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Processo nº 1095/98
2ª Secção Relator Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1- A C..., S.A., veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (1ª Secção), de 20 de Outubro de 1998, que negou provimento ao recurso de agravo por ela interposto, em autos de execução sumária que move a J... e mulher M..., com os sinais identificadores dos autos e ora recorridos, relativamente ao 'despacho que determinou a sua sustação, nos termos do art. 871 do CPC, por existir em processo de execução fiscal penhora anterior inscrita a favor da Fazenda Nacional'. O acórdão recorrido, depois de enunciar que são duas as questões a resolver (' uma é a de saber se após a penhora, se pode sustar uma execução comum para que o crédito exequente possa ser reclamado em execução fiscal, onde a penhora registada sobre o mesmo bem é mais antiga' e 'a outra é averiguar se, na hipótese afirmativa, a interpretação do art. 871 do CPC viola o disposto nos arts. 62 nº 1 e 18 da CRP'), pronunciou-se nestes termos quanto à matéria '5-Da Inconstitucionalidade':
'Diz a recorrente que, confirmada a penhora das repartições de finanças, o credor respectivo (em regra o Estado) deverá ser tratado, em termos processuais, como qualquer outro, devendo cumprir-se em relação a ele o disposto no art. 864 nº1 do CPC, citando-o para reclamar seu crédito. Doutra maneira e a ter-se por correcta a decisão ora recorrida, a solução seria manifestamente violadora do disposto no art. 62 nº 1 da Constituição da República, no que concerne ao direito do credor à satisfação do seu crédito, bem como do seu art. 18, no que concerne ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso. Já vimos que assim não deve ser. Faz-se notar, mais uma vez, que a aplicação do art. 871 do CPC na execução fiscal em nada alterava a situação dos credores particulares. Com efeito, estes só seriam pagos, como sempre, com o remanescente dos bens penhorados e depois de se ter dado pagamento aos privilegiados créditos fiscais. Haveria apenas uma diferença: os créditos fiscais teriam de ser reclamados na execução comum. A não aplicação do art. 871 do CPC na execução comum implicava que esta prosseguisse mas, como naquela, o Estado e entidades equiparadas que reclamassem os seus réditos seriam pagos, em regra, preferencialmente aos credores particulares. Pelo menos era o que ocorreria neste processo. Deste modo a exequente não corre qualquer risco desproporcionado de ver frustrada satisfação do seu crédito, pois em nada é afectado o sistema concursal previsto na lei processual civil e na lei processual tributária Deixa-se mencionado, a finalizar, que a orientação deste STJ tem sido no sentido da do presente Acórdão - ver Acs. de 31/3/1998, Proc. nº 280/98 e de 28/4/1998, Proc. nº 52/97, ambos da 1ª Secção'.
2- Nas suas alegações, conclui assim a C... recorrente:
'A) Até à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 300º nº 1 do CProcTrib não era possível questionar a aplicação do artigo
871º nos casos em que se confrontasse uma penhora cível posterior a uma penhora fiscal; B) Sendo certo que este preceito não é de aplicação à tramitação fiscal, como resulta do n.º 2 do art. 3OOº e o entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão citado; C) O que desde logo permite aferir da sua «inadequação» , ao processo tributário; D) A aplicação do regime do artigo 871º aos casos em que a penhora fiscal anteceda uma cível só é desvantajosa para o «credor cível» que ficará sujeito às vicissitudes da execução fiscal, as quais se podem traduzir no caso concreto em inércia processual ou acordo de pagamento da dívida exequenda em prestações; E) A sujeição atrás indicado é lesiva dos direitos patrimoniais dos credores, derivando daí a inconstitucionalidade por violação dos princípios da propriedade privada (art. 62º) e da proporcionalidade (art. 18º) consagrados na Constituição da República Portuguesa; F) Mesmo que não seja a inércia processual a impedir a satisfação dos créditos e sim os planos de pagamentos (no mínimo de 5 anos) ao abrigo da lei, também não há qualquer critério de razoabilidade para obrigar os credores a aguardar pelo decurso de prazos tão longos, sem possibilidade de constranger os executados a chegarem a um acordo de pagamentos; G) E quanto a inércia processual, encontram-se ainda os credores maniatados por força do art. 317º do CProcTrib para obstar aos efeitos nefastos decorrentes da aplicação do artigo 871º; H) Aliás, o sistema que resulta da aplicação do artigo 871º é exactamente o de permitir aos executados acordarem com o Estado um plano de pagamentos de modo a ficarem com o seu património a cobro da venda por parte dos demais credores nas respectivas execuções; I) O que defrauda as expectativas de execução célere e eficaz previstas pela lei processual; J) Pelo que cabalmente se demonstra a manifesta e excessiva desproporção entre a tutela conferida aos interesses do credor Estado e as limitações impostas aos demais credores, o que consubstancia a inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade; K) Acresce que ainda se poderá afirmar que a limitação derivada da aplicação do artigo 871º aos casos em questão não é necessária para a defesa dos interesses patrimoniais do Estado, visto que o artigo 864º/ 1 c) do CProcCiv determina a citação dos representantes da Fazenda Nacional para reclamar créditos na execução cível com penhora posterior; L) Donde o princípio da proporcionalidade ser violado na sua vertente do princípio da exigibilidade; M) A não aplicação do artigo 871º às situações em que a penhora fiscal é anterior acarreta ainda a vantagem de motivar os executados a chegarem a acordo não só com o Estado mas também com os demais credores; N) Pelo que a aplicação do artigo 87Iº no processo de execução movido pela C..., com a sustação desta por causa na penhora fiscal anterior, violou os artigos 62º nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa'.
3- Os executados e ora recorridos não têm advogado constituído nos autos e, por isso, não foram notificados para apresentar contra-alegações.
4- Vistos os autos, cumpre decidir. A questão aqui posta não pode considerar-se nova, pois foi já objecto de discussão e decisão, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 51/99, relativamente à mesma norma do artigo 871º, e sendo igualmente recorrente a C..., S.A. Aí se decidiu que 'o artigo871º, nº 1, do Código de Processo Civil na interpretação dada pelo acórdão recorrido, não viola os artigos 62º, nº 1 da Constituição e 18º nº 2 da CRP', e por consequência, foi negado provimento ao recurso.
E também no acórdão nº 283/99, em que era igualmente recorrente a mesma C..., se entendeu que o 'artigo 871º, nº 1, do Código de Processo Civil, interpretado por forma a que deva ser sustada a execução em que se penhoram bens já anteriormente penhorados numa execução fiscal, não é, assim, inconstitucional'. Concordando com a fundamentação desses acórdãos e para ela remetendo, não se impõem outras e melhores considerações e, deste modo, há que repetir o mesmo juízo de não inconstitucionalidade da norma questionada do artigo 871º, do Código de Processo Civil.
5- Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta Lisboa, 18 de Maio de 1999 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida