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Processo n.º 1112/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., Lda., veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) No presente caso, a recorrente não enuncia, em rigor, no requerimento de interposição do recurso, a concreta interpretação normativa, cuja sindicância pretende, limitando-se a indicar o preceito de direito positivo em que tal interpretação presumivelmente assenta, acrescentando que a mesma foi adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo e referindo que a mesma viola a Lei Fundamental, uma vez que “implica a negação da competência exclusiva atribuída ao Tribunal de Justiça da União Europeia para julgar questões prejudiciais relativas à interpretação de normas do direito comunitário, quando as mesmas são suscitadas em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.”
Incumpre a recorrente, desta forma, o disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
Na verdade, por força do referido preceito, tem este Tribunal entendido que sobre a parte, que pretenda questionar a constitucionalidade de uma norma ou de determinada interpretação normativa, impende o ónus de enunciar expressamente tal norma ou interpretação, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
A omissão de menção, autónoma e especificada, de tal elemento não é, por natureza, abstratamente insuprível.
Porém, não é equacionável, in casu, facultar à recorrente a possibilidade de suprir tal deficiência, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LTC, atenta a não verificação de pressupostos de admissibilidade do recurso, circunstância que sempre determinaria a impossibilidade de conhecimento de mérito, como melhor exporemos infra.
Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito - carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam pressupostos de admissibilidade do recurso, que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
(…) Feito este esclarecimento prévio, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, atendendo à especificidade do concreto tipo de recurso em análise nos autos.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Ora, como já referimos, a recorrente não enuncia, de forma clara e explícita, no requerimento de interposição do recurso, o específico critério normativo, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada. Porém, esclarece que o mesmo é extraível do parágrafo 3 do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Impunha-se, assim, em princípio, que a recorrente tivesse suscitado a específica questão de constitucionalidade, que pretenderia ver apreciada, referente a um sentido interpretativo do referido preceito, previamente, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria.
Tornava-se indispensável, neste âmbito, uma precisa delimitação e especificação da questão normativa, que constituiria objeto do ulterior recurso de constitucionalidade, e uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que incluísse a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se apercebesse e se pronunciasse sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso, porém, a recorrente assume que não suscitou, previamente, perante o tribunal a quo, a questão de constitucionalidade cuja apreciação pretende.
Justifica tal omissão, referindo que a questão só se colocou, pela primeira vez, com a prolação do acórdão recorrido, não sendo expectável, “por contrariar frontalmente o disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.º da CRP, bem como o princípio do juiz legal/natural, consagrado nos artigos 216.º, n.º 1 e 217.º, n.º 3, da CRP”, consubstanciando, desta forma, uma decisão surpresa.
Não lhe assiste, porém, razão, não se justificando, in casu, a dispensa do aludido ónus de suscitação prévia.
Na verdade, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de forma criteriosa e necessariamente restritiva, a exceção ao princípio de que a suscitação da questão de constitucionalidade deve preceder a prolação da decisão recorrida, reservando-a para aquelas situações, absolutamente anómalas, em que o recorrente não podia razoavelmente antecipar a possibilidade de uma dada dimensão normativa – objetivamente surpreendente - ser acolhida na decisão recorrida.
Salienta-se que a inexigibilidade do dever de antecipação em análise deve ser perspetivada à luz de um modelo de litigância diligente e prudente, em que não se enquadra a parte que, demasiado confiante na bondade da sua tese, desconsidera outras soluções plausíveis de direito.
É que, recaindo sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas na decisão, cumpre-lhes, em observância de um dever de litigância tecnicamente prudente, a formulação de um juízo de prognose que antecipe as várias hipóteses, razoavelmente previsíveis, de enquadramento normativo do litígio, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que poderão viciar as normas ou interpretações normativas convocadas.
No caso concreto, o critério normativo extraível do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que o tribunal a quo convoca, não corresponde a uma interpretação insólita ou surpreendente, tendo apoio na jurisprudência e doutrina, citadas a esse propósito, - elementos disponíveis, maioritariamente, em data anterior à da apresentação de alegações pela recorrente - no acórdão subsequentemente proferido, datado de 26 de junho de 2013.
Pelo exposto, não tendo a recorrente suscitado a questão de constitucionalidade, que pretenderia ver apreciada, perante o tribunal a quo, antes da prolação da decisão recorrida, nem se verificando qualquer situação excecional que a dispensasse de tal ónus, sempre estaria definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, circunstância que torna ociosa a apreciação dos restantes pressupostos de admissibilidade do recurso – face à sua necessária verificação cumulativa – concluindo-se, desde já, pela inadmissibilidade do mesmo. ”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere a reclamante que a interpretação do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, cuja sindicância de constitucionalidade pretende, não era expetável, por contrariar frontalmente o princípio do juiz legal/natural, não sendo, por isso, exigível à recorrente que suscitasse a questão de constitucionalidade respetiva, em momento anterior.
Alega ainda a reclamante que suscitou, porém, a questão na peça processual de arguição de nulidade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, num momento em que era ainda jurisdicionalmente possível ao tribunal, após prolação da decisão final, pronunciar-se sobre as nulidades arguidas e, nomeadamente, sobre a inconstitucionalidade suscitada, como, aliás, veio a fazer, com a prolação do acórdão de 26 de junho de 2013.
Assim, sendo certo que, quanto a esta questão, não se encontrava ainda esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, encontra-se cumprido, in casu, o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
Defende a reclamante que a interpretação inconstitucional do referido artigo 267.º, assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de autorizar o tribunal recorrido, apesar de ser a última instância de recurso, a denegar o reenvio prejudicial, entra nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
Conclui, nestes termos, pedindo o deferimento da reclamação.
4. O reclamado, regularmente notificado, optou por não apresentar resposta à reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária, a reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correção do juízo efetuado.
Na verdade, limita-se a reclamante a reiterar que a interpretação, assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo, não era expetável, pelo que não lhe era exigível suscitar a questão de constitucionalidade respetiva em momento anterior à prolação da decisão recorrida.
Mais reitera que suscitou a questão, no requerimento de arguição de nulidade. Defende que, ainda assim, se deverá considerar cumprido o ónus que sobre si recaía, uma vez que o tribunal a quo ainda estava em tempo de se pronunciar sobre tal questão, como veio a fazer no acórdão subsequente.
A fundamentação da decisão sumária, porém, já infirma, de forma clara e suficiente, a argumentação da reclamante, no sentido da inexigibilidade da suscitação da questão de constitucionalidade, em momento anterior, in casu.
Acresce que, como igualmente se afirma expressamente na decisão sumária, a suscitação da questão de constitucionalidade deve preceder a prolação da decisão recorrida. Assim, é irrelevante, para efeito de apreciação de cumprimento do ónus em análise, que a questão seja suscitada após tal prolação.
Na verdade, se a reclamante considera que a sua suscitação da questão de constitucionalidade foi tempestiva e que o tribunal a quo se pronunciou sobre tal questão, no acórdão subsequente à decisão recorrida, então deveria, em concordância, ter escolhido aquele acórdão como alvo do seu recurso de constitucionalidade, o que não fez.
Ao Tribunal Constitucional apenas compete a apreciação do recurso, nos termos delimitados pelo respetivo requerimento de interposição, com referência à concreta decisão indicada como decisão recorrida, sendo em relação à mesma que, forçosamente, se aprecia a verificação dos pressupostos de admissibilidade de recurso que implicam tal juízo relacional, nomeadamente o cumprimento do ónus de suscitação prévia, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
Pelo exposto, sendo certo que a fundamentação aduzida na decisão reclamada merece a nossa concordância, damos a mesma por reproduzida e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação.
III - Decisão
6. Nestes termos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 15 de janeiro de 2014, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 9 de abril de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.