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Processo nº 124/98
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa tem exposição
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrente D... e recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos constantes da exposição preliminar oportunamente lavrada nos termos do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (redacção anterior à Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), aqui dada por reproduzida, que a resposta do recorrente não logrou abalar, tendo merecido inteira concordância do recorrido, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
8 (oito) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Junho de 1998 Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Artur Mauricio Maria Helena Brito Luis Nunes de Almeida
Processo nº 124/98
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- D..., identificado nos autos, foi condenado, por sentença de 12 de Julho de 1996, proferida em processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, pela autoria de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 136º, nº 1, do Código Penal, texto de 1982, na pena de 12 (doze) meses de prisão e, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida pelos artigos 25º, nº 1, alínea f),
141º, 142º e 148º, alínea d) todos do Código da Estrada, na coima de 20.000$00
(vinte mil escudos) e inibição de conduzir pelo período de 3 (três) anos.
Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, desde logo alegando, no que ora interessa,
ter 'a sentença violado as garantias constitucionais de defesa, nomeadamente o artigo 32º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa', na medida em que afastou a presunção de inocência através de uma simples declaração confessória, 'quando é certo que essa declaração é inapta para produzir prova numa matéria que carece de verificação técnica'.
No entender do arguido, a sentença, ao atender, para o condenar, a uma declaração confessória acerca dos limites de velocidade, em vez de determinar essa velocidade por meios mecânicos ou electrónicos idóneos, violou as garantias constitucionais de defesa, nomeadamente os artigos 29º e
32º, nºs. 1 e 2, da Constituição, por ofensa aos princípios de presunção de inocência e de in dubio pro reo.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 7 de Outubro de
1997, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, posteriormente, por acórdão de 16 de Dezembro seguinte, vindo a indeferir o requerimento de aclaração do primeiro aresto.
Nesse aresto escreveu-se, nomeadamente, no que à questão de inconstitucionalidade respeita, não contender a presunção de inocência com a livre apreciação da prova, segundo a qual esta é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo se a lei dispuser diferentemente, nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, norma que o Tribunal Constitucional considera não padecer de inconstitucionalidade, como teve ocasião de se pronunciar em dois acórdãos recentes, nºs. 1164/96 e 1165/96, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Março e 6 de Fevereiro de
1997, respectivamente.
Conjugando os artigos 343º, 344º e 345º, todos daquele Código, observa-se no acórdão, 'verifica-se que o arguido não tem o dever de responder mas tem o direito de prestar declarações, sobre o objecto do processo, em qualquer momento da audiência e o seu silêncio não o pode desfavorecer'.
'Se o arguido se dispuser a prestar declarações
[acrescenta-se] será interrogado sobre os factos que lhe são imputados e esclarecerá, se for solicitado, as declarações prestadas, podendo, no entanto, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta às perguntas que entender'.
No entanto, para o acórdão, o interrogatório do arguido, valendo fundamentalmente como meio de defesa, não significa que não possam e devam ser tidas em conta, contra ele, as respostas que tenha querido dar, 'o que acentua o duplo fim dessas declarações, ou seja, o exercício do direito de defesa e, eventualmente, meio de prova'.
Afastou-se, assim, a alegação de violação dos princípios de presunção de inocência do arguido e de in dubio pro reo pelo facto da confissão, mesmo que parcial, do arguido, como tal valorada no juízo emitido.
2.- Entende-se que não pode conhecer-se do objecto do recurso.
Com efeito, e em primeiro lugar, constitui jurisprudência firme deste Tribunal não serem as decisões judiciais, em si mesmas consideradas, objecto do recurso de constitucionalidade. Este só pode visar a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas, ou de uma certa dimensão normativa das mesmas, que os tribunais tenham desaplicado, com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou que hajam aplicado, não obstante a suscitação, durante o processo, pelo recorrente, da sua incompatibilidade com a Lei Fundamental.
Ou seja, a questão de constitucionalidade há-de sempre reportar-se à norma, ou a uma sua dimensão, ou, no limite, a uma interpretação que dessa norma, no caso concreto, se fez na decisão recorrida (cfr., por todos, os acórdãos nº. 192/94 ou nº 178/95, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Maio de 1994 e 21 de Junho de 1995, respectivamente; na Doutrina, v.g., J.M.Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 50).
Ora, não é esse o caso vertente: nas conclusões das alegações de recurso para a Relação o recorrente é claro e inequívoco quando imputa à sentença da 1ª instância o vício de violação das garantias constitucionais de defesa, não discutindo qualquer interpretação normativa, ancorado como está à pretensão de revogar o anteriormente decidido pelo reexame, em recurso, da dimensão jurídica do caso.
É certo, observe-se, em segundo lugar, que, perante a notificação que lhe foi feita no objectivo de cumprir o disposto no artigo 75º-A citado, o recorrente, insistindo na violação da 'garantia constitucional da presunção de inocência ínsita no artigo 32º, nº 2, da CRP', acrescenta, então, que, 'sendo interpretadas com uma tal amplitude e alcance, todas as disposições dos limites de velocidade, nomeadamente os artigos 25º e 148º do Código da Estrada, violam essa garantia constitucional'.
No entanto - e respondendo a esta eventual objecção - não basta equacionar a inconstitucionalidade de uma dada norma ou de um seu determinado segmento ou, sequer, de uma certa interpretação: torna-se indispensável colocar a questão em termos precisos e inequívocos de modo que o tribunal perante a qual a mesma se põe não tenha dúvida quanto à sua identificação correcta e possa sobre ela decidir fundamentadamente (neste sentido a jurisprudência uniforme deste Tribunal como ilustram, entre tantos outros, os acórdãos nºs. 269/94, 367/94 ou o já citado 178/95, publicados os dois primeiros no Diário da República, II Série, de 18 de Junho e 7 de Setembro de 1994, respectivamente).
De qualquer modo, mesmo para quem pudesse entender estar suficientemente esboçada uma dada interpretação das normas de Direito Estradal invocadas, o certo é que estas foram tardiamente convocadas, na 'rectificação' ensaiada após a notificação prevista no nº 5 do artigo 75º-A, ou seja, em momento já não adequado, na concepção funcional adoptada quanto à oportunidade de suscitação (cfr., v.g., o acórdão nº 80/92, in Diário citado, II Série, de 18 de Agosto de 1992). Sem prejuízo, ainda, de se observar que a aludida convocação de tais normas é feita numa perspectiva mais de aplicabilidade do que de efectiva aplicação no concreto caso.
Assim, é manifesto que a inconstitucionalidade suscitada respeita a uma decisão judicial, o que não é da competência deste Tribunal apreciar, limitado que está a conhecer de inconstitucionalidades normativas.
E, de qualquer modo, sempre não seria de conhecer do objecto do recurso por não verificação dos pressupostos de admissibilidade exigidos para o recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82.
3.- Nestes termos, sou de parecer não poder conhecer-se do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, na redacção anterior à da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, ex vi do artigo 6º deste último diploma.