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Proc. nº 635/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, foi proferida exposição prévia, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, propugnando-se o não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de o recorrente não ter suscitado durante o processo a questão de constitucionalidade normativa.
O recorrente respondeu, sustentando que nas conclusões terceira e sexta das alegações apresentadas junto do Tribunal da Relação do Porto questionou a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 554º do Código de Processo Penal.
2. No entanto, e como resulta, aliás, da exposição de fls. 134 e ss., o recorrente, nas alegações de recurso, não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Com efeito, na conclusão terceira não se identifica qualquer norma jurídica, limitando-se o recorrente a analisar a utilização que o tribunal a quo fez do mecanismo processual depoimento de parte. Por outro lado, na conclusão Sexta o recorrente apenas afirma que a decisão recorrida violou vários preceitos, entre os quais o artigo 554º do Código de Processo Civil. Não questionou a conformidade à Constituição de qualquer norma.
Há, pois, que concluir que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa.
3. Em face do exposto, e pelas razões constantes da exposição de fls. 134 e ss., à qual os recorridos não responderam, e que em nada são abaladas pela resposta do recorrente de fls. 140 e 141, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs. Lisboa, 13 de Maio de 1998 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida
Exposição prévia ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. J... intentou no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira acção declarativa com processo sumário contra A... e C..., pedindo a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por incumprimento de um contrato ou, caso o contrato fosse declarado nulo, na restituição do valor correspondente aos serviços prestados.
O Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, por sentença de 22 de Novembro de 1996, julgou a acção improcedente, absolvendo, consequentemente, os réus do pedido.
2. J... interpôs recurso de apelação da sentença de 22 de Novembro de 1996 para o Tribunal da Relação do Porto.
O recorrente, nas alegações de recurso então apresentadas, sob o título 'Princípio constitucional da igualdade de armas', afirmou que a juíza
'deu uma dimensão normativa aos depoimentos
de parte que viola claramente os princípios constitucionais', acrescentando que se 'deve questionar a constitucionalidade da interpretação - a ratio decidendi - que a juíza deu ao mecanismo do depoimento parte'. A final, referiu que 'a produção de prova decorreu, pois, de uma forma substancialmente discriminatória para com o ora apelante, não respeitando, pois, o princípio jurídico-constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição, e violou também o princípio da igualdade de armas, que se retira do disposto no artigo 6º, parágrafo 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem'.
Nas conclusões, o recorrente afirmou o seguinte: '3. Se se considerar que o julgador se serviu do mecanismo processual do depoimento de uma das partes, no âmbito do seu poder de obter informações e esclarecimentos das partes para o apuramento da verdade, versando factos protagonizados por ambas as partes em litígio, deveria ouvir também a outra parte, atento os princípios constitucionais da igualdade e da igualdade de armas, pois caso contrário utiliza tal mecanismo processual numa dimensão normativa ferida de inconstitucionalidade, o que se argui para os devidos efeitos de anulação do julgamento da matéria de facto.'
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 13 de Outubro de
1997, julgou improcedente o recurso.
3. J... interpôs recurso de constitu-cionalidade do acórdão de 13 de Outubro de 1997, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 552º, 554º e 655º do Código de Processo Civil.
4. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
O Tribunal tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequada quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violada e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a uma actuação do juiz.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela
(cf., entre outros, o Acórdão nº 155/95, DR, II, de 20 de Junho de 1995).
É certo que, em determinados casos excepcionais, o Tribunal Constitucional tem dispensado o recorrente do cumprimento do ónus de suscitar durante o processo a questão de constitucionalidade normativa. São os casos de
'condenação surpresa', nos quais não existe oportunidade processual para cumprir tal ónus (cf. o citado Acórdão nº 155/95). Porém, o presente caso não consubstancia uma dessas situações, pois o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da decisão que fez aplicação das normas agora impugnadas (sentença do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira de 22 de Novembro de 1996, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Outubro de 1997).
5. Ora, no presente processo, o recorrente não identificou antes da prolação da decisão recorrida as normas cuja conformidade à Constituição questiona.
Com efeito, não basta afirmar, para que se possa considerar que uma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo, que o julgador utilizou um determinado mecanismo processual (no caso, o depoimento de parte) numa dimensão inconstitucional. É necessário que seja formulada uma questão com contornos claros e precisos de modo a permitir que o tribunal para o qual se recorre identifique tal questão e decida fundamentadamente sobre ela.
Por outro lado, a dimensão normativa não identificada pelo recorrente naquele momento processual, relacionada com o mecanismo processual do depoimento de parte, não foi fundamento da decisão recorrida: nem o próprio recorrente o afirma categoricamente, porque apenas admite como condição a aplicação dessa dimensão normativa (cf., a fls.
97, 'se se considerar que o julgador se serviu do mecanismo processual do depoimento de uma das partes ...'), nem resulta da análise da sentença recorrida que o tribunal tenha fundamentado em qualquer dimensão normativa do mecanismo processual do depoimento de parte a aplicação de direito realizada.
Finalmente, não imputando, como se referiu, qualquer conteúdo àquilo que considera ser uma dimensão normativa, o recorrente atribui, explicitamente, na conclusão das suas alegações, a inconstitucionalidade à própria decisão impugnada.
Constata-se, assim, que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa (cf. o citado Acórdão nº 155/95).
O recorrente só identificou as normas que considera inconstitucionais no requerimento do recurso de constituciona-lidade. Há, pois, que concluir que o recorrente não suscitou durante o processo a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada, pelo que o Tribunal Constitucional deverá decidir o presente recurso no sentido de não tomar conhecimento do seu objecto.
Ouçam-se recorrente e recorridos nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.