia) de um Edital assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de Loures, levou a que grande parte dos Eleitores da Freguesia de Odivelas não fosse votar, tomando por certo que, naquelas condições, a eleição não se faria, não nas ditas cinco Secções, mas em todas as Secções de Voto de Odivelas'.
Conclui-se do seguinte modo:
'1ª Os despachos recorridos fundamentam-se em irregularidades eleitorais verificadas em cinco Secções de Voto da Freguesia de Odivelas do Concelho de Loures.
2ª Todavia tais irregularidades tornaram-se imediatamente extensivas a toda a Freguesia, dissuadindo os Eleitores de se dirigirem às Secções de Voto, por virtude da difusão radiofónica da notícia de que - por erro de impressão nos boletins - as Secções (todas; e não apenas 4 ou 5) estavam a encerrar.
3ª Pelo que o Acto Eleitoral, assim viciado, deve se repetido, não apenas nas 5 Secções a que aludem os despachos recorridos, mas em todas as Secções da Freguesia.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o teor dos despachos recorridos na parte em que restringem apenas a cinco Secções de Voto o fundamento da suspensão dos trabalhos da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Loures; e, consequentemente, ser o Acto repetido - isto é: ser realizado de novo o Acto Eleitoral viciado - em toda a Freguesia de Odivelas; e tendo em vista a Eleição, não apenas da respectiva Assembleia de Freguesia, mas todos os Órgãos Autárquicos do Concelho de Loures.'
Juntou o recorrente cópia da acta da Assembleia de Apuramento Geral bem como de uma certidão emitida pelo Secretário do Tribunal Constitucional comprovativa dos poderes de representação do Partido por parte do signatário do requerimento.
3.- O Presidente do Tribunal Constitucional, por despacho de 19 de Dezembro, ordenou a incorporação nos mesmos autos dos dois recursos.
II
1.- É do seguinte teor a primeira deliberação da Assembleia de Apuramento Geral a que se referem os dois recursos:
'Ponto Prévio.
Em cumprimento do disposto no artigo 94º do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro, iniciam-se neste momento, os trabalhos da Assembleia de Apuramento Geral.
Os trabalhos desta Assembleia consistem no seguinte (artigos 95º, nº 3, 97º, e 98º):
a) análise dos boletins de voto com votos nulos e adopção de um critério uniforme para os mesmos;
b) decisão sobre se devem ou não contar-se os boletins de voto sobre os quais tenham recaído reclamação ou protesto;
c) verificação do número total de eleitores inscritos e de votantes na área do respectivo município;
d) verificação do número total de votos obtido por cada lista, do nº. de votos e branco e do nº. de votos nulos;
e) distribuição dos mandatos pelas diversas lista;
f) determinação dos candidatos eleitos por cada lista;
g) decidir sobre as reclamações, protestos ou contra-protestos apresentados, relativos a irregularidades ocorridas no decurso das operações e/ou do não atendimento dos protestos apensos às actas efectuados junto das mesas eleitorais.
Determina ainda o artigo 96º, nº 1, que o Apuramento Geral será realizado com base nas actas das operações das assembleias de voto, nos cadernos eleitorais e demais documentos que os acompanharem.
Sucede todavia que, neste momento, ainda não é possível proceder-se a tal Apuramento Geral, uma vez que em cinco secções da freguesia de Odivelas, não ocorreu o acto eleitoral, no que se refere à Assembleia de Freguesia.
Face a esta situação não parece competir à Assembleia de Apuramento Geral a decisão de designar novo dia para as eleições, por falta total de competência para o efeito, tendo em atenção a sua natureza, composição e o escopo que a lei lhe define.
Assim sendo e de forma a evitar que a situação (ausência de votação em 5 secções quanto à Assembleia de Freguesia de Odivelas) se prolongue indefinidamente impedindo o apuramento total dos votos, já que de nada serviria fazer recurso ao disposto no artigo 96º, nº 2, do Decreto atrás referido, (pois os elementos não poderiam ser recebidos no prazo de 48 horas) há que procurar a solução legal que mais se aproxima com o caso sub judice.
O artigo 77º da Lei Eleitoral prevê situações de não realização de votação, nos casos previstos no seu nº 1.
Tais casos não enquadram directamente a situação ora em questão; todavia é este o único preceito legal que directamente estabelece as consequências e forma de suprimento nos casos de ausência de votação, pelo que se considera que aos mesmos se terá de recorrer para solução da questão pendente.
Assim sendo e tendo em atenção ainda o disposto no artigo 96º, nº
3, do Decreto-Lei atrás referido, suspende-se os trabalhos da presente Assembleia de Apuramento Geral que deverá reunir no dia seguinte ao da votação ou do reconhecimento da sua impossibilidade.
Comunique de imediato o teor da presente Acta à Comissão Nacional de Eleições ao Exmo. Sr. Governador Civil e proceda à afixação de Edital na porta do edifício da Câmara Municipal de Loures.'
Seguidamente, e uma vez que foram apresentado protesto pelo mandatário da lista da CDU e contra-protesto pelo candidato do CDS-PP, ora recorrente, foi ainda deliberado, em segundo momento, pela Assembleia de Apuramento Geral:
'Relativamente aos protestos apresentados determine-se a seguinte decisão com o voto contra da C.:
Não se vê qualquer benefício em se dar início aos trabalhos de apuramento, por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar porque o artigo 96º, nº 2, da Lei Eleitoral determina a designação de nova reunião, no prazo de 48 horas, para conclusão dos trabalhos tomando-se entretanto as providências necessárias para que a falta de elementos seja reparada. Ora, tal falta não pode obviamente ser reparada dentro de tal prazo, uma vez que não se encontra designado novo dia para votação.
Em segundo lugar, porque a eventual apreciação do Tribunal Constitucional sobre estas reclamações, poderá hipoteticamente, ter de pôr em questão as duas decisões tomadas pelas Assembleias de voto da Freguesia de Odivelas, 54 das quais optaram pela prossecução do acto eleitoral e as cinco restantes apenas pela votação para a Câmara a Assembleia Municipal, conforme informação fornecida pela Comissão Nacional de Eleições e pelo Sr. Governador Civil; ora, a decisão de tal matéria poderá acarretar ou não a invalidade do acto eleitoral em Odivelas. A ocorrer tal situação todo o eventual trabalho de apuramento já efectuado seria um mero acto inútil.
Por esses razões, desatendem-se as reclamações apresentadas.'
2.1.- A deliberação adoptada pela Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Loures (melhor, as duas deliberações constantes da respectiva acta, sob a designação de despachos) foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 102º-B da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro (redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), por parte de dois candidatos da lista apresentada pela Coligação Democrática Unitária
(CDU) aos órgãos autárquicos daquele concelho, na medida que tem por ilegal o decidido, por violação dos artigos 94º e seguintes da Lei Eleitoral, pelo que pedem a sua revogação e que se ordene a convocação e a realização imediata da Assembleia.
O requerimento de interposição de recurso deu lugar ao processo nº 719/97 e foi apreciado pelo plenário do Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 714/97, desta data, aí se decidindo no sentido do provimento do recurso, anulando-se 'a deliberação da Assembleia de Apuramento Geral das eleições dos órgãos das autarquias locais do Concelho de Loures pela qual se determinou a não realização da Assembleia de Apuramento Geral, por violar o disposto no artigo 96º, nº 2, primeira parte, e nº 3, do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 25 de Setembro, devendo, em consequência, a Assembleia de Apuramento Geral iniciar os seus trabalhos'.
2.2.- O primeiro recurso ora em apreço, o dos candidatos da lista do CDS-PP, interposto ao abrigo do artigo 103º da Lei Eleitoral, expressa e implicitamente invocado, é um recurso do contencioso eleitoral de anulação, incidente, como tal, sobre as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento parcial e geral, proporcionando eventualmente a anulação do acto eleitoral, nos termos do artigo 105º do mesmo diploma.
Pressupõe este tipo de recurso que as invocadas irregularidades tenham sido objecto de prévia reclamação ou protesto (parte final do nº 1 do artigo 103º), constituindo requisito formal da sua admissão a junção da cópia integral das actas das assembleias em que as ditas irregularidades terão praticado, uma vez que só desse modo se proporciona um conhecimento integral dos factos ocorridos no acto eleitoral, habilitando-se a entidades julgadora a conhecer adequadamente do objecto do recurso e a declarar a nulidade desse acto se, e na medida, em que a votação irregularmente processada possa influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico (nº 1 do artigo 105º). Neste sentido, aliás, se tem consolidado a jurisprudência do Tribunal Constitucional como, entre tantos outros, o ilustram os acórdãos nºs. 859/93 e 868/93, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Maio e 30 de Abril de 1994, respectivamente).
Perfila-se, assim, face à especificidade subjacente do contexto factual e ao seu controlo contencioso, uma ideia de prejudicialidade, decorrente, antes de mais, da necessidade de a Assembleia de Apuramento Geral proceder às operações preliminares e de apuramento geral da sua competência, lavrando seguidamente acto do apuramento geral, na qual devem constar 'os resultados das respectivas operações, bem como as reclamações, protestos e contra-protestos apresentados de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 95º e as decisões que sobre eles tenham recaído' (cfr., o nº 1 do artigo
100º da Lei Eleitoral).
Com efeito, não é possível, neste momento, além do mais, conhecer dos protestos ou reclamações alegados, como, na circunstância, não será exigível que o ónus da prova que recai sobre os recorrentes implique a prova desses protestos, nem tão pouco apreciar, face à verificação de irregularidades ou ilegalidade, se estas contêm a virtualidade de poderem influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico.
Perante este quadro, poderia o Tribunal, em certa leitura, utilizar o expediente processual da suspensão da instância até se efectuar o apuramento geral e os respectivos resultados se proclamarem e publicitarem. Na verdade, o nº 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 149º-A da Lei Eleitoral, permite-o, 'quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, ou quando ocorrer outro motivo justificado'.
No entanto, o certo é que o recurso se mostrou prematuro. E, por outro lado, não ficam os recorrentes impedidos de apreciação contenciosa das irregularidades invocadas, uma vez que o poderão fazer após a afixação do edital a que se refere o artigo 99º da Lei citada, no prazo previsto no nº 1 do artigo 104º, sendo certo que só as operações de apuramento geral podem contribuir para o esclarecimento das questões suscitadas no decurso dos apuramentos parciais e só efectuado esse apuramento geral será possível obter os documentos necessários comprovativos dos formalismos indispensáveis ao prosseguimento e conhecimento do recurso.
Neste sentido, aliás, tem-se pronunciado o Tribunal Constitucional: cfr., o acórdão nº 814/93, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1994.
Assim sendo, não se pode apreciar o presente recurso.
2.3.- O segundo recurso interposto pelo PCTP-MRPP ao abrigo do artigo
102º da Lei nº 28/82, na suposição de verificação dos pressupostos legais fixados nos nºs. 1 e 2 do artigo 103º da Lei Eleitoral, merece o mesmo destino.
Independentemente de quaisquer outros problemas que se possam aqui colocar sempre será exacto que o objectivo pretendido implica a anulação do acto eleitoral alegadamente viciado, situação que, de igual modo, só após o apuramento geral é sindicável.
Também neste caso, por conseguinte, o recurso foi prematuramente apresentado.
III
Em face do exposto decide-se não tomar conhecimento dos recursos.
Lisboa, 23 de Dezembro de 1997 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa