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Proc. nº 354/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. C..., advogado e professor do ensino secundário, apresentou queixa contra L..., magistrado judicial, a desempenhar funções na comarca do Sabugal. Efectuado o inquérito, o Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando--lhe a prática de um crime de injúrias qualificado. O queixoso, que se constituiu assistente, aderiu à acusação pública e formulou pedido de indemnização civil, no montante de 800 000$00. Foi proferido despacho de pronúncia. O demandado contestou o pedido cível, alegando ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. Nos termos da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, foi declarado extinto por amnistia o procedimento criminal, tendo o queixoso requerido o prosseguimento dos autos para efeitos civis, o que foi deferido. O Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo Dr. C..., condenando o demandado, Dr. L..., a pagar àquele, pelos danos causados, uma indemnização do montante de 600 000$00. L... pretendeu interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas o recurso não foi admitido por se entender que, nos termos do artigo 400º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recurso da decisão final proferida no processo de adesão só seria admissível se tal decisão fosse desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada da Relação, tribunal a que no caso incumbiu o julgamento em 1ª instância, em virtude de o arguido e demandado ter praticado os factos que estiveram na origem da condenação na qualidade de juiz. O demandado reclamou do despacho que não admitiu aquele recurso; a reclamação foi desatendida. Do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que desatendeu a reclamação foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que o recorrente L... fundou na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
II
2. O presente recurso tem como objecto a apreciação da norma do artigo
400º, nº 2 do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei nº 59/98, de
25 de Agosto), que, nas suas alegações, o recorrente considera violadora dos artigos 2º, 18º, nºs 1 e 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Dispõe o artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal que '[...] o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil é admissível desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido'. O representante do Ministério Público em funções no Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que 'não padece de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais, a norma constante do artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal, enquanto limita a admissibilidade do recurso da decisão proferida em processo de adesão – cujo objecto é uma pretensão indemnizatória de natureza civil, conexionada com o cometimento de um ilícito criminal – através da aplicação das regras decorrentes da articulação entre o valor da alçada do tribunal e o montante da sucumbência do demandado'.
3. A questão que constitui objecto do presente recurso foi já decidida por este Tribunal nos acórdãos nºs 201/94 e 548/94 (dos quais apenas o primeiro se encontra publicado, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol., p. 473 ss), onde se concluiu que a norma constante do artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal não se encontra ferida de inconstitucionalidade. Adere-se, no essencial, à fundamentação constante dos mencionados acórdãos – para os quais se remete – em que o Tribunal apreciou aquela norma sobretudo do ponto de vista da sua compatibilidade com o princípio da igualdade. O regime constante da norma do artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal não se apresenta desprovido de razoabilidade e justificação e, consequentemente, não é arbitrário.
Mas, no presente processo, importa também sublinhar que a solução consagrada na norma em apreciação tem subjacente a necessidade de harmonizar o regime do recurso aplicável à sentença que decide da indemnização civil fundada na prática de um acto ilícito de natureza penal com o sistema geral de recursos que vigora em matéria penal. A ideia de coerência inerente ao Estado de direito democrático justifica que a possibilidade de impugnação da decisão judicial proferida quanto à matéria cível relativa a pedido de indemnização formulado em processo penal obedeça aos mesmos graus de controlo a que está sujeita a própria decisão em matéria penal. Não existe neste regime de recurso qualquer restrição injustificada do direito de recorrer.
Pelas razões apontadas, a norma do artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei nº 59/98, de 25 de Agosto), tal como foi aplicada no despacho recorrido, não é contrária às exigências do Estado de direito democrático, não representa restrição do direito de acesso ao direito e aos tribunais, nem constitui violação das garantias de defesa do arguido. III
4. Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se assim o despacho recorrido.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Artur Maurício Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa