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Proc. nº 144/98 TC - 1ª Secção Rel.: Artur Maurício Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - O Exmo Magistrado do Ministério Público do Departamento de Investigação e Acção Penal junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa interpôs recurso do despacho do Juiz do Tribunal de Turno do círculo judicial de Lisboa de fls. 8 e segs em que este magistrado se declarou incompetente para determinar a ulterior tramitação do processo, com fundamento na ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação dada ao nº 1 do artº 22º B do DL nº
214/88 na decisão do Presidente da Relação de Lisboa que estabeleceu a escala dos juízes a exercer funções no Tribunal de Turno do círculo judicial de Lisboa, e na inconstitucionalidade do nº 3 do artº 90º da Lei nº 38/87, na redacção dada pela Lei nº 44/96, de 3 de Setembro.
Nas suas alegações, o Ministério Público sustenta que o recurso deve ser julgado extinto por inutilidade superveniente, pois apesar da declaração de incompetência do Juiz que proferiu o despacho impugnado, com fundamento nas citadas inconstitucionalidades e ilegalidade, aquele mesmo magistrado acabou por intervir no processo, pelo que tal juízo positivo de inconstitucionalidade e ilegalidade não funcionou como ?ratio decidendi?.
Independentemente de vistos prévios (artº 707º nº 2 do CPC), cumpre decidir.
2 - O presente recurso foi interposto nos termos do artº 70º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro. A recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade e ilegalidade constituiu, assim, o pressuposto da interposição do recurso.
Ora, para que este pressuposto se verifique, necessário é que a alegada recusa de aplicação de norma tenha determinado o sentido da decisão recorrida, ou, como diz o recorrente, tenha funcionado como a razão de decidir.
Não é o caso, ou só o é na primeira aparência.
Na verdade, se a recusa de aplicação das normas citadas implicaria a incompetência do magistrado e a declaração de incompetência foi ?expressis verbis? proferida, certo é que aquele magistrado veio a intervir nos actos processuais cuja prática supunha a competência conferida pelas mesmas normas.
De facto, escalado o magistrado para prestar serviço no tribunal de turno do círculo judicial de Lisboa por força do aludido despacho do Presidente da Relação de Lisboa, ao abrigo das referidas normas, a ele competiria, no caso em apreço, interrogar o detido, proferir despacho sobre a validade da detenção e determinar as medidas coactivas apropriadas (artº 141º do Código de Processo Penal).
Pois, apesar da declaração de incompetência, o Juiz que proferiu o despacho impugnado veio, logo de seguida, a intervir em todos esses actos, ouvindo o detido, julgando válida a detenção e restituindo o arguido à liberdade sujeita a prestação de termo de identidade.
Isto significa, como bem assinala o próprio magistrado recorrente, que a recusa de aplicação das normas por ilegalidade e inconstitucionalidade não funcionou como razão de decidir.
E não funcionou, como não poderia funcionar, se cumprido fosse ? como terá sido, embora sem referência expressa ao preceito ? o artigo 33º nº 2 do CPP que obriga o tribunal, a despeito da declaração de incompetência, à prática dos actos urgentes.
A situação descrita obsta a que o Tribunal Constitucional tome conhecimento do recurso. Não por ocorrer causa que torne o recurso supervenientemente inútil, o que suporia a ocorrência de uma circunstância posterior à interposição do recurso que lhe fizesse perder utilidade - e não foi o caso, pois à data da interposição já o juiz ?a quo? procedera às mencionadas diligências - mas por não se verificar um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto no artº 70º nº 1 al. a) da Lei nº 28/82, ou seja - repete-se - que a recusa de aplicação de norma opere com directa incidência no sentido da decisão.
3 - Pelo exposto e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 6 de Maio de 1998 Artur Mauricio Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa