Imprimir acórdão
Procº nº 542/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. P..., S.A., instaurou, pelo Tribunal de comarca de Coimbra e contra J..., acção, seguindo a forma de processo sumário, solicitando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Esc. 284.559$00 e juros vencidos, no montante de Esc. 47.400$00, e vincendos, à taxa de 10% até integral pagamento.
Na contestação, o réu, por entre o mais e no que intitulou 'QUESTÃO PRÉVIA', sustentou que o disposto no artº 21º, nº 5, do Regulamento do Serviço Telefónico Público, aprovado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 199/87, de 30 de Abril, era 'manifestamente inconstitucional', porquanto violava 'o direito à protecção dos interesses económicos do consumidor bem como o direito a uma informação acima de qualquer suspeita sobre os serviços consumidos', assim sendo postergados os artigos 60º, nº 1, e 13º, ambos da Constituição.
Por despacho saneador de 16 de Junho de 1997, o Juiz do 2º Juízo do aludido Tribunal considerou 'improcedente a excepção ... levantada pelo Réu Cynbron' e, por sentença de 13 de Fevereiro de 1988, foi a acção julgada procedente, vindo o réu a ser condenado no pedido.
Para tanto, considerou-se, em síntese, que a autora logrou provar que prestou ao réu a utilização de serviços telefónicos através do posto nº
441459 e no período referente aos meses de Janeiro a Agosto de 1995, num montante de Esc. 284.559$00 correspondentes à assinatura pela detenção daquele posto e dos impulsos telefónicos das chamadas efectuadas, sendo que o mesmo réu não conseguiu demonstrar que não realizou tais gastos.
2. Dessa sentença intentou o réu interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, uma vez que, disse, aí se fez aplicação do disposto no artigo 21º, n.º 5, do D.L. n. 199/87, de 30 de Abril, norma cuja inconstitucionalidade suscitou na contestação.
Tal recurso, porém, não foi admitido, pois que o mencionado Juiz, por despacho de 18 de Março de 1998, considerou que aquele normativo, segundo o qual a 'facturação do tráfego telefónico efectua-se com base em equipamento de contagem instalado nas centrais telefónicas', não foi aplicado na sentença desejada impugnar, quer directa, quer indirecta, quer expressa, quer tacitamente, sendo que, de todo o modo, a excepção consistente na questão de inconstitucionalidade suscitada pelo réu na sua contestação foi, no despacho saneador, considerada improcedente.
3. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, referindo o ora reclamante, inter alia:-
'.........................................................................................................................................................................................
6.º
Admitindo, contudo, num extremo de rigor, que essa era a sua obrigação sempre se argumentará que o facto de o M.mo Juiz ora reclamado ter apreciado, no despacho saneador, a questão de inconstitucionalidade arguida pelo R. não impede este de recorrer agora, do que lhe parece ser aplicação implícita da norma que ele, na contestação, atacou como violadora da Constituição.
7.º
E nem se diga que é extemporâneo o recurso nesta fase do processo.
8.º
Com efeito, quando o M.mo Juiz ora reclamado, no despacho saneador terá decidido pela improcedência da questão de inconstitucionalidade que o R. levantou, criou caso julgado formal, mas caso julgado exclusivamente no sentido de não poder vir, na sentença, a atender a pretensão do R. sem, com isso ter limitado a sua liberdade de julgamento para aplicar a norma impugnada, como veio a acontecer.
9.º
Essa norma, pois, só veio a ser aplicada na sentença: o R. podia ter sido condenado com fundamento noutra disposição legal (embora não se saiba bem qual) ou sair mesmo absolvido. Nesse caso, sim, o recurso, que se pretende agora interpor, apresentado logo após o despacho saneador, é que seria intempestivo porque, pela sua prematuridade, daria origem a uma lide inútil.
..........................................................................................................................................................................................
11.º
A aplicação (implícita) da norma atacada de inconstitucionalidade pelo R. é visível na sentença (...), onde se lê que a A. logrou ‘provar que prestou ao Réu o serviço telefónico (...), sendo os gastos do Réu (...) os correspondentes aos impulsos telefónicos constantes das facturas respectivas
(...)’.
Aqui está: gastos correspondentes aos impulsos telefónicos. Ora é precisamente a norma que regula a forma de contagem desses impulsos (número 5 do artigo 21.º do Regulamento do Serviço Telefónico Público, já citado nestas alegações), que o R. considera inconstitucional.
........................................................................................................................................................................................'
3. O Ex.mo representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da vertente reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Independentemente da questão de saber se, efectivamente, na sentença pretendida pôr sob censura, houve, ou não, ainda que de forma implícita, aplicação da norma cuja compatibilidade com a Lei Fundamental foi questionada pelo ora reclamante, torna-se inquestionável que no despacho saneador lavrado nos autos de acção sumária em causa foi considerada improcedente a excepção levantada por este na sua contestação e que se fundava, na realidade das coisas, na inexistência da obrigação cujo incumprimento foi causa dessa acção, inexistência essa radicada na invalidade constitucional da norma instituidora do vínculo jurídico que o adstringiria à realização da prestação.
Porque o ora reclamante não impugnou o assim decidido (e essa impugnação poderia ter sido efectivada por intermédio de recurso para este Tribunal, uma vez que o valor da acção não permitia o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, razão pela qual não havia, in casu, de respeitar o que se prescreve no nº 2 do artº 70º da Lei nº 28/82), torna-se claro que tal questão se firmou na acção. Desta arte, e ainda que se entenda que a sentença posteriormente proferida se alicerçou no normativo indicado pelo reclamante, nunca nela poderia vir a ser entendido que tal normativo - instituidor da obrigação cujo incumprimento baseou a petição – sofria de invalidade do ponto de vista da sua conformidade com o Diploma Básico.
2. Significa isto que, se em julgamento se apurasse, como se apurou, a existência dos pressupostos fácticos que, por um lado, apontassem em abstracto para o dever de prestar e para o seu não cumprimento objectivo e, por outro, para, verbi gratia, a inexistência de causas justificativas de uma concreta não realização da prestação ou de extinção da obrigação para além do cumprimento, não poderia o Tribunal de comarca de Coimbra, com base na invalidade normativa que prescreveu aquele dever, deixar de condenar o ora reclamante.
E isto, repete-se, suposto que a sentença intentada recorrer tivesse, ainda que de modo não explícito, fundado o dever de realização da prestação não cumprida na norma que foi questionada pelo ora reclamante como enfermando do vício de inconstitucionalidade.
Pois bem.
3. Tendo em conta o caso julgado formal que se operou na acção, sempre na sentença a proferir teria ele de ser respeitado, razão pela qual (e, ainda perante a suposição acima referida) um eventual julgamento, levado a cabo por este Tribunal, de inconstitucionalidade da norma constante do nº 5 do artº
21º do Regulamento do Serviço Telefónico Público, aprovado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 199/87, de 30 de Abril, não poderia influenciar aquele respeito.
E, sendo assim, aquele eventual julgamento nenhuma repercussão poderia ter na sentença querida recorrer, pois que, mesmo que esse julgamento viesse a constituir caso julgado, tendo em atenção aqueloutro respeitante ao saneador, que primeiramente se operou, haveria este último de ser cumprido ex vi do nº 1 do artº 675º do Código de Processo Civil.
Neste contexto, não é censurável, quanto a este particular, o despacho reclamado.
III
Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa