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Proc. nº 159/98
1ª Secção Relatora: Consª Maria Helena Brito
Acordam no Tribunal Constitucional:
I
1. No âmbito de um processo de execução com processo ordinário para pagamento de quantia certa, em que é exequente o Banco X, o executado, C. E., deduziu embargos de executado e, pretendendo suspender os termos do processo de execução, requereu, em 27 de Março de 1995, nos termos do artigo 818º, nº 1, do Código de Processo Civil, a prestação de caução através de garantia bancária. Protestou juntar, no prazo de 10 dias, o documento de constituição de fiança bancária, em que seria fiador o Banco Y ou outra instituição bancária.
A parte contrária não deduziu oposição ao requerimento de prestação de caução, pelo que, em 7 de Novembro de 1995, a Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Almada considerou idónea a caução oferecida para garantia da quantia de 2 500 000$00 e fixou o prazo de sete dias para prestação da fiança.
O requerente pediu a prorrogação do prazo assim fixado, ?por mais 10 dias, [...] dado que a entidade bancária ainda não emitiu o competente documento, aguardando-se que o mesmo seja entregue muito brevemente?. O pedido foi deferido. Em 12 de Janeiro de 1996, ao ser requerida nova prorrogação por mais oito dias, com a mesma justificação, a Juíza proferiu despacho no sentido de autorizar tal prorrogação, mas ?pela última vez?.
Notificado deste despacho, C. E. interpôs recurso de agravo. Afirmando que o despacho recorrido não especificava os fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão, o agravante concluiu ?que a decisão é nula , por violar o artigo 668º/1/b/d/1ª parte do CPC?.
Negado provimento ao recurso por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 1997, C. E. interpôs novo recurso de agravo.
Em acórdão de 21 de Outubro de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando aplicável ao caso o Código de Processo Civil, sem as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95, de 12.12, e 180/96, de 25.9, partiu da ideia de que ?os prazos fixados pelo juiz são, em princípio, prorrogáveis, sem prejuízo dos casos previstos na lei ou de se não poder exceder o limite nela estabelecido?. Afirmou, por outro lado, que, em face do disposto nos artigos 818º, nº 1, e 435º do Código de Processo Civil, não está fixado na lei qualquer prazo para o embargante prestar caução a fim de ser suspensa a execução. De tais afirmações não decorre, porém, no entender do Supremo Tribunal, que não haja limites para as prorrogações dos prazos, nem que os pedidos de prorrogação não devam ser justificados, uma vez que o juiz tem o poder-dever de recusar o que for impertinente ou dilatório. Daí que, no caso presente,
?tendo-se requerido, em 27.3.95, a prestação de caução por fiança bancária, não se compreende facilmente que, decorridos 8 meses, ainda se pedisse uma prorrogação do prazo por 10 dias; pedida nova prorrogação, com idêntica fundamentação, justificava-se então, pelo menos, que ela fosse concedida, como foi, ?pela última vez??.
O Supremo Tribunal de Justiça precisou ainda que ?em rigor, não haveria lugar à fixação de qualquer prazo para a prestação de caução? e que
?A pretensão do executado-embargante de suspender a execução depende de ?prestar caução? (cit. art. 818º, nº 1); assim, apesar da oposição por embargos, a execução prossegue até que seja prestada a caução em incidente processado por apenso (cit. art. 435º), como aqui foi requerido.
Essa prestação de caução não constitui pois uma obrigação mas uma faculdade ou direito potestativo do executado.
Deste modo, apesar de requerido o exercício desse direito através daquele incidente, a falta de prestação da caução não tem os efeitos previstos nos arts. 430º e seguintes do cit. Código mas apenas o de se não ordenar a suspensão da execução.
[...]
Daqui resulta que o executado não teria sequer de requerer a prorrogação do prazo para prestação da caução, podendo aguardar a decisão que viesse a ser proferida ou, porventura, informar no incidente que não estava ainda habilitado a prestar a caução.
A questão da prorrogação do prazo, que se veio a suscitar no recurso de agravo, é pois uma questão falsa ou inútil, o que sempre implicaria dever negar-se-lhe provimento?.
Com base nesta argumentação, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.
O recorrente requereu a reforma do acórdão, nos termos do artigo
669º, nº 1, a), e nº 2, a) e b), do Código de Processo Civil, por considerar que o mesmo era ?ilegal e aplicador de normas com sentido teórico-prático antagónico e inconstitucional?. O requerimento foi indeferido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 1997.
2. Notificado deste acórdão, veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional dos dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Na formulação do recorrente,
?O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção da Lei 85/89, de 7 de Setembro.
Os acórdãos recorridos aplicam teoricamente o disposto nos arts.
144º/1, 147º, 435º e 818º do CPC, mas recusam a sua aplicação no campo prático?.
O requerimento de interposição do recurso foi indeferido, no Supremo Tribunal de Justiça, pelo Conselheiro Relator, com fundamento em que
?Invoca o disposto na al. c) do art. 70º nº 1 da Lei nº 28/82, de
15.11, mas o certo é que essa alínea não tem qualquer relação com a hipótese em causa. Afigura-se-me ainda que o recurso é manifestamente infundado, com referência a algum dos outros fundamentos previstos no cit. art. 70º?.
3. O recorrente deduziu reclamação de tal indeferimento, alegando, em síntese, que
?Neste caso, o STJ de Lisboa aplicou teoricamente o disposto nos arts. 144º/1,
147º, 435º e 818º do CPC, mas recusou a sua aplicação no campo prático (alínea c) do nº 1 do art. 70º da Lei do TC).
[...] Existe, neste caso, manifesta violação de lei expressa, e tal interpretação contraditória teórico-prática das referidas normas fere os mais profundos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da cidadania consagrados nos arts. 13º e 18º da Lei Fundamental.
[...] Nestes autos, o STJ [...] ofendeu o princípio constitucional da confiança, do antecedente, do direito adquirido, da igualdade de procedimento dentro do mesmo processo (arts. 2º, 12º/1, 18º e 20º da Lei Fundamental)?.
Por acórdão da conferência, de 10 de Fevereiro de 1998, o Supremo Tribunal de Justiça manteve o despacho reclamado e ordenou o envio do processo ao Tribunal Constitucional.
4. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, concluindo que ?a presente reclamação ? configurável como mero expediente dilatório ? deverá ser julgada improcedente?. II
5. O reclamante fundou o seu recurso na alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso previsto na mencionada alínea tem por objecto ?as decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado?.
Tal recurso pressupõe que o tribunal a quo tenha recusado a aplicação de determinada norma, por considerar que a norma em causa se encontra viciada por um dos tipos de ?ilegalidade qualificada? susceptíveis de ser apreciados pelo Tribunal Constitucional.
São portanto dois os pressupostos deste tipo de recurso: a ?recusa de aplicação normativa?, a ?violação de lei com valor reforçado?.
Não indica o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional qual seja a norma que o tribunal recorrido se recusou a aplicar
?com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado?; também não refere qual seja a lei com valor reforçado susceptível de justificar uma eventual recusa de aplicação normativa.
Aliás, a leitura dos acórdãos de que se pretende recorrer permite facilmente verificar que o Supremo Tribunal de Justiça não recusou, quer expressa quer implicitamente, a aplicação de qualquer norma com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Tanto basta para concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos processuais deste tipo de recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, como se refere no despacho que indeferiu o requerimento de interposição do recurso, este recurso seria manifestamente inadmissível, com referência a algum dos outros fundamentos previstos nas diversas alíneas do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Com a interposição do recurso, o recorrente pretende porventura impugnar directamente os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas tal impugnação não é admissível no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, como tem sido reiteradamente afirmado por este Tribunal. III
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide desatender a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Junho de 1998 Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa