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Processo nº 157/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. H..., com os sinais identificadores dos autos, veio apresentar reclamação perante este Tribunal Constitucional, ?nos termos do artº
77º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, do despacho de 12 de Fevereiro de 1998, do Conselheiro relator dos presentes autos de recurso de agravo pendentes no Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do mesmo Supremo, de 23 de Setembro de 1997, que decidiu ?negar provimento ao agravo?.
No desenvolvido e prolixo requerimento da reclamação, em que a reclamante termina a formular 25 longas conclusões, são duas as áreas temáticas abordadas (?I ? O douto Acórdão violou a lei ordinária e constitucional? e ?II ? Decisões que cabem recurso para o Tribunal Constitucional?) e delas podem extrair-se, em síntese, e com relevância para o caso, as seguintes linhas de força:
?No caso sub judice , a decisão recorrida decidiu que a Apelante era apenas arrendatária da cave e tinha o direito de acesso a ela, a pé, enquanto a acção de restituição de posse, transitada em julgado, tinha decidido que ela era arrendatária da cave e garagem e tinha acesso a elas, a pé e de carro?.
?Logo, o Acórdão recorrido vem contradizer o decidido na acção de restituição de posse, já transitada em julgado, violando os artºs 497º e 498º do Cód. Proc. Civil e nº 2 do artº 205º da Constituição da República)?.
?Provado que ficou que o Acórdão recorrido veio contradizer na integra o Acórdão da Relação, transitado em julgado, violando os artigos 497º e
498º do Cód. Proc. Civil e artigos 13º, nº 2 do artº 205º da Constituição Portuguesa, será que é admissível o recurso, face ao artº 70º da Lei 28/82??.
A resposta a tal interrogação é dada, invocando-se a alínea c), do nº
1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, por via da afirmação de que não deve
?suscitar dúvidas que o douto Acórdão recorrido se recusou, mesmo que implicitamente, a aplicar a excepção do caso julgado, apesar de insistentemente a Apelante alegar que a sua não aplicação violaria a referida lei ordinária e constitucional?.
?Logo, a presente reclamação deverá ser atendida quer se entenda que o caso sub judice está contido na letra ou no espírito da alínea c) do artº 70º, como nós entendemos, ou porque esta norma se lhe aplicou, por se tratar de uma situação análogo às aí previstas?.
2. No seu Parecer, o Ministério Público pronunciou-se pela manifesta ?improcedência da presente reclamação, já que se não mostram preenchidos os pressupostos de nenhum tipo de recurso previsto no artº 70º da Lei nº 28/82. Na verdade, é ? desde logo ? inintilegível a fundamentação do recurso interposto na alínea c) do nº 1 daquele preceito, face à própria argumentação confusamente expendida pela recorrente. Mas, de modo idêntico, não se verificam os pressupostos dos recursos previstos nas alíneas a) e b) do mesmo artigo: na verdade, a decisão recorrida não recusou aplicar, ?com fundamento em inconstitucionalidade? qualquer preceito legal; e não se mostra suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que possa servir de suporte ao recurso de fiscalização concreta interposto, limitando-se o recorrente a imputar directamente à decisão recorrida as pretensas inconstitucionalidades?.
3. Vistos os autos, cumpre decidir.
Confrontada com o acórdão recorrido de 23 de Setembro de
1997, que conheceu da única ?questão a que se restringe o objecto do agravo? ?
?a ofensa do caso julgado formado pela decisão final transitada da acção possessória identificada? - e entendeu que é ?patente que, numa e noutra causa, o efeito jurídico que se pretende obter não é o mesmo, razão porque, e face ao disposto no artigo 498º, nº 3, não há identidade de pedido nas duas acções?, assim se decidindo ?negar provimento ao agravo?, veio a reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ?com fundamento na violação dos artigos
208º e 13º da Constituição da República Portuguesa e alínea b) do artº 668º do Cód. Proc. Civil?, e dizendo a seguir o que se transcreve:
?O recurso fundamenta-se na alínea c) do artº 70º e na
2ª parte do artº 79º-C da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com as alterações que ela sofreu, nomeadamente a Lei 85/89.
Na verdade, a recusa em aplicar à presente acção a norma legal da excepção de caso julgado (alínea a) do artº 496º do Cód. Proc. Civil), conforme foi pedido pelo Apelante, teve como consequência que se violasse o preceituado no nº 2 do artº 208º, actual 205º, da Constituição da República Portuguesa.
E, conforme se referiu no recurso interposto para o Tribunal Constitucional a fls. , violou-se também o nº 1 do citado preceito constitucional.
Face ao exposto, considera-se que o douto Acórdão recorrido violou a alínea a) do artº 496º e alínea b) do Artº 668º ambos do antigo Cód. Proc. Civil) e nº 1 e 2 do artº 208º, actual 205º da Constituição da República Portuguesa e artº 13º deste mesmo diploma,
E todos esses preceitos legais foram invocados nos autos; o artº 496º na contestação e constituiu fundamento de todos os recursos incluindo o do Tribunal a quo, o artº 13º nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o artº 208º, actual 205º, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e o artº 668º na reforma da sentença também para este Tribunal.
E é sobre estas ilegalidades e inconstitucionalidades que se pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie?.
Este recurso não foi admitido no despacho reclamado, por se entender que, fundado na dita alínea c), do nº 1, do artigo 70º, no acórdão recorrido ?não foi recusada a aplicação de qualquer norma com um tal fundamento?.
E assim é, com efeito.
A citada alínea c) contempla os casos de recusa de
?aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado?, o que significa, no plano da (i)legalidade (que não da (in)constitucionalidade), uma colisão de normas legislativas, sendo que umas constam de diploma ?com valor reforçado? e é por causa de ofensa destas que se apura a ilegalidade.
Ora, e desde logo, não identifica a recorrente essa tal
?lei com valor reforçado?, nem esta se mostra localizável; por outro lado, a referência a normas do Código de Processo Civil, que a recorrente entende terem sido violadas, não vale como ?violação de lei com valor reforçado?, pois aquele Código não pode caracterizar-se como um diploma desse tipo (o Código sempre derivou de exercício de funções legislativas do Governo, com ou sem autorização parlamentar, por via de decretos-leis, e com valor reforçado são só as leis provindas da Assembleia da República, à partida, as leis orgânicas e as que estão hoje previstas no artigo 112º, nº 3, da Constituição, na revisão de 1997).
Acresce que nem mesmo há in casu uma recusa de aplicação de norma jurídica, pois no acórdão recorrido, delimitado o conhecimento do recurso de agravo à matéria da ?ofensa de caso julgado?, ponderou-se que, ?sendo indubitável a identidade quanto aos sujeitos nas duas acções, a acção possessória identificada e a acção dos autos?, o certo é que, ?numa e noutra causa, o efeito jurídico que se pretende obter não é o mesmo, razão porque, e face ao disposto no artigo 498º, nº 3, não há identidade de pedido nas duas acções?. Ora, isto não é nenhuma recusa de aplicação de norma jurídica, nomeadamente a do artigo 496º, a), do Código de Processo Civil, antes, e só, a constatação da falta de um requisito ? a falta ?de identidade de pedido nas duas acções? -, que a lei exige para se poder falar em repetição de causas (e quando a reclamante refere e insiste que ?o douto o douto Acórdão recorrido se recusou, mesmo que implicitamente, a aplicar a excepção do caso julgado?, tal recusa não
é uma recusa de aplicação de norma jurídica).
Tanto basta para se impor a conclusão do indeferimento da presente reclamação, não merecendo censura o despacho reclamado.
E não é caso de ajuizar se se verificam ou não as hipóteses de recurso de constitucionalidade alinhadas nas alíneas a) e b), do nº
1, do mesmo artigo 70º, tal como faz o Ministério Público, no seu Parecer, porque sempre e de modo claro a reclamante fundou o recurso em causa na citada alínea c) ? ?na letra ou no espírito da alínea c) do artº 70º?, como ela própria diz ? e só dessa hipótese há que tratar, como se tratou.
4. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 10 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Junho de 1998 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa