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Proc. nº 646/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
I - RELATÓRIO
1. O Ministério Público junto do Círculo Judicial de Setúbal intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra A... e mulher pedindo a condenação destes a demolirem a moradia pelos mesmos edificada em zona classificada de 'paisagem protegida' no Parque Nacional da Arrábida, e ainda que fosse declarada nula a licença camarária atribuída para a construção e intimados os réus para se absterem de, naquele terreno, edificarem qualquer nova construção sem autorização da Direcção daquele Parque.
Na sua contestação, os Réus defenderam-se por excepção, quanto à incompetência do Tribunal, à ineptidão da petição inicial, e alegaram ainda a falta de vigência legal da legislação que serve de base à acção, nomeadamente da Portaria nº 26-F/80, de 9 de Janeiro; defenderam-se ainda por impugnação.
Na sua resposta, além do mais, o Ministério Público invocou a vigência erga omnes daquela portaria.
Por sentença de 10 de Março de 1995, a acção foi julgada procedente, e os Réus condenados a demolirem aquela moradia.
2. Inconformados, recorreram dessa decisão para a Relação de Évora. Juntaram às suas alegações parecer dos juristas Prof. Doutor José Manuel Sérvulo Correia e Mestre Ricardo Sá Fernandes, no qual concluem não estar em vigor, por não ter sido publicado, o Regulamento Geral aprovado pela Portaria nº 26-F/80, referente ao Plano de Ordenamento daquele Parque Natural da Arrábida.
E formularam os recorrentes, entre outras, as seguintes conclusões nas suas alegações:
[...]
C) A sentença recorrida viola o disposto no artº 205º nº 1 e 2 da C.R.P.
[...]
E) A sentença recorrida viola o artº 122º da C.R.P., acarretando uma inconstitucionalidade. (artº 207º e 277º da C.R.P.)
Por acórdão de 31 de Outubro de 1996, a Relação de Évora negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
3. Novamente inconformados, os apelantes recorreram desse aresto para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nas respectivas alegações:
[...]
B- O Acórdão recorrido, ao reconhecer o poder de demolição ao Decreto-Lei 622/76, sem que este esteja devidamente regulamentado por norma específica, viola o artº 1º do Primeiro Protocolo Adicional da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
C- O Acórdão recorrido, ao reconhecer o poder de demolição do Estado, no caso concreto, com base exclusivamente no Dec. Lei 622/76, viola o artº 62º da Constituição da República Portuguesa.
[...]
E- O Acórdão recorrido, ao confirmar o direito ao Estado a demolir, sem atender ao enquadramento legal determinado pela inexistência de publicação do Plano de Ordenamento do P.N.A., viola os artºs 205º nº 1 e 2 e
207º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo seu acórdão de 2 de Outubro de 1997, o STJ negou provimento à revista.
4. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação da questão de inconstitucionalidade da «interpretação consagrada no acórdão recorrido das disposições contidas na Portaria nº 26-F/80 e nos nºs 2 e 3, do artigo 6º do Dec. Lei nº 622/76» por violação do disposto nos artigos 62º, 65º, 122º, 205º e 207º, da Lei Fundamental.
5. Admitido o recurso, foi elaborada exposição prévia pelo relator do processo neste Tribunal nos termos seguintes: O presente recurso só poderia ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas que tivessem sido concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade os recorrentes houvessem suscitado durante o processo.
Ora, é claro que os recorrentes, na sua motivação de recurso para o STJ, não se referem à inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, mas tão-só da decisão recorrida. Nem anteriormente, nomeadamente na motivação de recurso para a Relação, ou em qualquer outro momento do processo, suscitaram a inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas, mas apenas da própria decisão recorrida.
Ora, a Constituição da República e a Lei do Tribunal Constitucional atribuem a este um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não dos actos judiciais, pelo que manifestamente faltam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do recurso.
6. Na sua resposta, os recorrentes afirmaram:
Com efeito, a presente acção tem como enquadramento legal a Portaria de 26-F/80 e o D.L. 622/76, onde se fundamenta juridicamente a decisão, proferida em 1ª Instância, que julgou a acção procedente e provada e que foi posteriormente confirmada, quer pelo Tribunal da Relação de Évora, quer pelo Supremo tribunal de Justiça.
Ora, em ambos os recursos defenderam os recorrentes que:
1 – A interpretação das normas contidas no capítulo III do D.L.
622/76 consagrada pelo Tribunal de 1ª Instância e confirmadas posteriormente Tribunal da Relação de Évora não está em conformidade com a Constituição da República Portuguesa na medida em que viola o disposto nos artºs 62º, 65º, 205º nº 1 da C.R.P..
2 – Deverá atender-se ao enquadramento legal da Portaria 26-F/80, de
9 de Janeiro, que contém o Regulamento do Parque Natural da Arrábida, concluíndo--se que, esta não está em vigor por inexistência ou falta de publicação, sendo que, entendimento diverso constitui clara violação ao disposto no artº 122º, 207º e 277º da C.R.P..
Assim, as questões de inconstitucionalidade arguidas pelos recorrentes decorrem prima facie de normas jurídicas e da sua interpretação, reflectindo-se, até porque de fiscalização concreta se trata, nas decisões jurisdicionais que aplicaram e interpretaram inconstitucionalmente as mesmas.
[...]
E mais não disseram os recorrentes do que, a decisão recorrida, da forma como aplicava e interpretava as referidas normas jurídicas – D.L. 266/76 e Portaria 26-F/80 – era inconstitucional, na medida em que aplicava e interpretava inconstitucionalmente normas jurídicas.
7. Por sua vez, o Ministério Público manifestou a sua inteira concordância com a exposição do relator. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
8. Na sua resposta, os recorrentes nada trouxeram de novo que contrarie a exposição prévia do relator.
Com efeito, os recorrentes não se referiram à inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, mas tão-só da decisão recorrida, quer na sua motivação de recurso para o STJ quer anteriormente, nomeadamente na motivação de recurso para a Relação. Nem em qualquer outro momento do processo suscitaram a inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas, mas apenas da própria decisão recorrida.
Aliás, a acusação de inconstitucionalidade, perante o STJ, apenas do acórdão da Relação de Évora, e já não de qualquer norma jurídica minimamente identificada, decorre claramente, como se viu, do teor das transcritas alegações dos recorrentes perante o Supremo.
9. A Constituição da República e a Lei do Tribunal Constitucional atribuem a este um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não das decisões judiciais em si mesmas. Como flui do disposto nos artigos 280º, nº
1, alíneas a) e b), e nº 5, da Constituição, e dos artigos 70º, nº 1, e 75º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade há-de interpor-se de decisões judiciais que apliquem norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo, ou que desapliquem determinada norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Não competindo a este Tribunal o conhecimento de questões de inconstitucionalidade de decisões judiciais, manifestamente faltam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do recurso.
III – DECISÃO
10. Termos em que se decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.
Lisboa 3 de Junho de 1998 Luis Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento Maria dos Prazeres Beleza José Manuel Cardoso da Costa