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Proc. nº 541/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. J... instaurou, junto do Tribunal do Trabalho de Viseu, acção declarativa contra MN... e M..., pedindo a condenação 'da ré' a pagar ao autor determinadas quantias.
O Tribunal do Trabalho de Viseu, por sentença de 2 de Fevereiro de
1998, considerou que a referência à ré na parte do pedido da petição inicial se ficou a dever a um manifesto lapso de escrita, uma vez que o autor pretendia a condenação dos réus, e julgou a acção improcedente em relação à ré M... e parcialmente procedente em relação ao réu MN...
Na petição inicial e na contestação não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
MN... arguiu a nulidade da sentença de 2 de Fevereiro de 1998, sustentando concomitantemente a inconstitucionalidade dos artigos 467º, nº 1, alínea d), e 668º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, e 333º, nº 1, e 393º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
O Tribunal do Trabalho de Viseu, por decisão de 4 de Março de 1998, indeferiu a arguição de nulidade.
2. MN... interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 467º, nº 1, alínea d), e 668º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, e 333º, nº 1, e 393º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
Por despacho de 12 de Março de 1998, o recurso não foi admitido, uma vez que a questão de constitucionalidade normativa não foi suscitada durante o processo.
3. MN... reclamou do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que só na arguição de nulidade é que teve oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade normativa.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da presente reclamação.
4. O reclamante pretende ver apreciada a conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 333º, nº 1, e 393º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
Relativamente à primeira norma, é claro que a mesma não foi aplicada nos presentes autos, uma vez que não esteve em momento algum em causa no presente processo a apreciação oficiosa da caducidade.
No que respeita ao segundo preceito, verifica-se que o mesmo também não foi aplicado pela decisão recorrida, uma vez que esta apenas deu como provado que vigorou entre o autor e o réu um contrato de trabalho e que a partir de 30 de Junho de 1996 o autor deixou de trabalhar para os réus, passando ele próprio a explorar o estabelecimento a partir de 1 de julho de 1996.
Não tendo sido aplicadas pela decisão recorrida tais normas, o recurso de constitucionalidade não podia ter sido admitido [cf. artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional].
5. Por outro lado, o reclamante pretende ver apreciada a conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 467º, nº 1, alínea d), e 668º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, uma vez que a decisão recorrida condenou o réu, quando o autor havia apenas pedido a condenação da ré.
Como se referiu, na decisão recorrida considerou-se que a referência no pedido apenas à ré ficou a dever-se a um mero lapso de escrita. O réu, na contestação, já havia invocado a excepção de ilegitimidade, uma vez que contra si não tinha sido, na sua perspectiva, formulada qualquer pretensão.
Ora, neste momento já se afigurava possível que o réu fosse considerado parte legítima na acção, pelo que devia ter sido aí suscitada a questão da inconstitucionalidade do fundamento normativo dessa decisão. Na verdade, sendo essa a questão de constitucionalidade normativa que o ora reclamante pretendeu delinear, tinha o ónus de a suscitar antes da prolação da decisão do Tribunal do Trabalho de Viseu, não se podendo falar de uma
?condenação surpresa?, pois o sentido decisório da sentença era já, no momento em que foi apresentada a contestação perfeitamente previsível. Não tendo suscitado a questão de constitucionalidade nesse momento, apenas o tendo feito na arguição de nulidade, há que concluir que falta o pressuposto processual do recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação de tal questão durante o processo (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95 ? D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
6. Porém, ainda que subsistam dúvidas relativamente à suscitação atempada da inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 668º, nº 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil, dir-se-á, de modo decisivo, que o recorrente não suscita nenhuma questão de constitucionalidade normativa minimamente consistente. Com efeito, o recorrente pretende configurar, de forma nitidamente artificiosa, aquilo que foi uma actividade legítima do tribunal
(correcção de um evidente lapso de escrita) como uma questão de constitucionalidade normativa.
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 8 UCs.
Lisboa, 23 de JUnho de 1998 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa