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Processo nº 620/97 Plenário/Eleitoral Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.- A., mandatário da lista de candidatos à Assembleia Municipal da Covilhã pelo PPD/PSD - Partido Social Democrata, reclamou da admissão da lista de candidatos ao mesmo órgão autárquico apresentada pelo Partido Popular, CDS-PP, por entender que este partido político, ao entregar a lista referida em 21 de Outubro último, o fez intempestivamente, com violação do disposto no nº 1 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro.
Com efeito, observa, sendo certo que as listas de candidatos hão-de ser apresentadas entre o 80º e o 55º dias anteriores ao dia da eleição, de harmonia com esse preceito o último dia para o efeito foi o dia 20, irrelevando ser feriado municipal na Covilhã.
De resto, segundo alega o reclamante, o tribunal judicial esteve a funcionar nessa data, como decorre do facto de ter sido nesse dia 20 que apresentou as listas de candidatos do partido político de que é mandatário, assumindo-se como violador do artigo 13º da Constituição da República um entendimento que aceite a lista sob reclamação, na medida em que permite um tratamento mais favorável a um partido político em detrimento dos restantes.
Ouvido, o mandatário da lista do CDS-PP veio defender a tempestividade da apresentação das respectivas listas, considerando terem as mesmas sido apresentadas no primeiro dia útil subsequente àquele em que o tribunal esteve encerrado, em consonância com o disposto no nº 2 do artigo
144º do Código de Processo Civil.
A reclamação foi decidida no sentido da sua improcedência, admitindo-se a lista apresentada pelo CDS-PP, que se teve por tempestiva, simultaneamente se condenando o PPD/PSD como litigante de má fé na multa de 120.000$00 (cento e vinte mil escudos).
Para atingir este desiderato, a Senhora Juíza, após instrução dos autos, tendo como assente que o dia 20 é feriado municipal no concelho da Covilhã, concluiu que nesse dia o Tribunal comarcão esteve encerrado ao público, com o serviço urgente assegurado pelo tribunal judicial da comarca do Fundão.
Assim sendo, observa a certo passo, não era possível entregar as listas em causa no referido dia, não configurando qualquer prejuízo para nenhuma das forças concorrentes a apresentação de candidaturas feita a 21, uma vez que, transferido o termo do prazo para o dia imediato, de acordo com o disposto, conjugadamente, no nº 2 do artigo 144º do CPC e nos artigos 17º, nº 1, 149º e 149º-A do Decreto-Lei nº 701-B/76, não houve 'tratamento mais favorável para ninguém, pois todos os partidos, neste concelho, teriam e tiveram o mesmo prazo para o referido efeito'.
De resto, a própria lista do PPD/PSD foi entregue no dia 20, é certo, mas só recebida no dia imediato, como consta do respectivo carimbo aposto na secretaria judicial, não relevando que essa entrega tenha sido feita a quem se encontrava no interior das instalações do tribunal, após se ter chamado a atenção 'abanando ou tentando forçar' as portas do edifício.
A actuação do mandatário do PPD/PSD afigurou-se, ainda, àquela magistrada, como subsumível a um quadro de litigância de má fé, seja pelas 'afirmações menos verdadeiras' que na reclamação se fazem - como afirmar-se que o tribunal esteve a funcionar no dia 20 - seja 'por tudo o que está por detrás de tal reclamação' - com expressão, nomeadamente, na estratégia seguida para ser atendido no tribunal com este encerrado ao público.
2.- O mandatário das listas do PPD/PSD interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do assim decidido, nos termos do nº 1 do artigo
25º do Decreto-Lei nº 701-B/76.
Inconformado, pede não só que não seja admitida a lista de candidatura apresentada pelo CDS-PP à Assembleia Municipal da Covilhã, como se anule a condenação em multa do PPD/PSD como litigante de má fé.
Na argumentação expendida, reitera, em síntese, ter expirado em 20 o prazo para apresentação de candidaturas, prazo esse peremptório, que não permite observar o disposto no artigo 145º do Código de Processo Civil, dada a expressa estipulação do disposto no citado nº 1 do artigo
17º da 'Lei Eleitoral'.
Respondeu, ainda, o representante do partido político reclamado, que se pronunciou pela manutenção integral da decisão recorrida, quer no tocante à admissão das listas de candidatura do CDS-PP, quer no que respeita à condenação por litigância de má fé.
II
1.- O recurso foi apresentado em tempo por quem para o efeito tem legitimidade, nada obstando ao conhecimento do seu objecto.
Decidindo.
2.1.- As listas de candidatos para a eleição dos órgãos representativos das autarquias locais - diz-nos o nº 1 do artigo 17º do Decreto-Lei nº
701-B/76 - são apresentadas perante o juiz do tribunal de comarca com jurisdição na sede do município 'entre o 80º e o 55º dias anteriores ao dia da eleição'.
Designado como dia para as eleições autárquicas o dia 14 de Dezembro de 1997 (cfr. artigo único do Decreto nº 51/97, de 25 de Setembro) o prazo para apresentação de candidaturas terminou no dia 20 de Outubro, nos termos daquele preceito.
Ora, considerando que esse dia 20 foi feriado municipal na Covilhã, é tempestiva a apresentação de listas feita no dia 21, como primeiro dia útil seguinte - ou seja no 54º dia anterior ao das eleições?
A Senhora Juíza decidiu afirmativamente, como se registou sumariamente, apoiando-se na disposição da lei processual civil, subsidiariamente aplicável, que transfere o termo do prazo para a prática de actos processuais para o primeiro dia útil seguinte, no caso de terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados (nº 2 do artigo 144º do CPC, na actual redacção).
2.2.- No processo eleitoral, com expressão mais significativa no chamado contencioso de apresentação de candidaturas, orientado para a consumação de um acto eleitoral previamente datado, a calendarização das diversas fases tem de ser respeitada, sob pena de se pôr em causa o próprio acto.
Por isso, na jurisprudência do Tribunal Constitucional cuida-se que o processo eleitoral seja depurado de incidentes e decisões extemporâneos, não moldados de acordo com o princípio da aquisição progressiva dos actos, por forma que, como já se ponderou, os diversos estágios do iter processual, 'uma vez consumados e não contestados no tempo útil para tal concedido, não possam ulteriormente, quando já se percorre uma etapa diversa
[...] vir a ser impugnados' (cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 322/85 e 731/93, publicados no Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 1986 e 14 de Março de 1994, respectivamente). É neste enfoque que deve ser compreendida a jurisprudência existente relativa ao suprimento de irregularidades processuais, não distinguindo entre irregularidades essenciais e não essenciais, e é também nessa perspectiva que se deve compreender a economia de urgência a implicar decisões sem delonga, 'uma vez que o seu protelamento implicaria, com toda a probabilidade, a perturbação do processamento dos actos eleitorais, todos estes sujeitos a prazos improrrogáveis', para seguir uma passagem argumentativa do acórdão nº 585/89, citado pelo recorrente (publicado no jornal oficial referido, II Série, de 27 de Março de 1990).
2.3.- O prazo previsto no nº 1 do artigo 17º do Decreto-Lei nº
701-B/76, determina que a apresentação de candidaturas tenha lugar entre duas datas (o 80º e o 55º dias anteriores ao do acto eleitoral), assim disciplinando o tempo imposto para que se exerça o direito relativo a essa apresentação, com que se iniciará o respectivo processo eleitoral.
A decisão fez apelo, por via do artigo 149º-A da
'Lei Eleitoral' ao nº 2 do artigo 144º do Código de Processo Civil nos termos do qual 'quando o prazo para a prática de acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia
útil seguinte' (redacção actual).
A esta luz, a apresentação das listas sob reclamação foi atempada.
E não se diga haver incompatibilidade com o regime do Decreto-Lei nº 701-B/76 e a sua estrutura compartimentada e calendarizada: ao prever, no seu artigo 149º-A, a utilização subsidiária da lei processual civil, com excepção do disposto nos actuais nºs. 5 e 6 do artigo 145º do respectivo Código, o legislador assumiu aqui uma dada medida de flexibilização do rigor procedimental que o princípio da aquisição progressiva dos actos e o fim do processo eleitoral comportam.
A situação é, por sua vez, distinta da existente quanto à apresentação de candidaturas para a Assembleia da República, que daria origem a um assento do Supremo Tribunal de Justiça (de 14 de Janeiro de 1982, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 313, págs. 159 e segs.): é que, como decorre do artigo 21º da Lei nº 14/79, de 6 de Maio, as candidaturas só poderão ter lugar se os partidos políticos, isoladamente ou em coligação, interessados em as apresentar, estiverem registados até ao início de prazo de apresentação, dies a quo intocável na doutrina desse assento, que é, obviamente, ininvocável nestes autos.
2.4.- Tão pouco se fale em violação do princípio da igualdade, com assento no artigo 13º da Constituição da República.
Com efeito, não tem cabimento a sua invocação quando, como é o caso, se está perante um regime legal igualmente observável por todos quantos têm legitimidade para a apresentação de candidaturas, sejam
órgãos dos partidos políticos estatutariamente competentes ou seus delegados, por eles designados, sejam grupos de cidadãos eleitores, nos casos em que a lei os admite.
3.- Está em causa, ainda, a condenação do recorrente como litigante de má fé.
Como se observou já neste Tribunal, a má fé representa uma modalidade de dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo (cfr. acórdão nº 440/94, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Setembro de 1994, na esteira de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, pág. 341), o que acontece quando, nomeadamente, se utilizam meios processuais com fim diverso daquele para que a lei os prevê ou se atenta conscientemente contra a verdade, por acção ou omissão (cfr. acórdão nº 103/95, publicado no citado Diário, II Série, de 17 de Junho de 1995).
Não se recorta, no entanto, com a meridiana clareza que um juízo de censura exije, que o recorrente tenha perfilhado, na sua actuação processual, meios abusivos e enganadores para, desse modo, obstar à participação eleitoral de uma lista concorrente.
Não se acompanha, nesta parte, a decisão recorrida.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) negar provimento ao recurso, no que respeita à apresentação da lista de candidatos à Assembleia Municipal da Covilhã, por parte do Partido Popular, CDS-PP, que, assim, se admite;
b) conceder provimento ao recurso no que respeita
à condenação por litigância de má fé, que se dá sem efeito.
Lisboa, 26 de Novembro de 1997 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Maria Fernanda Palma Bravo Serra (com a declaração de que, em processos do Juz do ora em apreciação, tenho dúvidas que possa, sem mais, que defensável a aplicação, dos normativos que prescrevem a condenação por litigância de má fé a mandatário ou a forças concorrentes às eleições dos órgãos autárquicos Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à do Exmº Conselheiro Bravo Serra)