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Processo nº 73/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. L... e mulher M..., com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 13 de Novembro de 1997, que, confirmando 'a decisão proferida no despacho reclamado' (o despacho do Relator que decidiu não tomar conhecimento de um recurso por eles interposto, face à alçada do tribunal de comarca), indeferiu, em consequência, a reclamação apresentada e decidiu de igual modo
'não tomar conhecimento do recurso interposto'. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dizem os recorrentes que é inequívoco que, 'ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei 28/82, de 15/11, suscitaram no processo a inconstitucionalidade material do nº 1 do art. 678º do C.P.C. na interpretação que deste é feita pelo Relator e pela Conferência'.
2. Nas suas alegações concluem os recorrentes do modo que se segue:
'1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão da Relação do Porto, proferido em conferência, que, confirmando o despacho do Excelentíssimo Senhor Juíz-Desembargador Relator, indeferiu a reclamação apresentada pelos ora recorrentes.
2. Os recorrentes haviam interposto recurso da decisão que decretou a providência cautelar, ao abrigo do art. 395º do C.P.C.
3. Com fundamento na interpretação que faz do nº 1 do artº. 678º do C.P.C., o douto Acórdão recorrido é de entendimento que a decisão que decretou a providência cautelar de restituição provisória de posse não admite recurso por a causa ter o valor de 30 000$00, isto é, inferior à alçada do tribunal de que se recorre.
4. Nesta interpretação, o nº 1 do artº 678º do C.P.C. é materialmente inconstitucional.
5. Com efeito, a providência cautelar foi decretada sem audiência, prévia ou subsequente, dos ora recorrentes.
6. Ora, se é de admitir que uma providência cautelar possa ser decretada sem audiência prévia da parte requerida,
7. terá sempre e em qualquer caso de se garantir a essa parte o direito de ser ouvida subsequentemente ao decretamento da providência,
8. sob pena de violação do princípio da igualdade e do princípio do contraditório, consignados, respectivamente, nos artigos 13º e 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
9. Na verdade, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
10. Por isso, a decisão judicial em causa é inconstitucional visto que, em flagrante violação do princípio da igualdade das partes (do princípio da igualdade de armas), decretou a providência cautelar apenas com base ou fundamento na versão dos requerentes,
11. sem que à parte afectada, e drasticamente afectada, pelo decretamento da providência tivesse sido dada o direito de contradizer ou contraditar os factos alegados pelos requerentes da providência, ao menos subsequentemente a tal decisão.
12. Por outro lado, o contraditório é um princípio basilar da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos aos cidadãos que aos tribunais incumbe assegurar.
13. Daí que a decisão judicial em causa seja inconstitucional por não ter assegurado, nem antes nem depois, o contraditório dos requeridos da providência cautelar e ora recorrentes.
14. De resto, o actual Código de Processo Civil já possibilita a audiência do requerido subsequentemente ao decretamento da providência cautelar – art. 388º do C. P. Civil.
15. Por conseguinte, ao requerido de uma providência cautelar de restituição provisória de posse, ou de outra providência, tem de ser sempre assegurado o direito, ainda que subsequentemente, de reagir contra a decisão que decreta a providência, qualquer que seja o valor da causa, isto é, independentemente de o valor da causa em que é proferida ser inferior ou superior à alçada do tribunal.'
E pedem os recorrentes que seja 'dado provimento ao presente recurso, declarando-se materialmente inconstitucional a norma do nº 1 do art.º 678º do Código de Processo Civil enquanto interpretada no sentido de que não é admissível recurso de uma decisão judicial proferida numa providência cautelar de restituição provisória de posse em que não houve audiência e contraditório, prévios ou subsequentes, dos requeridos dessa providência cautelar e por ela afectados, com fundamento em que o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de que se recorre, inconstitucionalidade esta resultante de tal interpretação envolver violação dos princípios da igualdade e do contraditório, consagrados nos artigos 13º e 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa'.
3. Os recorridos MB... e mulher C..., com os sinais identificadores dos autos, requerentes da providência cautelar de restituição provisória de posse, não alegaram.
4. Cumprido o artigo 79º-B, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro (cfr. o artigo 6º, nº 2, desta Lei), importa decidir. A questão de (in)constitucionalidade posta nos autos foi já objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, relativamente à norma em causa do artigo 678º, nº 1, do Código de Processo Civil e concluiu-se sempre no sentido de que ela não viola normas ou princípios da Constituição.
É o que ressalta do acórdão nº 95/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de 20 de Abril de 1995, aí se referindo que tal entendimento
'constitui jurisprudência firme do Tribunal Constitucional'. E na EXPOSIÇAO que acompanhou esse acórdão pode ler-se o seguinte:
'A jurisprudência deste Tribunal tem repetidamente afirmado que a limitação do recurso por força da relação entre o valor da acção (ou da sucumbência) e o valor das alçadas não ofende o art. 20º da Constituição: nesse sentido vejam-se os acórdãos nºs 163/90 e 210/92, publicados no Diário da República, II Série, nºs 240, de 18 de Outubro de 1991, nº 211, de 12 de Setembro de 1992, e ainda os nºs 346/92, 275/94, 340/94 e 403/94, todos ainda inéditos (o primeiro destes acórdãos acha-se igualmente publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº
397, págs. 77 e segs.).
(...) Apreciando esta jurisprudência, escreve Carlos Lopes do Rego: ‘temos como evidente que não pode pretender pôr-se seriamente em causa a existência, no ordenamento processual, de limites objectivos à admissibilidade do recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão económica para a parte vencida:
é que tais limitações derivam, em última análise, da própria «natureza das coisas», da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos tribunais inferiores
– sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudênciais...’
(Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pág. 83)'. Registe-se, porém, como decorre do entendimento dos recorrentes, que tem de ponderar-se ainda a violação do princípio do contraditório, porque a
'providência cautelar foi decretada sem audiência, prévia ou subsequente, dos ora recorrente', sendo que 'ao requerido de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, ou de outra providência, tem de ser sempre assegurado o direito, ainda que subsequentemente, de reagir contra a decisão que decreta a providência, qualquer que seja o valor da causa, isto é, independentemente de o valor da causa em que é proferida ser inferior ou superior à alçada do tribunal'.
É isto que os recorrentes questionam quando conjugam o regime do citado artigo
678º, nº 1, com a inexistência do contraditório dos requeridos – tal era a posição processual deles na providência em causa –, à luz dos artigos 381º e seguintes do mesmo Código de Processo Civil, sendo, pois, esta a dimensão normativa que convoca a apontada violação do princípio do contraditório. Afirmando os recorrentes que, não tendo sido dada à parte 'afectada pelo decretamento da providência' o 'direito de contradizer ou contraditar os factos alegados pelos requerentes da providência, ao menos subsequentemente a tal decisão', não fica assegurado, 'nem antes nem depois, o contraditório dos requeridos da providência cautelar e ora recorrentes', querem com isso significar que, qualquer que seja o valor da causa, sempre deveria ser admitido o recurso daquela decisão e assim assegurar-se tal contraditório. Mas também aqui não assiste razão aos recorrentes. Em primeiro lugar, um procedimento cautelar é um meio processual de natureza transitória, sempre dependente da 'causa que tenha por fundamento o direito acautelado' (artigo 384º, nº 1, correspondendo ao artigo 383º, nº 1, após as revisões de 1995 e 1996 do Código de Processo Civil) e caducando se ela não for proposta, com carácter urgente (e envolve apenas uma prova sumária, não chegando sequer a ter influência no julgamento da acção - artigo 386º, correspondendo ao artigo 383º, nº 4, após aquelas revisões). Daqui ressalta que é na acção que a causa é discutida e apreciada na sua plenitude e aí efectivamente assegurado a contraditoriedade entre as partes. É nessa sede que a matéria questionada pelas partes, tanto de direito como de facto, assume dignidade de debate entre elas e não em sede de procedimento cautelar com todas as reservas e limitações decorrentes da regulação prevista no Código (e mesmo considerando todas as melhorias introduzidas pelas citadas reformas, incluindo agora o contraditório subsequente ao decretamento da providência cautelar – artigo 388º). Depois, porque não tem o recurso, como finalidade precípua, assegurar a contraditoriedade, não apelando ele propriamente ao contraditório entre as partes, antes visando a censura da decisão jurisdicional, para se lhe apontarem vícios que a possam pôr em crise. Com o que não pode proceder a invocação da violação do princípio do contraditório, na dimensão considerada da norma do artigo 678º, nº 1.
5. Termos em que DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso. LX. 16.12.98 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa