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Procºnº539/98
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO:
1. – P... veio reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade interposto da decisão que, no processo de embargos de executado levantado contra a execução sumária movida pelo HOSPITAL C..., indeferiu o pedido de reforma da sentença.
O reclamante deduzira embargos de executado contra a referida execução sumária, suscitando as excepções de ilegitimidade e de prescrição e impugnando a responsabilidade da dívida.
Em 4 de Julho de 1997, foi elaborado o despacho saneador, especificação e questionário, tendo-se julgado o embargante parte legítima e sido julgada improcedente a excepção de prescrição.
Notificado deste despacho, o embargante veio aos autos requerer a 'reforma de sentença proferida' , nos termos do artigo 669º, nº2, alínea a), do Código de Processo Civil. O pedido de reforma foi indeferido por despacho de 3 de Novembro de 1997.
O reclamante, notificado desta decisão, veio dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do nº1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciar a constitucionalidade da Base XXXIII, nº2, alínea c) da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto, questão que tinha suscitado no referido pedido de reforma.
Este recurso não foi admitido de acordo com o seguinte despacho: 'O recurso interposto admite recurso ordinário pelo que se não admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional – artºs 510º,nº5 a
‘contrario’, 511º, nº6 do Cód.Proc. Civil, artº 70º, nºs 2 e 3 da Lei nº28/82, de 15 de Novembro'.
É desta decisão que vem interposta a presente reclamação.
2. – O Ministério Público teve vista dos autos e aí exarou o seguinte parecer:
'A presente reclamação é, a nosso ver, claramente improcedente, já que a decisão recorrida não aplicou a norma a que vinha reportado o rejeitado recurso de fiscalização concreta: tal decisão limitou-se, na verdade, a aplicar a norma constante do artº 26º do CPC, concluindo que a demandada era parte legítima na causa, por o A a ter apresentado em juízo como sujeito passivo da relação material controvertida. O reclamante confunde as questões da legitimidade (entendida como pressuposto processual) e do mérito – sendo evidente que a questão que suscita será apreciada, não no saneador, mas na sentença final que conheça deste. Nestes termos, não tendo a decisão recorrida feito aplicação da norma cuja constitucionalidade foi suscitada e a que vinha reportado o recurso de constitucionalidade, é evidente que falta um essencial pressuposto de admissibilidade deste, o que conduz à improcedência da presente reclamação.'
Cumpre apreciar e decidir.
3. – Tal como decorre da certidão junta aos autos a fls.
9, o valor da causa é de 116.O40$00 e a petição de embargos à execução deu entrada no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa em 5 de Junho de 1996.
O fundamento da rejeição do recurso de constitucionalidade, segundo o despacho acima transcrito, foi a possibilidade de a decisão recorrida admitir recurso ordinário e, por conseguinte, ainda não estariam esgotados os meios de recurso ordinário que no caso cabiam.
O reclamante, porém, demonstra que, no caso, não era assim, pois que o valor da causa se continha dentro da alçada do tribunal – 500
000$00 (artigo 20º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, na redacção da Lei nº
24/92, de 20 de Agosto), só sendo admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, não sendo também caso que se possa incluir nos nºs 2 e 3 do artigo 678º do Código de Processo Civil.
O Ministério Público, no seu parecer, suscita, porém, outra questão susceptível de levar ao indeferimento da reclamação. Com efeito, a decisão recorrida para considerar o embargante como parte legítima nos autos, apenas aplicou o artigo 26º do Código de Processo Civil, não tendo utilizado a norma da Base XXXIII, nº2 alínea c) da Lei nº 48/90, e não tendo a decisão recorrida aplicado tal norma, falta quanto a ela um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, daí resultando a improcedência da reclamação.
Parece manifesto que a decisão recorrida, perante a excepção de ilegitimidade suscitada pelo embargante e ora reclamante na petição de embargos, se limitou a fundar a improcedência da excepção no artigo 26º do Código de Processo Civil (CPC), tal como ele se encontra vertido na lei, atendendo à posição das partes na relação jurídica tal como o Autor a configura e resolveu assim a questão da legitimidade do embargante no respectivo processo.
O reclamante insurge-se, no pedido de reforma da sentença, contra o facto de a decisão recorrida 'só por manifesto lapso na interpretação da Base XXXIII, nº2, alínea c) da Lei nº 48/90, de 24 de Agosto e artigo 26º do Cód. Proc. Civil', é que considerou o ora embargante como parte legítima para a presente execução, chamando à colação uma outra decisão em que foi decidido que o mesmo Hospital exequente, por a executada ser beneficiária da Segurança Social 'não lhe pode exigir o pagamento dos tratamentos aqui em causa, uma vez que quanto a ela o título executivo não releva (...)', aqui entroncando o recurso de constitucionalidade interposto.
Só que, como refere o Procurador-Geral adjunto em exercício, a decisão recorrida apenas fez apelo ao artigo 26º do CPC, não tendo aplicado a Base XXXIII, nº2, alínea c) da Lei nº48/90, pois apenas estava em causa a legitimidade do embargante e ora reclamante entendida como mero pressuposto processual.
A invocação da mencionada Base legal não tem nada a ver com o referido pressuposto processual, mas releva já do mérito da questão e, esse mérito, de acordo com a decisão recorrida tal como foi proferida, só pode ser considerado na sentença final, uma vez que se elaborou especificação e questionário.
Assim, não tendo a decisão recorrida aplicado a norma cuja constitucionalidade o reclamante suscita, falta um pressuposto legal de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do nº1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aplicação da norma enquanto «ratio decidendi»), pelo que a presente reclamação tem de improceder.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada por P....
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC’s. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa