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Proc. nº 385/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. M... interpôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho da Caixa Geral de Aposentações, de 1 de Junho de 1995, que indeferiu o seu pedido de aposentação, por o requerente não possuir a nacionalidade portuguesa. Na resposta de fls. 42 e ss. e nas alegações de fls. 65 e ss. a Caixa Geral de Aposentações, entidade recorrida, sustentou a inconstituciona-lidade da norma contida no artigo 1º, nº
1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, quando interpretada no sentido de não exigir a nacionalidade portuguesa para a concessão da pensão de aposentação, por violação do disposto no artigo 13º da Constituição. Na peça processual referida em primeiro lugar, a recorrida afirmou ainda que, de acordo com o nº 2 do artigo 8º da Constituição, o Decreto-Lei nº 524-M/76, de 5 de Julho, mantém-se em vigor enquanto vincular o Estado português.
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O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença de 29 de Abril de 1996, julgou improcedente o recurso, confirmando, consequentemente, o acto recorrido. Nesse aresto, o tribunal interpretou a norma contida no artigo
1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, no sentido de ser aplicável apenas a cidadãos portugueses.
2. M... interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de 29 de Abril de 1996.
A Caixa Geral de Aposentações, nas contra-alegações, sustentou de novo a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, por violação do disposto nos artigos 13º e 15º, nº
2, da Constituição. A recorrida sustentou ainda que uma eventual decisão em sentido contrário do pretendido contenderia com o princípio constitucional consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º da Constituição.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 30 de Abril de
1997, concedeu provimento ao recurso, revogando, consequentemente, a sentença recorrida e anulando o acto contenciosamente impugnado.
Nesse aresto, o Supremo Tribunal Administrativo interpretou a norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, no sentido de não ser exigível a nacionalidade portuguesa para a atribuição de uma pensão de reforma.
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3. A Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 1997, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e i), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro.
No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
Por todo o exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade do art. 1º do Dec.-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que dele foi feita no douto acórdão do STA que antecede, por violação dos princípios e normas constitucionais que são os seguintes:
a) a excepção ao princípio da equiparação dos es-trangeiros e apátridas aos cidadãos portugueses, consagrada no nº 2 do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa;
b) o princípio da igualdade, consagrado no nº 2 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa;
c) o princípio constitucional segundo o qual o di-reito internacional convencional regularmente aprovado ou ratificado, vigora na ordem interna enquanto vincular o Estado Português, consagrado na parte final do nº 2 do art.
8º da Constituição da República Portuguesa.
Por seu turno, o recorrido contra-alegou, propugnando a conformidade
à Constituição da norma impugnada, invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 354/97 (D.R., II Série, de 18 de Junho de 1997).
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
4 II Fundamentação A Recurso interposto ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
5. O recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea i), da Lei do Tribunal Constitucional, cabe de decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional e de decisões que apliquem norma em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional sobre a compatibilidade de tal norma com uma convenção internacional.
Ora, o acórdão recorrido (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 1997) não recusou a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, assim como não fez aplicação de uma norma em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional sobre a compatibilidade dessa norma com uma convenção internacional.
Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, no aresto recorrido, fez aplicação da norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de
28 de Novembro, no sentido de não exigir a nacionalidade portuguesa para a concessão de pensão, revogando a sentença recorrida e anulando o despacho da Caixa Geral de Aposentações, de 1 de Junho de 1995, que indeferiu um
5 pedido de pensão de aposentação apresentado pelo recorrido. Não recusou a aplicação de qualquer norma, nem aplicou norma em sentido diferente do adoptado pelo Tribunal Constitucional.
Não sendo, assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Abril de 1997 uma decisão recorrível nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea i), da Lei do Tribunal Constitucional, há que concluir que o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento do objecto de tal recurso.
B Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
6. A recorrente sustenta que a norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, é inconsti-tucional, por violação do preceituado nos artigos 8º, nº 2, 13º, e 15º, nº 2, da Constituição.
Relativamente à violação do artigo 8º, nº 2, da Constituição, após a entrada em vigor da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, que inseriu a alínea i) no nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, superou-se a divergência entre a 1ª e a 2ª secções sobre a competência do Tribunal Constitucional (cf., entre outros, o Acórdão nº 122/98, inédito) para apreciar a conformidade ao direito internacional convencional de direito interno constante de acto legislativo, por se ter previsto expressamente os casos em que o Tribunal tem competência para
6 julgar tais questões (cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil,
1994, p. 324; e Guilherme da Fonseca, Breviário de Direito Processual Constitucional, 1997, pp. 61 e 62).
Com efeito, a actual redacção da Lei do Tribunal Constitucional estatui que a questão relacionada com a violação de uma convenção internacional por uma norma de direito interno é sindicável pelo Tribunal Constitucional em determinados casos a que se refere a alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, excluindo os casos a que se refere a alínea b) do mesmo artigo.
Ora, como se referiu, o caso dos autos não só não consubstancia uma dessas situações, como também estará subtraído à previsão da alínea b) do artigo
70º, por força de uma relação de alternatividade normativa entre as alíneas f) e b).
O Tribunal Constitucional não apreciará, portanto, a questão de inconstitucionalidade do artigo 1º, nº 1, do Decreto- -Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, por violação (indirecta) do artigo 8º, nº 2, da Constituição.
7. A recorrente sustenta, por outro lado, e como se disse, que a norma impugnada é inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 15º, nº 2, da Constituição.
Ora, o Tribunal Constitucional já apreciou tal questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, no Acórdão nº 354/97 (D.R., II Série, de 18 de Junho de 1997), o Tribunal Constitucional considerou que a solução normativa do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, se fundamentou em razões de
7 justiça, uma vez que se traduziu em 'abrir aos servidores da Administração Pública dos ex-territórios portugueses do ultramar que reuniam as condições para a aposentação, mas que, por força das circunstâncias em que ocorreu o processo de descolonização, se viram privados do direito à respectiva pensão e forçados a sair das suas terras e vir para Portugal, a possibilidade de a receber', colocando-os em 'situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou desse direito'.
Em consequência, o Tribunal Constitucional considerou que a norma impugnada não viola o disposto nos artigos 13º e 15º, nº 2, da Constituição.
Não invocando a recorrente argumentos que abalem as considerações do Acórdão nº 354/97, cumpre, neste momento, remeter para os seus fundamentos, concluindo que a norma contida no artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de
28 de Novembro, não viola o disposto nos artigos 13º e 15º da Constituição.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitu-cional;
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b) Não apreciar a questão relacionada com a pretensa inconstitucionalidade da norma impugnada, por violação do nº 2 do artigo 8º da Constituição;
c) Não julgar inconstitucional a norma contida no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro;
d) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequente-mente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 2 de Junho de 1998 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Artur Mauricio Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida