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Procº nº 729/97 Plenário Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
1. A. e B., na qualidade, respectivamente, de mandatário das listas do Partido Socialista (PS) concorrentes às eleições autárquicas na área do município de Mondim de Basto e de candidato da lista do mesmo partido político na eleição da Assembleia Municipal de Mondim de Basto, vieram interpor recurso contencioso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 103º e seguintes do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral Autárquica), requerendo a anulação da votação na assembleia de voto da freguesia de Bilhó, no que se refere à eleição da assembleia de freguesia e da assembleia municipal.
Alegam os recorrentes que a mesa da referida assembleia de voto, «logo no início dos trabalhos, portanto antes de abrir as portas ao público, deliberou permitir o exercício do voto acompanhado a todos os eleitores que manifestassem tal vontade, independentemente de prova de doença ou deficiência física, mesmo nas circunstâncias em que não havia quaisquer evidências das mesmas e sem que alguém da mesa delas tivesse conhecimento pessoal». E que, consequentemente, «viriam a exercer o direito de voto acompanhado 39 eleitores dos quais pelo menos 38 (trinta e oito) não apresentavam qualquer evidência de doença ou deficiência justificativa de tal acompanhamento», sendo todos esses eleitores identificados pelo respectivo nome e número de eleitor no protesto escrito apresentado pelo delegado do Partido Socialista, protesto esse que se encontra anexo à acta das operações eleitorais, mas que não mereceu qualquer deliberação da mesa.
Ainda segundo os recorrentes, a invocada ilegalidade pode ter influído no resultado final das eleições da Assembleia de Freguesia de Bilhó e da Assembleia Municipal de Mondim de Basto (mas não na eleição da Câmara Municipal) , tendo em conta os votos obtidos por cada lista e os mandatos a cada uma delas atribuídos, pelo que se impõe a anulação da votação na mencionada assembleia de voto quanto aos referidos órgãos autárquicos, com a sua consequente repetição.
2. O Tribunal Constitucional é competente para o conhecimento do presente recurso (artigo 102º, nºs 1 e 3, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro) e os recorrentes têm legitimidade para a sua interposição (artigo 103º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76).
Por outro lado, o recurso foi tempestivamente interposto (artigo 104º, nº 1, da Lei Eleitoral Autárquica), já que a afixação do edital com os resultados do apuramento geral ocorreu no dia 18 de Dezembro (quinta-feira), como se encontra certificado nos autos, não antes das 17 horas - pois foi essa a hora de encerramento dos trabalhos da assembleia de apuramento geral, conforme resulta da respectiva acta - e o recurso foi enviado para o Tribunal Constitucional, por via de telecópia, no dia 21
(domingo), dando assim entrada na secretaria no dia 22, pela hora de abertura dos serviços.
A petição de recurso veio, finalmente, acompanhada da acta da assembleia de apuramento geral e da acta da assembleia de apuramento parcial, à qual se encontra anexado o protesto oportunamente apresentado pelo delegado do Partido Socialista.
Não se verifica, assim, qualquer obstáculo ao conhecimento do recurso, pelo que há que o apreciar e decidir.
3. Resulta dos autos (cfr. acta respectiva) que, por um lado, no início do acto eleitoral, o presidente da mesa da assembleia de voto propôs que «havendo eleitores que manifestassem vontade de votarem acompanhados, alegando deficiências, só o poderiam fazer mediante apresentações de atestado médico», tendo essa proposta sido rejeitada, por maioria, pela mesma mesa. E que, por outro lado, o delegado do Partido Socialista lavrou protesto, que não foi objecto de deliberação da mesa, por terem votado acompanhados trinta e nove eleitores, sendo que, segundo invocou, trinta e oito desses eleitores - que identificou pelo respectivo nome e número de eleitor - «votaram acompanhados sem ser visível qualquer deficiência».
4. De acordo com o preceituado no artigo
70º da Lei Eleitoral Autárquica, vota acompanhado por outro eleitor por si escolhido «o eleitor afectado por doença ou deficiência física notórias, que a mesa verifique não poder praticar os actos» tendentes a assinalar, no interior da câmara de voto, através de uma cruz marcada no quadrado respectivo dos correspondentes boletins, a lista em que vota para cada órgão autárquico, bem como a dobrar esses boletins em quatro e entregá-los ao presidente da mesa (nº
1). O atestado médico, passado no competente centro de saúde, só é exigível no caso de a doença ou deficiência física não serem notórias (nº 2).
Em todo o caso, porém, a lei acautela que, relativamente às decisões da mesa sobre admissibilidade do voto acompanhado, é sempre possível lavrar protesto (nº 4), sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 86º do mesmo diploma legal, tais protestos têm «de ser obrigatoriamente objecto de deliberação da mesa» (nº 3), a qual há-de ser necessariamente fundamentada (nº 4).
5. No Acórdão nº 3/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., págs. 573 e segs.), a propósito do voto dos deficientes, afirmou-se que «a faculdade concedida às mesas das assembleias eleitorais de autorizar o eleitor a votar acompanhado não lhes confere um poder discricionário, pois que aquela faculdade apenas deverá ser exercida no âmbito dos apertados e vinculados limites estabelecidos pela lei», pelo que «para que a mesa consinta que o eleitor vote acompanhado não basta que este revele sinais de cegueira ou de doença ou deficiência física notórias, sendo ainda necessário e indispensável a verificação caso a caso, de que tais enfermidades ou deficiências impeçam ao eleitor, isoladamente, a prática dos actos correspondentes ao exercício do voto», sendo certo que, «sempre que tal verificação, em concreto, não se mostre possível, deverá a mesa exigir» a apresentação de certificado médico.
A isto acresce, como se viu, que é sempre possível, através da apresentação de protesto, provocar, relativamente a cada eleitor que pretenda votar acompanhado, uma deliberação fundamentada da mesa, assegurando-se, assim, o respeito pela mencionada vinculação legal e impedindo-se a pura discricionariedade. É seguramente por esse motivo que, apesar de a possibilidade de lavrar reclamações e protestos se encontrar genericamente prevista no nº 1 do artigo 86º, o nº 4 do artigo 70º especificamente se lhe refere, com expressa menção de que os próprios membros da mesa detêm legitimidade para o efeito.
No caso dos autos, ao contrário do que alegam os recorrentes e ao invés do que, em certa medida, acontecia na situação apreciada no mencionado Acórdão nº 3/90, não existiu expressa deliberação genérica da mesa a permitir o voto acompanhado a todos os eleitores que manifestassem esse desejo. Com efeito, não tendo obtido vencimento a proposta tendente a só permitir o voto acompanhado a quem exibisse certificado médico comprovativo de incapacidade para votar sozinho, sempre seria possível interpretar essa deliberação no sentido de que a mesa, nos termos da lei, apenas não abdicava da faculdade de reconhecer a existência de tal incapacidade, quando notória.
Só que tal não absolvia a mesa de, face ao protesto apresentado, em que se contesta a impossibilidade de trinta e oito eleitores devidamente identificados votarem sozinhos, fundamentar individualizadamente a razão da permissão do voto acompanhado ou, pelo menos, esclarecer quais os critérios que a levaram a autorizar que votassem acompanhados aqueles mesmos eleitores (num universo de quinhentos e quarenta votantes).
Na ausência da legalmente exigida deliberação fundamentada sobre o protesto apresentado pelo delegado de uma das listas concorrentes à eleição, e suscitada que foi ali a inexistência de doença ou deficiência física notória incapacitadora do exercício desacompanhado do direito de voto, torna-se impossível a este Tribunal controlar a legalidade da actuação da mesa, do ponto de vista substancial, por ocorrer, desde logo, um vício formal que impede a aferição dos critérios por ela seguidos. Tal vício formal, contudo, constitui também uma ilegalidade correlacionada com a suscitada questão do voto acompanhado por parte de trinta e oito eleitores e pode servir de fundamento à anulação do acto eleitoral, caso possa influir no resultado da eleição do órgão autárquico em causa, conforme se estabelece no nº 1 do artigo
105º da Lei Eleitoral Autárquica.
6. Ora, no caso vertente, na hipótese de terem efectivamente votado acompanhados, de forma indevida, como se afirma no protesto entregue à mesa e sobre o qual ela não se pronunciou, trinta e oito eleitores, tal facto pode ter influído nos resultados apurados na eleição da assembleia de freguesia, mas não já nos resultados apurados na eleição da assembleia municipal.
Com efeito, no que se refere à eleição da assembleia de freguesia, a subtracção, por exemplo, de 38 votos à lista mais votada (PPD/PSD), que obteve 218 votos e 3 mandatos, e a sua adição à lista dos recorrentes (PS), que obteve 98 votos e 1 mandato, mantendo inalterada a votação no Partido Popular (CDS-PP), que obteve 209 votos e 3 mandatos, implicaria a transferência de um mandato do PPD/PSD para o PS, já que, por aplicação do método de Hondt, o quociente do PS para o seu segundo mandato passaria a ser de
68 [(98 + 38) : 2], superior, portanto, ao do PPD/PSD para o seu terceiro mandato [(218 - 38) : 3 = 60].
Pelo contrário, no que se reporta à eleição da assembleia municipal, o acréscimo de 38 votos ao número total de votos apurados para o PS, que foi de 683, a que corresponderam 2 mandatos, nunca lhe permitiria alcançar o terceiro mandato, mesmo subtraindo aqueles 38 votos aos 2.577 obtidos pelo PPD/PSD (8 mandatos) ou aos 1.877 recolhidos pelo CDS-PP
(5 mandatos), já que o seu quociente para esse terceiro mandato seria sempre inferior ao quociente para o último mandato apurado para qualquer daqueles partidos [(683 + 38) : 3 = 240,333; (2.577 - 38) : 8 = 317,375; (1.877 - 38) : 5
= 367,800].
Assim sendo, só se verifica o requisito legal do artigo 105º, nº 1, relativamente à eleição da Assembleia de Freguesia de Bilhó.
7. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso, na parte em que se requeria a anulação da votação na assembleia de voto da freguesia de Bilhó, relativamente à eleição da Assembleia Municipal de Mondim de Basto;
b) Conceder provimento ao recurso, na parte referente à eleição da Assembleia de Freguesia de Bilhó, anulando-se a votação efectuada em 14 de Dezembro de 1997 na respectiva assembleia de voto relativamente à eleição daquele órgão autárquico, com as correspondentes consequências legais.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1997 Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa