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Proc. nº 140/02 Plenário Relator : Sousa e Brito
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional : I
O Partido Operário de Unidade Socialista recorreu em 15 de Fevereiro de 2002 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do nº 1 do artigo 32º da Lei
14/79 do 16 de Maio (Lei Eleitoral da Assembleia da República – LEAR), na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14-A/85, de 10 de Julho, da decisão de 14 de Fevereiro de 2002 do juiz dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto que não admitiu a candidatura daquele Partido às eleições de 17 de Março de 2002 para a Assembleia da República, ao indeferir a reclamação daquele Partido do despacho que rejeitou a lista de candidatos do mesmo Partido.
A decisão recorrida remete para os fundamentos do despacho que são os seguintes :
'Verificou-se a omissão de um dos requisitos legais exigíveis para a admissão da lista, a saber: a declaração de que não se candidatam por qualquer outro círculo eleitoral (artigo 24, nº 3, al. b) da Lei nº 14/79 de 16/05). De seguida observou-se o disposto no artigo 26, nº 2 do sobredito diploma legal, convidando o mandatário da lista a suprir a aludida falta. O ilustre mandatário não supriu tal irregularidade. Deste modo, a lista está inquinada, por violação do preceituado no artigo 24º, nº 3, al. b) da Lei 14/97. Assim, pela ausência do aludido requisito legal – que é fundamental – em todas as certidões de declaração de aceitação de candidatura, rejeito a Lista apresentada.'
O recurso, por sua vez, reproduz os fundamentos da reclamação, que eram os seguintes :
'de facto no artigo 24, nº 3 al. b) da Lei nº 14/79 de 16/05 está dito: 'b) Não se candidatam por qualquer outro círculo eleitoral nem figuram em mais nenhuma lista de candidatura'. Em todos os processos eleitorais, em que participamos, utilizamos sempre este modelo individual de declaração de aceitação de candidatura, tanto nas eleições para as Autarquias como para o Parlamento Europeu como para as Legislativas. A expressão utilizada em ponto 2 'Não se candidatar em mais nenhuma lista de candidatura' em conjunto com o «ponto 3», dão em nosso entender a garantia de que o candidato não pode participar em mais nenhuma lista. Aqui gostaria de referir que o conteúdo da expressão 'Lista' entende-se, neste caso, nas Eleições Legislativas, como referentes a cada um dos Círculos eleitorais que se confundem com os distritos (18, no caso de Portugal continental). Neste sentido, pensamos que era de V. Exª. considerar a validade das actuais Declarações até porque no prazo que nos é imposto é-nos fisicamente impossível uma rectificação deste tipo, mesmo utilizando neste caso uma Declaração colectiva. Podemos afirmar, com toda clareza, que nunca em momento algum nas nossas Listas houve qualquer duplicação de candidatura, até que por lei o candidato é penalizado criminalmente, como V. Exª. deve saber melhor do que eu.' Os mandatários das restantes listas notificados da reclamação respondeu o do Partido Humanista, no sentido da admissão da lista rejeitada, dizendo :
'A redacção do artigo 24, nº 3 b) da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, é redundante, dado que a declaração de que não se figura em mais nenhuma lista de candidatura implica necessariamente que o declarante não se candidata em qualquer outro círculo eleitoral. Deste modo, as declarações de candidatura que o apresentante juntou aos presentes autos preenchem suficientemente os requisitos legais , se devidamente interpretadas. Aliás, a afirmação do apresentante de que noutros círculos eleitorais as 'mesmas declarações de candidatura foram julgadas conformes à lei é não só verdadeira como pertinente, já que demonstra que o entendimento acima exposto colheu também posição favorável junto dos respectivos magistrados judiciais.'
Cumpre decidir. II
A declaração de candidatura pelo círculo do Porto dos candidatos do Partido Operário de Unidade Socialista foi assinada separadamente por cada um dos candidatos através de documentos de 'declaração de aceitação de candidatura', de que não consta qualquer referência ao círculo do Porto, em que
'cada candidato pelo Partido Operário de Unidade Socialista às eleições para a Assembleia da República a 17 de Março de 2002 declara por sua honra :
1 - Não estar abrangido por qualquer inelegibilidade;
2 - Não se candidatar em mais nenhuma lista de candidatura;
3 - Aceitar a candidatura pelo referido partido;
4 – Concordam com o mandatário indicado na lista.'
As declarações dos nºs 1 a 4 de cada documento visam manifestamente corresponder ao conteúdo exigido pelas alíneas a) a d) do nº 3 do artigo 24º da LEAR.
A questão que vem sendo discutida desde a reclamação é a de saber se a declaração do nº 2 dos referidos documentos de 'não se candidatar em mais nenhuma lista de candidatura' tem o mesmo sentido da declaração, exigida pela alínea b) do nº 3 do artigo 24º, dos candidatos, de que não se candidatam por qualquer outro círculo eleitoral nem figuram em mais nenhuma lista de candidatura.
A resposta depende da questão de saber se a lei exige que as declarações de aceitação de candidaturas especifiquem o círculo eleitoral pelo qual o subscritor se candidata.
Se se entender que a lei exigia dos candidatos que especificassem expressamente na declaração de candidatura que se candidatavam pelo círculo do Porto – e é esse o entendimento que se adoptará – então, ao fazerem tal declaração e ao declararem a seguir que não se candidatavam por qualquer outro círculo eleitoral nem figuravam em mais nenhuma lista de candidatura, os candidatos estavam a exprimir que não concorriam em nenhuma outra lista do Porto nem de qualquer outro círculo eleitoral que não seja o do Porto. Tal determinação do círculo eleitoral do Porto falta, porém, nas declarações dos candidatos, que não explicitam o círculo eleitoral pelo qual se candidatam, nem explicitam, por consequência, que as outras listas por que não se candidatam são as restantes do círculo do Porto e todas as dos outros círculos eleitorais. Esta diferença de sentido não é infirmada pelo reconhecimento de que os candidatos se referem implicitamente na sua declaração à lista de candidatura em que se apresentam, que não é senão a lista do POUS ao círculo do Porto e que, portanto, as listas de que se excluem, sendo todas menos a apresentada, são as mesmas a que se refere a declaração exigida por lei. Por outras palavras, a diferença de sentido é compatível com a identidade de referência, ou de significado. Também é certo que a lei não exige de cada candidato uma declaração em determinada forma de palavras e que declarações com diferentes sentidos mas a mesma referência ou significado, são juridicamente equivalentes na generalidade dos casos. Tanto faz dizer 'Porto' ou 'cidade invicta' ou 'cidade da Torre dos Clérigos', mas já não será indiferente dizer 'a lista em que me apresento' ou 'a lista em que me apresento pelo Porto' quando a lei exige a especificação, pelo próprio candidato e não apenas pelo contexto geral dos documentos apresentados com a candidatura, do círculo eleitoral. Ora, por razões semelhantes às que o Tribunal invocou para entender que a lei exige nas declarações de candidatura às eleições autárquicas a indicação do
órgão autárquico (Acórdãos nºs 494/2001, Diário da República, II série, 17 de Dezembro de 2001, 20885, 20886, 501/2001, Diário da República, II série, 18 de Dezembro de 2001, 20980, 20981, 502/2001, Diário da República, II série, 18 de Dezembro de 2001, 20981, 20982), há que entender também que a lei, correctamente interpretada, exige que as declarações de candidatura às eleições para a Assembleia da República contenham a indicação do círculo eleitoral.
Com efeito, a lei eleitoral, ao exigir uma declaração sobre compromisso de honra, implica uma especial seriedade e consciencialização do conteúdo da declaração que não é compatível com o seu parcial preenchimento por outra pessoa, mesmo que seja o partido ou a coligação que apresenta o candidato. Por outro lado, a consciência da falsidade da declaração que é elemento do tipo do crime doloso de aceitação de candidatura por cidadão inelegível (artigo 128º da Lei nº 14/79), pressupõe que a declaração de que está abrangido por qualquer inelegibilidade é feita por quem controla os fundamentos de inelegibilidade, que nas inelegibilidades especiais (artigo 6º da Lei nº 14/79) dependem do círculo eleitoral.
Neste entendimento, às declarações de aceitação de candidatura dos candidatos do Partido Operário de Unidade Socialista pelo círculo eleitoral do Porto falta a expressa indicação, exigida por lei, do círculo eleitoral do Porto, e assim, a expressa indicação complementar das outras listas desse mesmo círculo e dos outros círculos eleitorais em que os candidatos declaram não se candidatarem. III
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 27 de Fevereiro de 2002- José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa