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Processo nº 513/01 Plenário Cons. Sousa e Brito
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório.
1. O Presidente do Governo Regional da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e a declaração, com força obrigatória geral da inconstitucionalidade e da ilegalidade, da norma do artigo único da Lei n.º
12/2000, de 21 de Junho, que deu nova redacção ao n.º 2 do artigo 15º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, na redacção e numeração da Lei n.º
130/99, de 21 de Agosto.
Esse preceito estatutário define o número de Deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira a eleger em cada um dos respectivos círculos eleitorais, e passou a dispor como segue, por força da alteração ora questionada: cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um Deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de Deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional, constitucionalmente consagrado.
2. Em síntese, a entidade requerente entende que a norma impugnada sofre de inconstitucionalidade e de ilegalidade por, 'ao preterir a audição e emissão de parecer prévios da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, ofender o princípio constitucional e estatutário da reserva de iniciativa estatutária e legislativa que assiste, em sede de alterações ao Estatuto Político-Administrativo, à Região Autónoma da Madeira, através da sua Assembleia Legislativa Regional, consagrado nos artigos 226º da CRP e 37, n.º 1, alínea a), do EPARAM'.
3. Notificado do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou os números do Diário da Assembleia da República pertinentes à tramitação da iniciativa que culminou na aprovação da alteração estatutária em causa, bem como cópia de dois ofícios enviados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, e de um despacho seu.
4. Posto isso, foi elaborado pelo Presidente deste Tribunal o memorando a que se refere o n.º 1 do artigo 63ºda Lei antes citada e procedeu-se, com base nele, à apreciação do pedido, em ordem a fixar-se a orientação decisória do Tribunal a respeito do mesmo. Definida que oportunamente ficou, assim, tal orientação, cumpre agora proferir, em consonância com ela, o correspondente acórdão.
II. Fundamentos.
5. Pelo Acórdão n.º 199/2000, de 29 de Março, deste Tribunal
(publicado no Diário da República, I Série, de 2 de Maio desse mesmo ano), foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral – com fundamento na violação do princípio da representação proporcional consagrado nos artigos
113º, n.º 5, e 231º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – da norma do artigo 15º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, na redacção e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, e, bem assim, da norma do artigo 2º, n.º 2, da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, constante do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril. Impondo-se o preenchimento do vazio jurídico decorrente dessa declaração de inconstitucionalidade (e tanto mais que se avizinhavam eleições regionais), foram apresentados na Assembleia da República, com esse objectivo:
- o Projecto de lei n.º 173/VIII, de deputados do PS, com o seguinte teor (no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 33, de 13 de Abril de 2000): Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa, propomos que o artigo 2.º (Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional da Madeira) do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril, passe a ter um n.º 2, com a seguinte redacção: Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um Deputado por cada
3500 eleitores recenseados ou fracção superior a 1750, mas no mínimo dois Deputados;
- o Projecto de lei n.º 189/VIII, de deputados do CDS-PP, visando uma nova regulamentação global dos círculos eleitorais para a eleição da Assembleia Legislativa Regional da Madeira (no mesmo Diário e Série, 37, de 4 de Maio de
2000):
- a Proposta de lei n.º 23/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, com o seguinte artigo único (no mesmo Diário e Série, n.º 36, de 29 de Abril de
2000):
O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 2.º
1 — Cada município constitui um círculo eleitoral, designado pelo respectivo nome.
2 — Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um Deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de Deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional, constitucionalmente consagrado;
- a Proposta de lei n.º 24/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, com o seguinte artigo único (no mesmo Diário e Série, e número por último indicado):
É alterado o disposto no artigo 15.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, na redacção e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, da forma seguinte
: Artigo 15.º
1 — (...)
2 — Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um Deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de Deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional, constitucionalmente consagrado. Estes quatro diplomas foram discutidos, na generalidade, no plenário da Assembleia da República, na sessão de 10 de Maio de 2000, e foram votados, na generalidade, na especialidade e em votação final global, na sessão do dia imediato, tendo sido rejeitado o projecto de lei apresentado pelo CDS-PP e aprovados os três restantes (com os votos favoráveis do PS, do PSD e do BE e as abstenções do PCP, do CDS-PP e do PEV) - sendo que o Projecto de lei n.º
173/VIII, do PS, e a Proposta de lei n.º 23/VIII, da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, uma vez que ambos visavam a alteração, e em termos substancialmente idênticos, do mesmo preceito (o n.º 2 do artigo 2º da Lei Eleitoral para essa Assembleia) deram lugar a um único texto, que foi o objecto de votação e aprovação final (v. ainda o Diário da Assembleia da República, I Série, nºs 63 e 64, de 11 e 12 de Maio de 2000). Entretanto, antes de se proceder à discussão e votação, no plenário da Assembleia da República, dos projectos e propostas referidas, não deixou o seu Presidente de promover a audição da Assembleia Legislativa Regional da Madeira
(dando assim cumprimento à exigência do artigo 229º, n.º 2, da Constituição da República) sobre os Projectos de lei nºs 173/VIII e 189/VIII - o que foi feito através dos ofícios 491/GAB/00 e 542/GAB/00 (cuja cópia foi junta aos autos), enviados ao Presidente dessa mesma Assembleia Legislativa em 12 e 28 de Abril de
2000, respectivamente, e, portanto, em termos perfeitamente adequados, do ponto de vista constitucional . Já quanto às Propostas de lei mencionadas, sendo elas da própria autoria da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, não há, naturalmente, nenhuma notícia da audição desta. Dir-se-á, no entanto, que, relativamente a propostas com essa origem, uma tal audição ainda poderá compreender-se se, no decurso da sua tramitação, elas vierem a ser objecto de propostas de alteração, mormente quando lhes afectem de modo significativo o sentido e alcance; e haverá mesmo de dizer-se que essa audição é, em todo o caso, expressamente imposta, e de um modo específico, pela Constituição (artigo 226º, nºs 2 e 3), quando as alterações respeitem a propostas de lei versando sobre o Estatuto regional ou a sua alteração (em consonância com o facto de a iniciativa, em matéria estatutária, estar exclusivamente reservada às assembleias legislativas regionais, conforme disposto nos nºs 1 e 4 do mesmo artigo). Só que, no tocante às propostas, antes referidas, apresentadas pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira – e, em particular, à Proposta de lei n.º 24/VIII, relativa à alteração do Estatuto, que
é a que ora especificamente importa - , foram elas aprovadas pela Assembleia da República sem nenhuma modificação, e exactamente no seu teor originário. Com efeito, em consequência do processo legislativo antes descrito, vieram a ser publicadas a Lei n.º 11/2000 (com origem no Projecto e na Proposta de lei acabados de referir) e a Lei n.º 12/2000 (com origem na Proposta de lei n.º
24/VIII), ambas de 21 de Junho, que dispõem nos termos seguintes: Lei n.º 11/2000 Artigo único O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 2.º
1 - Cada município constitui um círculo eleitoral, designado pelo respectivo nome.
2 - Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional constitucionalmente consagrado.
Lei n.º 12/2000 Artigo único
É alterado o disposto no artigo 15.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, na redacção e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, da forma seguinte: Artigo 15.º
1 - ...
2 - Cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750, não podendo em qualquer caso resultar a eleição de um número de deputados inferior a dois em cada círculo, de harmonia com o princípio da representação proporcional constitucionalmente consagrado.
Como resulta evidente do confronto das transcrições feitas, o teor destes dispositivos legais é exactamente igual ao das respectivas propostas, e, em particular, o constante desta última Lei – que corresponde à norma objecto do pedido em apreço – é idêntico ao da Proposta de lei n.º 24/VIII.
6. Sendo assim, não se descortina facilmente o sentido e o fundamento do pedido de declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade sub judicio. Seja como for, não há interesse em proceder a mais indagações a esse respeito e sobre a questão da conformidade constitucional da norma impugnada.
É que, ainda quando, eventualmente, viesse a concluir-se pela inconstitucionalidade dessa norma, a correspondente declaração acabaria por não produzir qualquer efeito juridicamente útil, já que sempre ficaria a subsistir no ordenamento jurídico uma outra norma com o mesmo conteúdo: a norma do n.º 2 do artigo 2.º da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional da Madeira
(Decreto-Lei n.º 318-E/76, com alterações subsequentes), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 11/2000. É aí, de resto, nessa lei eleitoral – que integra a matéria da reserva absoluta da Assembleia da República, nos termos do artigo
164º, alínea j), da Constituição –, que (e por isso mesmo) há-de entender-se que a regulamentação em causa tem a sua sede primária (e de tal modo que o Estatuto não poderá mais do que reproduzi-la, sem com isso, de resto, modificar-lhe a natureza). Sendo assim, não resta senão concluir que falta o interesse processual no conhecimento do pedido.
III. Decisão.
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido. Lisboa, 27 de Fevereiro de 2002 José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa