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Proc. nº 719/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam, em sessão plenária no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. e B., candidatos da lista da Coligação Democrática Unitária (C.D.U.), nas eleições autárquicas de 14 de Dezembro de 1997, à Câmara Municipal de Loures e à Assembleia de Freguesia da Póvoa de Santo Adrião
(Concelho de Loures), respectivamente, interpuseram o presente recurso, mediante requerimento entrado neste Tribunal no dia 19 de Dezembro de 1997, pelas 13 horas e 17 minutos.
Tal recurso (interposto ao abrigo do artigo 102º-B, da Lei do Tribunal Constitucional, mas devolvido pelo Secretário de Apuramento Geral aos recorrentes, tendo em atenção o disposto no artigo 104º, nº 1, do Decreto-Lei nº
701-B/76) vem da deliberação da Assembleia de Apuramento de voto, de 18 de Dezembro de 1997 publicitada por edital afixado na mesma data nos Paços do Município do Concelho de Loures. Nessa deliberação, constante de despacho ditado pela Presidente da Assembleia de Apuramento de voto decidiu-se não dar início aos trabalhos de apuramento geral devido à circunstância de em cinco das cinquenta e nove secções de voto da Freguesia de Odivelas se não ter exercido o direito de voto na eleição da respectiva Assembleia.
2. Em síntese, os recorrentes alegam que a Presidente da Assembleia de Apuramento Geral não procedeu à realização da Assembleia de Apuramento Geral, quando a ela devia ter procedido, por força do disposto nos artigos 94º e seguintes do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais). Entendem, para tanto, que a circunstância de faltarem, alegadamente, elementos respeitantes a cinco secções de voto da Freguesia de Odivelas, onde não terá ocorrido a eleição da respectiva Assembleia, não constitui razão bastante para não se iniciar o apuramento com base nos elementos existentes, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 96º do já citado Decreto-Lei nº 701-B/76.
Consequentemente, os recorrentes pedem a revogação do despacho impugnado, que reputam de ilegal, e a convocação e a realização imediata da Assembleia de Apuramento Geral das eleições dos órgãos das autarquias locais do Concelho de Loures.
3. Os recorrentes instruíram o seu requerimento de recurso com os seguintes documentos:
a - Fotocópia do edital que designou os membros da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Loures;
b - Fotocópia do edital pelo qual a Presidente da Assembleia de Apuramento Geral do Município de Loures tornou pública a afixação da acta relativa aos trabalhos daquela Assembleia;
c - Fotocópia da acta da eleição dos órgãos das autarquias locais do Município de Loures. II Fundamentos
4. O recurso vem interposto de uma decisão proferida sobre um protesto apresentado, entre outros, pelos ora recorrentes, na Assembleia de Apuramento Geral. No âmbito de tal protesto, os recorrentes sustentaram que a invocada não existência de elementos relativos a cinco secções de voto da Freguesia de Odivelas para a eleição da respectiva Assembleia de Freguesia não constituiria fundamento para impedir o início e o prosseguimento dos trabalhos de apuramento geral, por força do artigo 96º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76. Deste modo, os recorrentes possuem legitimidade para recorrer da decisão a quo, ao abrigo do artigo 103º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76.
Por outro lado, a petição de recurso especifica os respectivos fundamentos de facto e de direito e vem acompanhada dos necessários elementos de prova, dando cumprimento ao estabelecido no artigo 103º, nº 3, do Decreto-Lei nº
701-B/76.
Finalmente, o recurso é tempestivo, uma vez que foi observado o prazo de 48 horas a contar da afixação do edital que tornou pública a acta da Assembleia de Apuramento Geral, prazo esse prescrito no artigo 104º, nº 1, do Decreto-Lei nº 701-B/76.
Assim sendo, há-de ter-se por irrelevante a circunstância de o recurso ter sido interposto sob invocação do artigo 102º-B, da Lei do Tribunal Constitucional.
5. A deliberação recorrida (impropriamente designada como despacho pela Presidente da Assembleia de Apuramento Geral) concluiu que não haveria qualquer utilidade em se dar início aos trabalhos de apuramento por duas razões:
a) O artigo 96º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76 determina a designação de nova reunião, no prazo de 48 horas, para conclusão dos trabalhos, ordenando que se tomem entretanto as providências necessárias para que a falta de elementos seja reparada - ora, tal falta não poderia ser reparada dentro desse prazo, uma vez que não se encontrava designado novo dia para a votação;
b) A eventual apreciação pelo Tribunal Constitucional das reclamações poderia pôr em causa as decisões divergentes tomadas pelas secções de voto da Freguesia de Odivelas - cinquenta e quatro optaram pela prossecução do acto eleitoral e cinco permitiram que apenas se realizassem votações para a Câmara e Assembleia Municipais.
Por outra parte, a Presidente da Assembleia de Apuramento Geral sustenta que se terá de recorrer ao artigo 77º, nº 1, do Decreto-Lei nº
701-B/76, conquanto tal preceito se não aplique directamente à situação em apreço, por ele ser o único a referir-se aos casos de ausência de votação. E pronuncia-se, por último, pela suspensão da Assembleia de Apuramento Geral, que, alegadamente, se deverá reunir no dia seguinte ao da nova votação ou ao do reconhecimento da impossibilidade de votação, nos termos do artigo 96º, nº 3, do Decreto-Lei nº 701-B/76.
6. Nenhum dos argumentos invocados no despacho a quo é, todavia, procedente e a decisão de não iniciar o apuramento geral viola, efectivamente, as normas contidas no artigo 96º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº
701-B/76.
Com efeito, os preceitos legais citados analisam-se, rigorosamente, em várias normas:
a) Na primeira parte do artigo 96º, nº 2, determina-se o início do apuramento com base nos elementos existentes;
b) Na segunda parte do artigo 96º, nº 2, estabelece-se que o presidente designará nova reunião dentro das 48 horas seguintes;
c) Na terceira e última parte do artigo 96º, nº 2, estipula-se que o presidente tomará, entretanto, as providências necessárias para que a falta de elementos seja reparada;
d) No artigo 96º, nº 3, prevê-se que, em caso de adiamento ou declaração de nulidade da votação, a Assembleia de apuramento geral reunirá no dia seguinte ao da votação ou ao do reconhecimento da impossibilidade para completar as operações de apuramento do círculo.
Ora, tanto o nº 2, como o nº 3 do artigo 96º do Decreto-Lei nº
701-B/76 impõem, claramente, o início do apuramento geral. De um juízo prognóstico que conclua pela impossibilidade de dar cumprimento às segunda e terceira partes do artigo 96º, nº 2, por ser impossível obter elementos em falta no prazo de 48 horas, não se pode inferir qualquer permissão legal de não iniciar imediatamente o apuramento imposto pela primeira parte do nº 2 do artigo
96º. Por outro lado, considerando-se que não está em causa apenas a falta de elementos, mas antes um inevitável adiamento da votação para a Assembleia de Freguesia, que não se realizou sequer em cinco secções de voto, também será forçoso concluir que as operações de apuramento devem ser imediatamente iniciadas, visto que a reunião no dia seguinte ao da votação (ou ao do reconhecimento da sua impossibilidade) se destina apenas a 'completar as operações de apuramento', nos termos do artigo 96º, nº 3.
Deste modo, a Assembleia de Apuramento Geral das eleições dos
órgãos das autarquias locais do Concelho de Loures tinha o dever de cumprir o disposto no artigo 96º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 701-B/76, na exacta medida em que o podia fazer: dando início ao apuramento geral, directamente imposto pela primeira parte do artigo 96º, nº 2, e pressuposto pelo artigo 96º, nº 3.
7. Por seu turno, o segundo argumento aduzido no despacho recorrido - a potencial inutilidade do apuramento, dada a possibilidade de invalidação do acto eleitoral pelo Tribunal Constitucional - também não procede, justamente por se situar num plano puramente hipotético.
Na verdade, não se pode garantir, ex ante, que o Tribunal Constitucional invalide, no seu todo, tal acto eleitoral e só se uma tal decisão fosse contemporânea da própria Assembleia de Apuramento Geral esta perderia a utilidade.
III Decisão
8. Ante o exposto, decide-se:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Anular a deliberação da Assembleia de Apuramento Geral das eleições dos órgãos das autarquias locais do Concelho de Loures pela qual se determinou a não realização da Assembleia de Apuramento Geral, por violar o disposto no artigo 96º, nº 2, primeira parte, e nº 3, do Decreto-Lei nº
701-B/76, de 25 de Setembro, devendo, em consequência, a Assembleia de Apuramento Geral iniciar os seus trabalhos.
Lisboa, 23 de Dezembro de 1997 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes (com a declaração de que entendo que os recorrentes podiam legalmente ter interposto recurso contencioso de acto de administração eleitoral, nos termos do art. 102º-A da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo a que a deliberação impugnada se limitou a suspender sine die os trabalhos de apuramento) Maria da Assunção Esteves Guilherme da Fonseca (com a mesma declaração de voto do Exmº Cons. Ribeiro Mendes) Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Messias Bento Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso