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Processo n.º 167/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Em ação declarativa com processo comum intentada por A. contra B., Lda., ora reclamante, decidiu o 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria, por sentença de 23 de junho de 2010, dar por confessados os factos articulados pelo autor, por não contestados, e, em consequência, julgar a ação parcialmente procedente, condenando a ré em parte do pedido.
A ré, inconformada, dela recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas o recurso foi, por Acórdão de 31 de março de 2011, julgado improcedente.
Ainda inconformada, arguiu a nulidade do Acórdão e dele interpôs recurso de revista excecional, tendo o Tribunal da Relação indeferido a invocada nulidade e rejeitado, por inadmissível, o recurso. A ré apresentou reclamação, nos termos do artigo 688.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que foi indeferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por despacho do relator confirmado em conferência.
Posteriormente, veio então interpor recurso de constitucionalidade da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Leiria, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade da «interpretação que foi feita pelo Tribunal de Trabalho de Leiria do artigo 56.º do Código de Processo de Trabalho no sentido de que no caso da notificação para contestar a ação ter sido feita aquando da notificação para audiência de partes, deve considerar-se que a notificação para contestar a ação foi regularmente efetuada».
O Tribunal da Relação de Coimbra, por despacho do relator de 26 de janeiro de 2012, não admitiu o recurso, considerando que a questão de constitucionalidade não foi devidamente suscitada durante o processo perante o tribunal da relação.
A recorrente, com ele não se conformando, deduziu, então, reclamação, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, invocando, em síntese, ter suscitado a questão de inconstitucionalidade no requerimento de interposição do recurso de revista excecional que interpôs do acórdão do Tribunal da Relação, onde arguiu nulidades deste último, pelo que não se havia ainda esgotado o poder jurisdicional do Tribunal da Relação para dela decidir, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, mostrando-se, pois, observado o ónus legal de prévia suscitação.
O Ministério Público, em resposta, pugnou pelo indeferimento da reclamação, pois que, não tendo a reclamante interposto o recurso de constitucionalidade do Acórdão do Tribunal da Relação que negou provimento ao recurso de apelação, único que, na ordem dos tribunais judiciais, se pronunciou definitivamente sobre a questão, mas da decisão da primeira instância, que, face à interposição daquele recurso ordinário, perdeu validade e autonomia, nem suscitado adequadamente, nas respetivas alegações, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, não se verificam os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso.
A reclamante, convidada a pronunciar-se sobre o parecer do Ministério Público, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, ex vi do artigo 69.º da LTC, veio declarar que, pese embora não o tenha expressamente referido no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, este visa «a declaração de inconstitucionalidade do artigo 56.º do Código de Processo de Trabalho na interpretação que do mesmo foi feita quer pelo Tribunal de Trabalho de Leiria quer pelo Tribunal da Relação de Coimbra», reafirmando, no mais, o que já havia sustentado em sede de reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Cumpre preliminarmente sublinhar que, tendo a ora reclamante interposto recurso de constitucionalidade da sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Leiria, como claramente decorre do respetivo requerimento de interposição, que definitivamente fixa o objeto do recurso, não pode, em requerimento ulterior, alargar o âmbito das decisões recorridas, nele integrando também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que negou provimento ao recurso de apelação que daquela foi interposto, como parece pretender.
Assim sendo, é nesse pressuposto, insuscetível de qualquer modificação, que se aferirá da admissibilidade do recurso de constitucionalidade rejeitado pela decisão ora em reclamação.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ora interposto, apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (n.º 2 do mesmo artigo), pelo que, esgotando-se, como a lei exige, os meios impugnatórios ordinários admissíveis, ficam as decisões precedentes consumidas pela decisão definitiva e final proferida pela última instância de recurso que os apreciou, sendo desta última, que constitui a última palavra decisória da respetiva ordem jurisdicional, que deverá ser interposto o recurso de constitucionalidade.
Ora, o recurso de constitucionalidade cuja admissão a reclamante requer, no presente incidente, foi interposto da sentença do Tribunal de Trabalho de Leiria, que, em face do recurso de apelação dela interposto, perdeu autonomia, como sublinha o Ministério Público, não representando, pois, a última e definitiva decisão proferida na ordem jurisdicional em causa.
O recurso de constitucionalidade não pode, assim, por tal razão, ser admitido.
Acresce que, não tendo a reclamante, como, aliás, reconhece, suscitado nas alegações do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada, sempre careceria de legitimidade para interpor recurso de constitucionalidade do Acórdão do Tribunal da Relação que o julgou improcedente.
Com efeito, a regra é a de que a questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de proferida a decisão final da causa, pois que, com a sua prolação, se esgota o poder jurisdicional do Tribunal para aferir da constitucionalidade das normas aplicadas na decisão do litígio ou causa principal (artigos 70.º, n.º 1, e 72.º, n.º 2, da LTC).
Só assim não será, permitindo-se à parte que a invoque em incidente pós-decisório, quando a questão de inconstitucionalidade nele suscitada tenha precisamente por objeto normas diretamente conexas com o próprio incidente processual deduzido, caso em que o Tribunal, no âmbito da sua apreciação, pode e deve dela conhecer.
Ora, contrariamente ao que pretende a reclamante, não é o caso.
Com efeito, a norma do artigo 56.º do CPT, cuja inconstitucionalidade a reclamante pretende ver apreciada, foi aplicada pelo Tribunal da Relação na apreciação do objeto do recurso de apelação para si interposto (na parte em que se arguía a nulidade processual consubstanciada no facto de a ré não ter sido notificada para contestar a ação), não tendo, pois, qualquer relação com as normas processuais ao abrigo das quais a reclamante deduziu o invocado incidente pós-decisório, pelo que, relativamente àquela, não subsistem quaisquer dúvidas de que, com a prolação do Acórdão da Relação que julgou o mérito do recurso, se esgotou o poder jurisdicional do Tribunal para aferir da sua inconstitucionalidade.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 23 de Maio de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.