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Proc.º nº 574/98
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
1. F..., SA deduziu, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, oposição à execução que lhe foi instaurada pelo IROMA para cobrança da quantia de 1.244.002$00, respeitante a «taxa dos ruminantes e taxa de comercialização» correspondentes ao mês de Agosto de 1993.
Invocou, para tanto, a nulidade da certidão que servia de título à execução, «emitida ao abrigo do nº 2 do art. 1º do Decreto-Lei nº 235/88, de 5 de Julho, (...) por ser inconstitucional o diploma que lhe dá suporte legal», bem como a inexistência das taxas em causa, «por ter sido extinto o sujeito activo da relação jurídica tributária» (a Junta Nacional dos Produtos Pecuários), não podendo, em consequência, o artigo 13º do Decreto-Lei nº 15/87, de 9 de Dezembro, «alterar a incidência do imposto», ao atribuir aquela competência ao IROMA, pois tal corresponderia «à criação de um imposto novo», o que consubstanciaria violação do artigo 168º, nº 1, alínea i), e do artigo 106º, nº 2, da Constituição; invocou ainda a ilegalidade na liquidação, «pela aplicação das taxas não previstas nos diplomas invocados» (Decreto-Lei nº
240/82, de 22 de Junho, e Decreto-Lei nº 343/86, de 9 de Outubro).
Na sua contestação, elaborada pela entidade exequente (IROMA), o Representante da Fazenda Pública abordou a questão da eventual desconformidade das taxas em causa com a legislação comunitária, concluindo pela inexistência de qualquer incompatibilidade.
Por decisão de 31 de Outubro de 1995, a oposição foi julgada improcedente. Aí se entendeu, nomeadamente, que o que a opoente questionava não era a constitucionalidade formal dos Decretos-Leis nº 240/82 e 343/86, mas antes
«que o legislador pudesse, posteriormente e sem nova autorização legislativa, alterar o sujeito passivo do imposto, como veio a fazer o artº 13º do D.L. nº
15/87, ao transferir para o IROMA as referidas 'taxas' da JNPP», concluindo pela não verificação da pretendida inconstitucionalidade desta norma.
E, apesar de não suscitada pela opoente, apreciou essa decisão ainda a questão da conformidade das taxas em causa com a legislação comunitária referida pela exequente na contestação, concluindo que se não verificava qualquer violação do artigo 8º da Constituição.
2. Inconformada, a recorrente interpôs, então, recurso dessa sentença para o Supremo Tribunal Administrativo.
Nas suas alegações, a recorrente, entendendo que aquelas taxas em causa são verdadeiros impostos, e que «sendo os sujeitos – activo e passivo – elementos essenciais do imposto, pois só assim fica a saber-se quem recebe e quem paga, têm estes que ficar estabelecidos à partida (...) pelo órgão com competência constitucionalmente atribuída», e que «estamos perante uma inconstitucionalidade por violação dos princípios da autorização anual e da inscrição orçamental, consagrada no artigo 107º da Constituição», formula as seguintes conclusões:
(...) Tendo as 'taxas' de comercialização e dos ruminantes como sujeito activo a J.N.P.P. e sendo esta extinta por diploma do Governo, que em simultâneo criou o IROMA, não podia transferir para este a relação jurídica do imposto por não ter competência orgânica para tal.
(...) Face à Constituição de 1976 e posteriores revisões vigora entre nós o princípio da reserva de lei formal, segundo o qual os impostos devem ser criados através de diploma legislativo emanado da Assembleia da República ou com autorização sua (artºs 106º e 168º da CRP).
(...) Nos tributos em causa, sendo irrelevante que o legislador tenha apelidado as taxas, o executivo não estava autorizado e daí que nunca poderia, à luz dos preceitos constitucionais, criar ou substituir qualquer dos sujeitos – activo ou passivo dos impostos.
(...) Verifica-se assim ter havido clara violação, tanto do Direito Interno, designadamente dos artºs 106º, 168º, 8º, 277º e 293º da CRP, como do Direito Comunitário, nomeadamente o artº 33º da 6ª Directiva, artºs 9º e 12º do Tratado de Roma e ainda o artº 193º do acto de Adesão.
Por sua vez, a Fazenda Pública, nas suas contra-alegações, propugnou pela improcedência do recurso.
3. O Ministério Público requereu, entretanto, a suspensão da instância, porquanto fora ordenada, noutro processo daquele Supremo Tribunal, a interpelação do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a conformidade da liquidação das taxas de peste suína, de ruminantes e de comercialização com o direito comunitário, questão igual à que se colocava nos autos. Por acórdão de 9 de Outubro de 1996, o STA ordenou a suspensão da instância até que aquele Tribunal de Justiça se pronunciasse.
Após junção daquele aresto do Tribunal de Justiça das Comunidades, pronunciou-se o Ministério Público, no seu visto, pelo não provimento do recurso.
Pelo acórdão de 18 de Fevereiro de 1998, o STA negou provimento ao recurso. Aí se considerou que a matéria de «alteração do sujeito activo a favor de quem o imposto era cobrado» não cabe na reserva de lei relativa ao sistema fiscal, respeitando antes à liquidação e cobrança do imposto. Por outro lado, quanto à questão da falta de autorização anual e de inscrição orçamental, apesar de a considerar «uma questão nova que não foi apreciada na decisão recorrida
(...) dado não ter sido alegada como fundamento da oposição», entendeu que a mesma era de conhecimento oficioso, concluindo que a cobrança das taxas em causa
«durante esse ano foi autorizada, assim como foi efectuada a sua orçamentação», expressamente constante da Lei do Orçamento do Estado.
Por fim, concluiu ainda pela não ofensa dos preceitos comunitários em causa.
4. Novamente inconformada, veio a recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, «ao abrigo da alínea b) do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional», para apreciação da questão de inconstitucionalidade das seguintes normas: o «diplomas que criam as taxas dos ruminantes e de comercialização, ou seja, os D.L. nº 240/82, de 22 de Junho e 343/86, de 9 de Outubro, por violarem os arts. 106º, nº 2, 107º, 108º e 168º, nº 1 alínea i) da CRP. Os dois referidos Decretos-Lei violam ainda o art. 8º e o art. 277º da Constituição»; o «do art. 13º do D.L. nº 15/87, de 9 de Dezembro, que prevê que o IROMA se substitua à Junta Nacional dos Produtos Pecuários na cobrança das „taxas' referidas, por violar os arts. 106º e 168º, nº 1, al. i) da CRP»; o e ainda «do art. 1, nº 2 do D. L. nº 235/88, de 5 de Julho, por violação do art. 106º, 108º e 168º da Constituição».
5. Admitido o recurso, subiram os autos a este Tribunal, onde o relator lavrou decisão sumária do seguinte teor:
5. Quanto à primeira das questões, é manifesto que a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis invocados; como desde logo se referiu na decisão de 1ª instância, o que a recorrente questionou foi, isso sim, a questão da alteração do sujeito activo do imposto, o que não resulta dos diplomas referidos, mas antes do artigo 13º do Decreto-Lei nº 15/87. Ou seja, a recorrente entende que, com a extinção da JNPP se deveriam considerar extintos aqueles impostos ou taxas; isto, porquanto entende que ao transferir os créditos da JNPP para o IROMA se está a inovar em matéria fiscal, correspondendo a alteração do sujeito activo à criação de um novo imposto.
Por outro lado, nas suas alegações de recurso para o STA, a recorrente não identifica quaisquer normas dos referidos Decreto-Lei nº 240/82, de 22 de Junho, e Decreto-Lei nº 343/86, de 9 de Outubro, que repute de inconstitucionais, identificando tais diplomas, como um todo, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, pelo que se não verifica, quanto
às respectivas normas, o pressuposto deste tipo de recurso, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC: que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado norma ou normas jurídicas cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
6. Quanto à norma constante do artigo 13º do Decreto-Lei nº 15/87, de
9 de Dezembro, teve este Tribunal ocasião de se pronunciar, no sentido da sua não inconstitucionalidade, nomeadamente no Acórdão nº 419/96 (publicado em Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 1996) para cuja fundamentação se remete, na íntegra.
7. Finalmente, quanto à norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 235/88, admitindo que, quanto a esta, se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, a verdade é que também, desde o Acórdão nº 500/97
(publicado em Diário da República, II Série, de 12 de Janeiro de 1998), este Tribunal se vem pronunciando pela sua não inconstitucionalidade, jurisprudência que veio a ser confirmada em Plenário, pelo Acórdão nº 468/98, remetendo aí a sua fundamentação para o Acórdão nº 502/97 (ambos inéditos, de que se juntam cópias). É essa mesma jurisprudência que aqui se reitera.
Nestes termos, decido:
a) não tomar conhecimento do recurso quanto ao Decreto-Lei nº 240/82 e ao Decreto-Lei nº 343/86;
b) negar provimento ao recurso, quanto às restantes normas, confirmando-se a decisão recorrida no tocante ao nela decidido quanto à questão de inconstitucionalidade.
6. Desta decisão, reclamou a recorrente para a conferência, «nos termos do art. 78º-A da L.O.O.F.P.T.C.», sem aduzir qualquer fundamento.
A recorrida não apresentou qualquer resposta.
7. Nada há a acrescentar ao que na decisão sumária do relator se apresentou como sua motivação, já que a mesma se limita a seguir jurisprudência anterior deste Tribunal, que apenas cabe reiterar.
8. Nestes termos, decide-se confirmar a decisão sumária do relator, indeferindo-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte UC’s. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Luis Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa