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Processo n.º 575/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorridos A., S.A. E B., CRL, o primeiro vem interpor recurso obrigatório ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação em 3 de julho de 2012 (cfr. fls. 1225-1248), que considerou procedente a apelação (interposta por uma das ora recorridas, a B., CRL), decidindo «1.º Declarar as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas, do procedimento a 86.388,00 €, do incidente a 86.304,00 € e do recurso a 91.968,00 €), materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República); (…)» e «2.º mandar que se proceda à reforma da conta de custas (v fls. 1207 e 1208), tendo em conta o máximo de 250.000,00 € fixado na tabela do anexo I ao código das custas (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro) e desconsiderando-se o remanescente (…)» (cfr. III – Decisão, 1.º e 2.º, fls. 1247-1248).
2. O recorrente Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal nos termos e com os fundamentos seguintes (cfr. fls. 1254):
«O Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do, aliás, douto Acórdão de fls. 1225/1248, com fundamento nos arts. 70º, n° 1, a) e 72°, nº 1, a) e 3 da Lei do Tribunal Constitucional.
Justifica-se a interposição do presente recurso dada a recusa de aplicação pelo douto Tribunal das normas dos arts. 14°, n°1, al. n) e 18°, n° 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro), com o fundamento de que tais normas, na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite, são materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do principio da proporcionalidade (art. 20°, n° 1 da CRP).»
3. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido de 01/08/2012 (cfr. fls.1258) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 1268), o recorrente alegou e concluiu no sentido da improcedência do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público e, assim, pela inconstitucionalidade da interpretação normativa, acolhida pela decisão recorrida, dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), tal como foi sustentado na mesma decisão, nos termos seguintes (cfr. VIII, Conclusões, fls. 1336-1337):
«Por todo o exposto nas presentes alegações, crê-se de concluir:
a) pela improcedência do recurso obrigatório, interposto pelo Ministério Público, nos presentes autos;
b) confirmando, assim, este Tribunal Constitucional, o Acórdão recorrido, de 3 de julho de 2012, do Tribunal da Relação de Lisboa; e, consequentemente,
c) julgando, este Tribunal Constitucional, nessa medida, materialmente inconstitucionais as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (art. 20º, nº 1 da CRP)”.»
Para alcançar tal conclusão, o recorrente desenvolveu os fundamentos do seu pedido de julgamento de inconstitucionalidade da interpretação normativa dos preceitos invocados, nos termos seguintes (cfr. Alegações VII) quanto ao tema a decidir:
«(…)
VII. Apreciação do thema decidendum
33º
Vejamos, então, as conclusões que se poderão retirar da jurisprudência, deste Tribunal Constitucional, citada ao longo das presentes alegações, tendo em vista concluir pela apresentação de uma solução para o recurso em apreciação.
Ora, crê-se que tais conclusões serão, fundamentalmente, as seguintes:
a) na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem seguido o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral, mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, mesmo que este seja de procura obrigatória;
b) tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder, economicamente, ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão, ou seja, que tenha que existir tal correspectividade económica, para se poder afirmar a bilateralidade da receita, enquanto taxa;
c) na verdade, através da imposição de uma taxa, podem prosseguir-se finalidades de interesse público conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou custo, correspondendo, ainda, nesta hipótese, ao pagamento da taxa, a contraprestação de um bem ou serviço por parte do Estado;
d) apenas a manifesta desproporcionalidade entre o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público (o caráter «completamente alheio» a este), poderá levar a que o tributo em questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto, uma vez que, desse modo, e nessa medida, se afetaria a sua correspectividade;
e) no que respeita à “taxa de justiça”, o Tribunal Constitucional tem considerado que se trata de uma verdadeira taxa e não de um imposto, encontrando-se, na sua origem, a prestação do serviço de administração da justiça, que apenas pode ser prestado pelo Estado (dado o monopólio público do uso da força);
f) o legislador nacional dispõe, porém, de uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas de justiça;
g) essa liberdade não implica, todavia, que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição);
h) a fixação das custas, em proporção direta ao valor da causa, sem qualquer limite máximo, pode conduzir a situações em que tal taxa se revele manifestamente desproporcionada ao custo do serviço ou à utilidade tirada do meio judicial empregue, pelo que ficará posta em causa a relação de correspondência entre o serviço e o tributo, o qual, assim, dificilmente poderá ser qualificado como verdadeira taxa;
i) o que está em causa, nesta dimensão normativa, não é tanto – ou não é apenas – a bondade constitucional do critério elegido para a fixação das custas em função do valor da causa, mas, tendo em conta os demais elementos do critério de tributação, ou seja, os concretos escalões quantitativos fixados e o modo como operam, a ausência de qualquer limite máximo para o valor da causa, e, consequentemente, para os resultados da aplicação daquele critério na determinação do valor da tributação em custas, independentemente da complexidade do processo, ou, mesmo, da sua concreta e efetiva utilidade para o recorrente;
j) por outras palavras, a aplicação de um tal critério poderá conduzir a que, a partir de um certo limite, não possa o montante de taxa devida encontrar justificação seja no princípio da equivalência, seja no princípio da cobertura de custos;
l) ora, havendo uma “desproporção intolerável” entre “o montante do tributo e o custo do serviço prestado”, justamente por ser manifestamente exorbitante o valor calculado em função da mesma norma, ocorrerá também uma violação evidente do direito de acesso ao direito e aos tribunais;
m) o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, pois não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça, podendo, pois, o legislador fixar o montante das custas com grande liberdade e exigir o respetivo pagamento sem que, com isso, esteja necessariamente a restringir o direito de acesso aos tribunais;
n) essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite – limite, esse, que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos, sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário;
o) ou seja, assegurar a garantia do acesso aos tribunais, subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça, não podendo o legislador adotar soluções, de tal modo onerosas, que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça;
p) nessa medida, quando o valor da causa se revele manifestamente excessivo e desproporcionado, por as custas judiciais serem fixadas em proporção ao valor da causa, sem qualquer limite máximo ao respetivo montante, estar-se-á perante uma situação de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, na medida em que tal norma não permite, ao tribunal, limitar o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão;
q) por outras palavras, a liberdade de definição do montante das taxas tem, como limite superior, o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso, corolário do Estado de direito democrático (artº 2.º, da C.R.P.), o qual impede a fixação de valores manifestamente desproporcionados ao serviço prestado, ou à complexidade do processo, o que, a suceder, poria em causa a própria equivalência jurídica das prestações e o direito fundamental, dos cidadãos, de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos (artº 20.º, nº 1, da C.R.P.);
r) a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça; ou seja, salvaguardada a proteção jurídica para os mais carenciados, as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio, não sendo constitucionalmente admissível a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça;
s) o Tribunal Constitucional, apesar de lhe não caber aferir qual o concreto patamar em que se situa o limite em que a prestação pública se desliga dos custos da respetiva atividade, ou em que o cidadão fica inibido de recorrer aos tribunais, por força do valor das custas, deve, contudo, velar pelo respeito pelos referidos parâmetros constitucionais, perante o concreto valor das taxas cobrada num determinado processo, como resultado da aplicação da tabela legal, segundo o princípio do controlo da evidência;
t) contudo, a potencialidade de um critério gerar valores desproporcionados de custas, por não acolhimento de fatores que os teriam evitado, só releva, quando essa potencialidade, em face das circunstâncias do caso e do montante concretamente apurado, se tenha concretizado, ou seja, a ausência de previsão desses fatores corretivos só releva quando eles, no caso em apreciação, teriam atuado restritivamente, reconduzindo o valor pecuniário a prestar aos limites da proporcionalidade, que, de outro modo, resulta violada;
u) por outras palavras, se a prestação exigida, a título de custas, tiver atingido valores elevados, pouco comuns, mas, em contrapartida, o serviço fornecido tiver envolvido meios e acarretado, necessariamente, custos que ultrapassaram o padrão mais habitual do funcionamento judiciário e do processamento dos autos, a correspectividade material entre as duas prestações poderá não se mostrar manifestamente desvirtuada, com a consequência de os limites da taxação, resultantes da estrutura bilateral das taxas, poderem não ter sido desrespeitados.
34º
No caso dos presentes autos, o Acórdão recorrido, de 3 de julho de 2012, veio concluir, como se disse já, o seguinte (cfr. supra nº 15 das presentes alegações) (destaques do signatário):
“Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, nessa conformidade:
1.º; declarar as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas, do procedimento a 86.388,00 €, do incidente a 86.304,00 € e do recurso a 91.968,00 €), materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República);
2.º; mandar que se proceda à reforma da conta de custas (v fls. 1207 e 1208), tendo em conta o máximo de 250.000,00 € fixado na tabela do anexo I ao código das custas (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro) e desconsiderando-se o remanescente; para além da obediência aos demais normativos legais aplicáveis, designadamente os que mandam ter em conta (objetivamente) cada uma das figuras adjetivas autonomamente tributadas e (subjetivamente) o seu responsável, a medida da responsabilidade e a concretização dos valores em dívidas (em particular, artigos 50º, 53º e 56º, nº 3, alíneas a), b) e f), do código das custas).”
35º
Ora, considera o signatário que estas conclusões, do douto Tribunal da Relação de Lisboa, refletem fielmente o sentido da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, de que se procurou dar conta ao longo das presentes alegações.
Nessa medida, crê-se que se deverá confirmar o Acórdão recorrido, de 3 de julho de 2012, do mesmo Tribunal da Relação. (…)».
4. Os recorridos, notificados para o efeito, não contra-alegaram (cfr. cota lavrada a fls. 1340).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
5.1 Nos presentes autos, foi intentada, em 27 de janeiro de 2009, providência cautelar, por parte de A. SA, contra B. Crl e C., S.A., estando em causa a celebração em 8 de janeiro de 2008, entre a Requerente e a D., S.A., por um lado, e a primeira Requerida, por outro, de um contrato-promessa de trespasse e de compra e venda relativo a um estabelecimento comercial de venda por grosso, denominado “Loja do Alcoitão” (cfr. fls. 1124 dos autos).
O preço global acordado para os negócios prometidos foi de € 15.000.000,00 (cfr. fls. 1125 dos autos).
5.2 Posteriormente, em 5 de janeiro de 2009, celebrou-se o contrato de trespasse, tendo as partes acordado que o mesmo produziria efeitos no dia 31 de janeiro de 2009 (cfr. fls. 1128 dos autos).
Na data da celebração do trespasse, a requerente pagou à primeira requerida o remanescente do preço global acordado, tendo, assim, esta recebido o valor total combinado de € 9.000.000,00.
Para garantir a entrega da Loja do Alcoitão, na data da produção de efeitos do contrato, a primeira requerida obrigou-se a entregar à requerente uma garantia bancária no valor de € 6.750.000,00, o que se verificou. Anteriormente, na data da celebração do contrato de promessa de trespasse, a primeira requerida havia já entregado, à requerente, uma garantia bancária autónoma, no valor de € 2.250.000,00 (cfr. fls. 1131 dos autos).
5.3 A primeira requerida sofreu, entretanto, uma mudança dos seus órgãos diretivos, em resultado de ato eleitoral interno, não tendo a nova direção aprovado o negócio celebrado com a recorrente (cfr. fls. 1129-1131 dos autos).
Em consequência, a requerida informou, em 20 de janeiro de 2009, a requerente da sua indisponibilidade para entregar o estabelecimento, alegando invalidade do contrato de trespasse e do aditamento ao contrato-promessa de 5 de janeiro de 2009.
Confirmou, posteriormente, essa mesma intenção, em nova comunicação, agora de 22 de janeiro do mesmo ano.
5.4 Em face daquele comportamento, a requerente acionou as garantias bancárias e, em 29 de janeiro de 2009, o Banco E. pagou à requerente, ao abrigo das garantias bancárias existentes, o montante de € 9.000.000,00 (cfr fls. 1131-1132 dos autos).
Anteriormente, porém, como já referido, intentou igualmente, em 27 de janeiro de 2009, providência cautelar, junto do 2º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais (cfr. fls. 1132 dos autos).
5.5 A providência cautelar instaurada foi decidida por sentença, em 13 de abril de 2010 (cfr. fls. 1123-1134 dos autos), na qual se concluiu pela sua improcedência (cfr. fls. 1133-1134 dos autos):
“No presente caso importa desde logo dizer que resultou indiciariamente o direito da requerente, desde logo existe uma clara aparência do direito que a requerente se arroga, uma vez que foi celebrado um contrato de promessa de trespasse e posteriormente celebrado o trespasse do estabelecimento comercial a que as partes chamam a “Loja do Alcoitão”, sendo certo que não importa nestes autos (devendo ser sim apreciado na ação principal) se o trespasse foi celebrado validamente, ou se, como pretende a primeira requerida, tal negócio foi celebrado por uma Direção que já não tinha poderes para o celebrar, pois que nestes autos importa apreciar apenas a aparência do direito da requerente e essa aparência é manifesta, uma vez que o negócio celebrado o foi na sequência de negociações existentes e da concretização dos contratos assinados entre as partes.
Porém, para que seja decretada a providência cautelar importava que a requerente tivesse demonstrado o fundado receio de as requeridas causassem lesão grave ou dificilmente reparável do seu direito, o que não aconteceu.
A requerente não necessitava de ter instaurado a presente providência cautelar, uma vez que a primeira requerida lhe tinha entregue garantias suficientes para assegurarem a defesa do direito da requerente (duas garantias bancárias à primeira solicitação, cuja soma dos valores garantia integralmente o preço do trespasse), garantias estas que a requerente podia acionar, e acionou, dois dias após ter dado entrada à presente providência cautelar, tendo assim recuperado o valor total do preço do trespasse, pelo que, garantiu qualquer receio de lesão que pudesse advir-lhe do negócio de trespasse celebrado entre as partes.
Sendo cumulativos os requisitos do art. 381º do CPC, é manifesto que não existindo perda de garantia patrimonial, a presente providência tem de improceder.
Nestes termos e face ao exposto, julgo a presente providência cautelar improcedente por não provada e, em consequência, absolvo as requeridas do pedido cautelar.
Custas pela requerente.”
5.6 Procedeu-se, então, à elaboração da conta de custas (cfr. fls. 1142-1144 dos autos), tendo o valor final a pagar, por “A.”, atingido o valor de € 178.086,00, por “B., Crl”, o valor de € 86.304,00 e por “C., Crl”, o valor de € 280,50.
5.7 Reclamaram desta conta de custas a B., Crl” e “A.”.
A primeira, “B., Crl” reclamou desta conta (cfr. fls. 1149-1158 dos autos), alegando, designadamente (cfr. fls. 1157 dos autos):
“48. Acresce, ainda, que, com tal entendimento, estariam em causa o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o princípio da justiça e estar-se-ia a criar o perigo real de denegação de justiça, porquanto chegaríamos ao absurdo de, em ações de elevado valor e sem fundamento algum, conseguir-se prejudicar todos aqueles que fossem chamados à demanda para contestar ou opor-se a essa ação judicial de valor avultado, uma vez que mesmo sendo parte vencedora, teriam de pagar avultadas custas processuais, privilegiando-se apenas os indigentes (que recorreriam ao apoio judiciário) e as classes economicamente mais favorecidas, sendo que a esmagadora maioria dos cidadãos e empresas seria francamente prejudicada com tal interpretação, permitindo, aliás, que todo aquele que estivesse de má fé fizesse um uso reprovável do processo com o auxílio da máquina judicial.”
A segunda, “A.” (cfr fls. 1159-1162 dos autos), referiu, designadamente (cfr. fls. 1161-1162 dos autos):
“1. Mais acresce que, no entendimento da ora Reclamante, a fixação das custas da ação cautelar no valor de € 91.698,00 (noventa e um mil seiscentos e noventa e oito euros) fere o princípio da proporcionalidade. Com efeito, na sequência da alteração da redação do artigo 27º do CCJ introduzida pelo art. 1º do DL nº 324/2003, de 27 de dezembro, decorre do nº 3 deste normativo, numa interpretação conforme à Constituição, a atribuição ao Juiz do poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculadas segundo as regras do CCJ, devendo ser determinada a redução, total ou parcial, do montante apurado na medida necessária à garantia daquela proporcionalidade. (…)
3. Entende, assim, a reclamante que, quer a natureza da causa, quer a conduta processual que adotou nesta ação cautelar, tornam manifestamente desproporcionado o montante das custas apurado segundo as regras acolhidas no CCJ, pelo que deverá o mesmo ser reduzido ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 27º do CCJ interpretado segundo a Constituição.”
5.8 Em resultado desta reclamação, a conta de custas foi reformulada, mas apenas quanto a esta última interveniente processual, na sequência de despacho de 24 de janeiro de 2012 (cfr. fls. 1165-1167 dos autos).
5.9 Tendo a conta relativa a “B., Crl” sido considerada corretamente elaborada (cfr. fls. 1165 dos autos), esta interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 1168, 1171-1198 dos autos), por alegada falta de fundamentação do referido despacho, da Meritíssima Juíza, de 24 de janeiro de 2012 (cfr. fls. 1167 dos autos).
Alega, para o efeito, a referida interveniente, depois de se referir aos Acórdãos 187/01 e 634/93 deste Tribunal Constitucional, designadamente (cfr. fls. 1184-189 dos autos):
“A interpretação normativa de que nos ocupamos, em torno do nº 1 do art. 453º do CPC, não é compatível com nenhuma destas exigências, como resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar os objetivos de garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para o mesmo efeito e traduz-se na imposição à requerida e parte vencedora de um procedimento cautelar que já pagou a taxa de justiça que lhe competia, de um ónus de desembolsar parte do que cabe ao requerente e parte vencida.
É, portanto, uma interpretação inconstitucional, por infração do princípio da proporcionalidade. (…)
A interpretar-se o disposto no art. 453º, nº 1 do CPC no sentido de que cabe à Requerida num procedimento cautelar a obrigação legal de pagar uma taxa de justiça calculada em função do valor da ação/procedimento (indicado pela Requerente), sendo indiferente o desfecho final do mesmo, mantendo-se tal obrigação mesmo que seja parte vencedora, viola-se o princípio da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
Na verdade, não pode deixar de ser feita uma distinção entre parte vencedora e parte vencida, atendendo-se sempre a regra geral no sentido de apurar e ter em atenção quem foi que deu causa à ação ou procedimento.
Por outro lado, é manifestamente inapropriada ou desajustada a imposição, para os fins de interesse público inscritos com a finalidade do regime, à parte vencedora do pagamento de uma conta de custas, a final, incluindo-se na mesma um montante idêntico de taxa de justiça àquela da responsabilidade da parte vencida. (…)
Assim, e como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou proveito processual.
Acresce, ainda, que, com tal entendimento, estariam em causa o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o princípio da justiça e estar-se-ia a criar o perigo real de denegação de justiça, porquanto chegaríamos ao absurdo de, em ações de elevado valor e sem fundamento algum, conseguir-se prejudicar todos aqueles que fossem chamados à demanda para contestar ou opor-se a essa ação judicial de valor avultado, uma vez que mesmo sendo parte vencedora, teriam de pagar avultadas custas processuais, privilegiando-se apenas os indigentes (que recorreriam ao apoio judiciário) e as classes economicamente mais favorecidas, sendo que a esmagadora [maioria] dos cidadãos e empresas seria francamente prejudicada com tal interpretação, permitindo, aliás, que todo aquele que estivesse de má fé (e, caso fosse indigente e beneficiasse do apoio judiciário, os limites seriam o Céu!) fizesse um uso reprovável do processo com o auxílio da máquina judicial. (…)
A interpretação dada à norma inserta no art. 453º, nº 1 do CPC, conjugada com o disposto nos arts. 13º, nº 1, 14º, nº 1, al. n), 22º, 23º, nº 1, 24º, nº 1, al. b) e 27º, nºs 1 e 2, todos do Código das Custas Judiciais (CCH), no sentido de que deverá ser cobrada à parte vencedora, no âmbito de um procedimento cautelar a que não se seguiu qualquer ação principal, o remanescente referente ao excesso que não é considerado para efeitos do cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente, sendo considerado na conta a final, viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e do acesso ao direito. (…)
Nos termos do art. 27º do CCJ, tem o juiz o poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do Código das Custas Judiciais (CCJ), devendo ser determinada a redução, total ou parcial, do montante apurado na medida necessária à garantia daquela proporcionalidade – o que não foi feito pelo tribunal a quo.
O nº 2 do art. 27º daquele diploma não deve ser interpretado como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de € 250.000,00, por violar o direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, nos casos, como este, de processos abusivamente instaurados pela parte vencida (ora Recorrida).
Salvo melhor opinião, deverá ser julgada inconstitucional qualquer interpretação, do nº 2 do art. 27º do CCJ, que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem tomar em atenção o limite máximo estipulado no Código das Custas Judiciais, por violação do art. 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da mesma Constituição.”
5.10 A Meritíssima Juíza proferiu novo despacho, mantendo o seu anterior despacho, em 9 de março de 2012 (cfr. fls. 1204-1205 dos autos).
5.11 A mesma “B., CRL”, veio, posteriormente, alargar o âmbito do recurso interposto (cfr. fls. 1213 dos autos), referindo, a este propósito:
“Sempre se dirá que nos parece violar o princípio da igualdade, da proporcionalidade e a regra de custas constante do art. 446º do CPC o entendimento deste tribunal ao pretender imputar à requerida, ora Recorrente, o pagamento integral das custas decorrentes do recurso (cuja decisão consta de fls. 937 a 941) em que a requerida foi parte vencida (sendo a requerente parte vencedora), mas, contrariamente, já entender repartir as custas do incidente de processo cautelar em que a requerida, ora Recorrente, foi parte vencedora (tendo a requerente sido a parte vencida)”.
5.12 Procedeu-se, entretanto, à formulação de nova conta, pelo tribunal de 1ª instância, nos seguintes termos:
- B., Crl. – € 178.002,00 (cfr. fls. 1207 dos autos);
- A., SA - € 86.388,00 (cfr. fls. 1208 dos autos).
5.13 Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, veio este tribunal superior proferir Acórdão, em 3 de julho de 2012 (cfr. fls 1225-1248 dos autos). No mesmo Acórdão refere-se, sob o ponto de vista da conformidade constitucional das normas, que determinaram a condenação em custas (cfr. fls. 1242-1246 dos autos), o seguinte:
(…)
“E ao que se nos afigura, este; o de saber se a aplicação estrita das normas jurídicas, vocacionadas à hipótese concreta, pelos resultados atingidos (pelo volume exato das custas contadas) não será passível de esbarrar com disposições de natureza constitucional; como tal, essenciais e estruturantes da própria ordem jurídica; e de tal maneira se impondo algum ajustamento normativo.
Vejamos então sob este ponto de vista.
É primordialmente o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República que concede o direito fundamental de acesso aos tribunais para salvaguarda dos direitos substanciais ou outros interesses legalmente protegidos; dele se intuindo, como uma das suas perspetivas, a incomportabilidade de uma restrição por meio da fixação de custos insustentáveis a cargo dos cidadãos utilizadores.
É a lei ordinária que conforma este direito fundamental; e se é certo que a Constituição não determina a gratuitidade dos serviços de justiça, também o é que não pode a lei ordinária adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de lhe aceder.
Esta temática vendo sendo tratada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, seja a comum, seja a constitucional. A ideia estruturante é, no seu essencial, a seguinte; se bem que a norma jurídica ordinária não tenha que salvaguardar uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço de justiça que concretamente seja prestado e o montante que tenha de pagar o utente desse serviço, uma desproporção desmesurada entre os dois fatores pode chocar com o direito constitucional. As custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio; e o estabelecimento de um método de custas variável (como é o nosso) estritamente dependente do aumento direto do valor da ação, sem um (outro) limite moderador, pode na prática acarretar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável face ao artigo 20º.
Normas jurídicas (ou interpretações normativas) conducentes, na prática, à inibição do recurso de interessados aos tribunais, por causa da imposição de um volume de custas desproporcionado em face dos benefícios concretos que eles pretendam obter, hão de considerar-se materialmente inconstitucionais.
A disposição (moderadora) que consta do artigo 27º, nº 3, do Código das Custas, a que já nos referimos, entronca, na nossa ótica, nesta filosofia de razoabilidade. A especificidade concreta do caso pode, na hipótese, justificar que as custas (a taxa de justiça) não fiquem na precisa dependência do valor do procedimento adjetivo prosseguido; as tarefas despendidas e os resultados processuais podem estar desfasados do exacerbado valor que se lhe haja atribuído.
Dito isto; e reportando à hipótese concreta dos autos.
A elaboração do ato de contagem, no que ao incidente (imputado à apelante) concerne, em obediência ao segmento decisório produzido, sustentou-se no artigo 14º, nº 1, alínea n), do CCJ; e no que à instância de recurso respeita (imputado também à apelante), no artigo 18º, nº 2, do mesmo diploma. De seu lado, o procedimento cautelar (imputado à requerente que o suscitou) foi contado com base no mesmo artigo 14º, nº 1, alínea n) (neste particular, o exatamente aplicável). Os valores encontrados – e antes mencionados – impressionam. Superior a 86 mil euros no caso da requerente da providência! Mas principalmente o da apelante B.CRL, superior a 86 mil euros pelo incidente (!) e quase a atingir os 91 mil e setecentos euros pelo recurso!
Em suma, valores desfasados da realidade do processado.
Na hipótese do incidente, limitando-se à arguição de uma exceção dilatória, a que o tribunal “a quo” convidou responder, e com o desfecho em decisão pouco maior a uma (simples) página de texto (fls. 446 a 447); sendo porventura este o segmento mais passível de impressionar, já que, como sublinhámos, até estamos convictos de que ali não houvera sequer assunto incidental!
Semelhantemente a instância recursória em causa; sem qualquer tipo de perturbação ou perplexidade, de tramitação linear e simples; mas a que, pese embora, fica a corresponder um encargo superior a 91 mil euros!
Por fim, a própria instância cautelar, em si mesma, e que, desta ótica de conformidade constitucional, não pode ser desligada; pois mal se compreenderia que o tribunal “ad quem”, considerando inconstitucional certa interpretação normativa, a fizesse desaplicar numa certa secção do processo (a imputada à apelante); mas deixando-a incólume em outra secção do mesmo processo (a referente à requerente da providência). É que, aí também, a sequência dos atos (cautelares) não permite refletir a razoabilidade, acriticamente emergente do consolidado valor dos nove milhões de euros, de um volume de custas superior aos 86 mil euros efetivamente contados.
São valores elevados, desrazoáveis e fora do alcance do cidadão (ou empresa) médio(a) para um concreto serviço (de justiça) do tipo do prestado; e que, a subsistir, razoavelmente se mostravam potenciadores de uma desmotivação de acesso aos meios jurisdicionais disponíveis, em moldes, do nosso ponto de vista, insustentáveis à luz do (imperativo) enquadramento constitucional.
Em suma; o que concluímos é que as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, do Código das Custas, por referência à tabela do anexo I ao código, na interpretação segundo a qual, num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, fazendo assim ascender a conta de custas, do procedimento em 86.388,00 €, do incidente em 86.304,00 € e do recurso em 91.698,00 €, padecem de inconstitucionalidade material por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição).
De outro lado; que a conformidade constitucional dessas normas apenas se atinge na medida em que, em hipóteses desse tipo, seja permitido ao tribunal fixar um limite do volume daquela taxa (e portanto das custas), fazendo-o ajustar à tipologia do caso e às características adjetivas concretas; e de forma a assim o comprimir a aceitáveis proporções.
Como é bom de ver, não estamos longe da filosofia de moderação que com toda a certeza presidiu ao espírito da feitura do artigo 27º, nº 3, do Código das Custas. Fora, contudo, como dissemos, da sua exata fatispecie temporal.
Ainda assim; não choca – bem ao invés – que detetado esse espírito da norma, seja o mesmo aproveitado para suprir uma lacuna decorrente da desaplicação das normas consideradas inconstitucionais. Como, em contexto algo semelhante, se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 22 de outubro de 2009, “é um regime equilibrado, que permite atender à complexidade dos autos e à conduta processual das partes, evitando que se atinjam montantes exorbitantes”; de todo o modo, no quadro da nossa hipótese, corresponde a uma valoração que subjaz ao quadro jurídico-normativo concretamente aplicável.
Eis, então, que por esta via se nos afigura que procede a apelação no seu essencial; que o mesmo é dizer, que a conta (final) de custas deve ser elaborada tendo em conta o valor máximo (da causa) de 250.000,00 €, sem consideração do remanescente; semelhantemente ao normativo que, em contexto paralelo, decorre da disposição do artigo 27º, nº 3, do Código das Custas Judiciais.
3. A pretensão recursória (final) da apelante (v fls. 1198) vê-se assim (no seu mais essencial) atendida. Apenas o Ministério Público contra-alegou. Quanto a este, no quadro do Código das Custas, opera a isenção subjetiva prevenida no artigo 2º, nº 1, alínea a). No mais, atento o disposto no artigo 4º, nº 1, alínea a), do DL nº 303/2007, de 24 de agosto, opera semelhante isenção, por via da alínea g), do mesmo artigo 2º, nº 1.
Em suma, não há lugar a tributação, por via das ditas isenções.”
5.14 E o Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, conclui, assim, a final (cfr. fls. 1247-1248 dos autos):
“Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, nessa conformidade:
1.º; declarar as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas, do procedimento a 86.388,00 €, do incidente a 86.304,00 € e do recurso a 91.968,00 €), materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República);
2.º; mandar que se proceda à reforma da conta de custas (v fls. 1207 e 1208), tendo em conta o máximo de 250.000,00 € fixado na tabela do anexo I ao código das custas (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro) e desconsiderando-se o remanescente; para além da obediência aos demais normativos legais aplicáveis, designadamente os que mandam ter em conta (objetivamente) cada uma das figuras adjetivas autonomamente tributadas e (subjetivamente) o seu responsável, a medida da responsabilidade e a concretização dos valores em dívidas (em particular, artigos 50º, 53º e 56º, nº 3, alíneas a), b) e f), do código das custas).”».
6. O presente recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 1254) vem, pois, interposto, daquele acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 3/07/2012.
A questão de constitucionalidade colocada tem por objeto as normas dos artigos 14º, nº 1, alínea n), e 18º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (redação do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça, e portanto das custas contadas a final, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo (com o efeito de fazer ascender a conta de custas, do procedimento a 86.388,00 €, do incidente a 86.304,00 € e do recurso a 91.968,00 €), que o tribunal recorrido considerou materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20º, nº 1, da Constituição da República).
7. As normas em causa do Código das Custas Judiciais, na interpretação julgada inconstitucional pelo tribunal “a quo”, têm o seguinte teor:
«Artigo 14.º
(Redução a metade da taxa de justiça)
1 – A taxa de justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nos seguintes casos:
(…)
n) Procedimentos cautelares e respetiva oposição; (…)»
«Artigo 18.º
(Taxa de justiça nos tribunais superiores)
(…)
2 – Nos recursos dirigidos aos tribunais da Relação a taxa de justiça é metade da constante da tabela do Anexo I, não sendo devida taxa de justiça subsequente e não havendo lugar a reduções.» (…)
8. Por seu turno, a aplicação das normas em causa é feita por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (ex vi artigo 13.º, n.º 1, do mesmo Código, que estabelece a regra de cálculo da taxa de justiça).
9. A questão de constitucionalidade subjacente ao objeto do presente recurso foi já objeto de apreciação por este Tribunal em jurisprudência anterior, cujos fundamentos relevam para a decisão no caso em apreço.
Por ocasião do julgamento de inconstitucionalidade, «por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, [d]as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título» (Acórdão n.º 421/2013), é dado conta dessa produção jurisprudencial e do seu sentido. Assim, e como se retira do citado acórdão (disponível em www.tribconstitucional.pt):
«(…) ainda que no contexto de vigência do CCJ, na sua redação originária, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência consolidada, tem censurado normas jurídicas que, sob tal aspeto, são substancialmente idênticas à ora sindicada, à luz de premissas de ordem conceitual e axiológico-normativa claramente pertinentes à apreciação do presente recurso.
Assim, decidiu-se «julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede €49.879,79, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdãos nºs. 227/2007 e 116/2008).
Também se julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, «a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, o), 18.º, n.º 2, e tabela anexa do CCJ, na redação do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 471/2007).
E reafirmou-se um tal juízo de inconstitucionalidade, apreciando esse mesmo conjunto normativo, «na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de €15 204,39, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 266/2010). O mesmo sucedeu no Acórdão n.º 470/07, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, «a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a €100.000,00».
Sendo também à luz das mesmas valorações constitucionais que não se censuraram soluções legais de tributação que, embora pautadas por exclusivos critérios de valor (da ação), não conduziram, nos concretos casos em apreciação, à fixação de uma taxa de justiça desproporcionada à complexidade do processo (Acórdãos nºs. 301/2009, 151/2009 e 534/2011).
Ora, o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007).
Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.»
Estes parâmetros serviram também o julgamento de inconstitucionalidade formulado no mais recente Acórdão deste Tribunal sobre critérios de cálculo de taxas de justiça (n.º 604/2013), em que se concluiu pela inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante de taxa de justiça devida em recurso de apelação, cujo valor excede €49.879,79, é definido em função do valor sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição.
10. Da jurisprudência referida, relevam, em especial, os acórdãos n.ºs 227/2007 e 116/08, pois proferidos no âmbito de procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, como ocorre in casu. Pode ler-se no primeiro:
«(…)
Sobre o problema de saber se, com a inexistência de qualquer limite máximo para a taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede € 49.879,79, o montante deste tributo pode vir – e concretamente vem – a tornar-se flagrantemente desproporcionado ao serviço prestado, de tal forma que se revela “completamente alheio” ao custo da prestação deste ou à utilidade que o particular dele retira, apenas se dirá que não procede o argumento, avançado pelo Ministério Público, da “normal complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza”, que nem sempre se verificará na direta proporção do valor da causa e sem qualquer limite máximo. E também não procede o argumento da “relevância económica dos direitos e interesses que subjazem ao ato ou procedimento – e, portanto, da ‘utilidade’ auferida pelo utente – cuja prática se pretende alcançar ou cuja tramitação se desencadeia”, pois não é forçoso que a utilidade que se pretende retirar do serviço de administração da justiça aumente proporcionalmente ao aumento do valor da ação.
Entende-se que o aprofundamento dos limites objetivos à qualificação de um tributo como taxa ou como imposto – designadamente, a consideração de que se está perante um serviço apenas prestado pelo Estado (dado o monopólio público do uso da força) e a fixação das custas em proporção direta ao valor da causa sem qualquer limite máximo – não poderia deixar de conduzir a considerar que a “taxa de justiça” devida em procedimentos cautelares, e recursos neles interpostos, no montante de € 584.403,82, é desproporcionada ao custo do serviço ou à utilidade tirada do procedimento cautelar. Pelo que, nestas circunstâncias, ficaria mesmo posta em causa a relação de correspondência entre o serviço e o tributo, o qual dificilmente poderia ser qualificado como verdadeira taxa.
9. Deve, aliás, notar-se que o que está em causa na dimensão normativa em apreço não é tanto – ou não é apenas – a bondade constitucional do critério elegido para a fixação das custas em função do valor da causa, mas, tendo em conta os demais elementos do critério de tributação, ou seja, os concretos escalões quantitativos fixados e o modo como operam, a ausência de qualquer limite máximo para o valor da causa, e, consequentemente, para os resultados da aplicação daquele critério na determinação do valor da tributação em custas, independentemente da complexidade do processo, ou, mesmo, da sua concreta e efetiva utilidade para o recorrente (podendo tratar-se, como no caso, de um procedimento cautelar).(…)».
E, mais à frente:
«(…) De acordo com o que se considerou no Acórdão n.º 608/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de março de 2000), “na área em questão” [matéria de custas judiciais], o princípio da proporcionalidade reveste, “pelo menos, três sentidos: o de «equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício»; o da responsabilização de cada parte pelas custas «de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional»; e o do ajustamento dos «quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respetiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes»”.
Ora, afigura-se claro que a interpretação normativa segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos cujo valor excede 49.879,79 € é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, e da qual resultaria, no caso, um montante de custas de € 584.403,82, não se situa logo dentro de limites razoáveis, e antes comporta uma restrição desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais.
Com efeito, a ponderação de meios e fins a que este Tribunal é conduzido não pode deixar de ter presente o quantitativo concreto da taxa de justiça exigida às ora recorridas – que era, repete-se, de € 584.403,82 –, originando um débito de custas muito superior aos custos da prestação do serviço de administração da justiça (incluindo o montante da comparticipação nos custos globais do sistema de justiça), dada, também, a circunstância de se estar ainda no âmbito de um processo cautelar, de índole provisória, decidido com base numa apreciação perfunctória e sumária da necessidade da providência.
Em tal procedimento cautelar, não se vê, aliás, como poderia a invocação de uma hipotética utilidade da prestação do serviço que fosse proporcionada aos prejuízos sofridos – e ao valor da causa – prevalecer sobre o interesse das ora recorridas em acautelar esse ressarcimento, em termos de legitimar um montante de custas de € 584.403,82, que, não só tomando como paradigma “a capacidade contributiva do cidadão médio” (Acórdão n.º 248/94, Diário da República, II Série, de 26 de julho de 1994) como mesmo considerando a dimensão económica das requerentes, constitui uma barreira significativa ao acesso aos tribunais. Não se trata, pois, apenas da relevância de um “juízo empírico” (a que se refere o Ministério Público) sobre o montante excessivo das custas, mas, antes, de considerar os efeitos que um (previsível) débito de tal montante, pela fixação das custas em função do valor da causa e sem qualquer limite máximo, realmente produz sobre o direito de acesso aos tribunais, sem que se permita ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão. O que conduz à conclusão de que está, aqui, ultrapassado já o limiar do mero “mau direito”, para se verificar uma verdadeira restrição, para além da “justa medida”, daquele direito fundamental constitucionalmente consagrado.
11. Pelo que há que concluir que o valor em causa se revela manifestamente excessivo e desproporcionado, e que a norma que prevê a fixação da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares, e recursos neles interpostos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, é inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade, mas apenas na medida em que tal norma não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão.(…)»
11. Vejamos de que forma esta jurisprudência é transponível para a situação que nos ocupa.
No citado Acórdão n.º 227/07 (e, em tudo semelhante, no Acórdão n.º 116/08), a norma impugnada, fundada nos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m) e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, estabelecia que o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos nele interpostos, cujo valor excede 49.879,79 euros, era definido em função do valor da causa sem qualquer limite máximo ao montante das custas. Nos dois arestos, a norma foi julgada inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais conjugado com o princípio da proporcionalidade, mas apenas «na medida em que tal norma não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdão 116/08).
Contudo, para a análise da situação sub judice, é preciso notar que, entretanto, e como observado na seguinte passagem do mesmo acórdão n.º 116/08:
«(…) na alteração do Código das Custas Judiciais a que procedeu pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro (…), o legislador introduziu um elemento de moderação neste sistema de crescimento ilimitado do montante da taxa de justiça em função do valor da causa.
Assim, nos processos do contencioso administrativo e na fase de recurso no processo judicial tributário há um valor máximo relevante para efeito de custas: € 250.000 (artigo 73.º-B do CCJ). Seja qual for o valor processual, o montante da taxa de justiça tem um limite máximo ope legis. Quanto aos processos cíveis, o sistema é diverso e de alcance mais restrito (artigo 27.º do CCJ): o que exceda €250.000 não é considerado para efeito do cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente. Mas já releva para o cálculo das custas finais, salvo se o processo terminar antes de concluída a fase de discussão e julgamento (artigo 27.º, nºs 2 e 4 do CCJ). Porém, o juiz tem a possibilidade de, oficiosamente ou a requerimento das partes 'dispensar o pagamento do remanescente' (i.e., segundo SALVADOR DA COSTA, Código das Custas Judiciais, 6.ª edição, pág. 206, dispensar do pagamento da taxa de justiça final correspondente à diferença entre o valor de €250.000 e o efetivo valor da causa para efeitos de custas), se “a especificidade da situação o justificar”, tendo em conta, designadamente, “a complexidade da causa e a 'conduta processual das partes'.
Ora, pese embora as alterações legislativas operadas em 2003 se revelarem destinadas a evitar resultados desproporcionados e decidida a presente questão no âmbito deste quadro normativo, verifica-se que, não obstante, a solução normativa desaplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e objeto do presente recurso continua a merecer um juízo de desvalor à luz da Constituição.
De facto, como decorre do aresto recorrido, a função moderadora que decorre do artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro) não surtiu o seu efeito no caso vertente, dada a impossibilidade de aplicação ao caso, mesmo no âmbito de um procedimento cautelar. No juízo subsuntivo formulado pelo Tribunal recorrido, é particularmente relevante o seguinte:
«Equacionemos a harmonia da conta com as disposições legais.
Iniciando pela instância cautelar. O vínculo afeta a esfera da A.SA; e reflete-se na conta elaborada com um débito de custas de 86.388,00 €. A seguir, pelo incidente tributado. É a apelante B. CRL a responsável, de acordo com o decidido a seu tempo (e já transitado); refletindo um valor de custas igual a 86.304,00 €. Por fim, uma das instâncias de recurso (fls. 937 a 942). É também a apelante B.CRL a responder, conforme decidido no segmento de condenação que se proferiu; sendo valor refletido o de 91.698,00 €.
Os cálculos foram sustentados no valor de nove milhões de euros.
Vejamos então.
A regra é a de que as custas (a taxa de justiça em particular) sejam calculadas sobre o valor dos eventos adjetivos (artigo 13º, nº 1, do CCJ).
Contudo; as causas de valor superior a 250.000,00 € merecem da lei um especial normativo – o do artigo 27º do Código das Custas Judiciais. Aí se estabelece, além do mais, a regra de o excesso não ser considerado para efeito de cálculo do montante da taxa de justiça, inicial e subsequente (nº 1); que o remanescente é, não obstante, considerado na conta final (nº 2); por fim que, na hipótese da especificidade da situação o justificar, possa o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente (nº 3).
Importa-nos, portanto, este remanescente e a sua (excecional) dispensa, por via avaliativa do juiz (artigo 56º, nº 3, alínea a), do CCJ).
Apreciando a disciplina esclarecia SALVADOR DA COSTA que o remanescente em causa correspondia ao valor de taxa de justiça na superação a partir dos estabelecidos 250.000,00 € e até ao efetivo valor da causa para efeito de custas; que o juiz, no quadro circunstancial, poderia dispensar o seu pagamento; e que o poderia fazer até a título oficioso, “naturalmente na sentença ou no despacho final”; terminando com o seguinte comentário:
“É uma solução de exceção ao sistema sem justificação plausível que vai implicar, certamente, incidentes de reforma da decisão quanto a custas, porventura já no limiar da fase de contagem do processo”.
A leitura destes trechos permite intuir o momento de operacionalidade do mecanismo de exceção; certamente fora do contexto do incidente de reclamação da conta. Quer dizer; será quando distribui pelos sujeitos processuais o encargo tributário e fixa a percentagem do decaimento, na decisão final em que julgue o procedimento, o incidente ou o recurso, que também o juiz deverá, reunidas as condições que a norma tipifica, determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça final correspondente à diferença por excesso entre o valor (estabelecido) de 250.000,00 € e o efetivo valor da causa (para o efeito de custas) (artigos 446º, nº 1, início, do CPC, 12º, nº 3 e 27º, nº 3, do CCJ).
Fácil é perceber que estamos fora da fatispecie prevenida; já em fase subsequente à contagem; de incidente de reclamação; e recurso da decisão dada.
Ao tribunal “a quo”, no momento em que lhe era proposta a reforma da conta (antes efetuada), já escapava o mecanismo em causa; como agora ao tribunal “ad quem” enquanto avalia o que ali foi decidido.
O panorama não pode portanto deixar de ser um outro.
E ao que se nos afigura, este; o de saber se a aplicação estrita das normas jurídicas, vocacionadas à hipótese concreta, pelos resultados atingidos (pelo volume exato das custas contadas) não será passível de esbarrar com disposições de natureza constitucional; como tal, essenciais e estruturantes da própria ordem jurídica; e de tal maneira se impondo algum ajustamento normativo.» (cfr. fls. 1241-1242).
Ora, assim sendo, as normas desaplicadas – e objeto do presente recurso –, constantes dos artigos 14.º, n.º 1, alínea n) e 18.º, n.º 2, por referência à tabela do Anexo I, todos do Código das Custas Judiciais (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual o volume das taxas de justiça e, portanto, das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite, configuram-se substancialmente idênticas às normas julgadas inconstitucionais nos citados acórdãos n.ºs 227/2007 e 116/2008, acarretando para os cidadãos ou empresas um custo muito elevado e desproporcionado em face do concreto serviço de justiça prestado (no caso, um procedimento cautelar) e da utilidade dele retirado.
E, retomando a doutrina do Acórdão n.º 227/2007, ter-se-á presente que a interpretação normativa resultante das normas em crise afeta o direito de acesso à justiça e aos tribunais, para além da estrita consideração dos elevados montantes fixados no caso. É que «(…) não se trata, pois, apenas da relevância de um “juízo empírico” (…) sobre o montante excessivo das custas, mas, antes, de considerar os efeitos que um (previsível) débito de tal montante, pela fixação das custas em função do valor da causa e sem qualquer limite máximo, realmente produz sobre o direito de acesso aos tribunais, sem que se permita ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão. O que conduz à conclusão de que está, aqui, ultrapassado já o limiar do mero “mau direito”, para se verificar uma verdadeira restrição, para além da “justa medida”, daquele direito fundamental constitucionalmente consagrado.».
12. Na similitude das situações e dos efeitos derivados da aplicação das normas legais sindicadas, considera-se que as mesmas merecem, in casu, o mesmo juízo de desvalor já proferido nos Acórdãos n.ºs 227/07 e 116/08 (cujo entendimento também é reiterado no Acórdão n.º 604/2013), em face da ofensa da garantia constitucional do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) conjugada com o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição).
Em consequência, e em concordância com o sentido e fundamentos da decisão de inconstitucionalidade recorrida, de 3 de julho de 2012, do Tribunal da Relação de Lisboa, conclui-se pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 14.º, n.º 1, alínea n), e 18.º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, do Código das Custas Judiciais (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, na medida em que não é possível ao tribunal limitar o montante de taxa de justiça devido no caso, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais e conjugado com o princípio da proporcionalidade (consagrados nos artigos 20.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição da República Portuguesa).
III – DECISÃO
13. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o principio de proporcionalidade, consagrado no artigo 18, n.º 2, segunda parte da mesma Constituição, as normas dos artigos 14.º, n.º 1, alínea n), e 18.º, nº 2, por referência à tabela do anexo I, todos do Código das Custas Judiciais (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro), na interpretação segundo a qual o volume da taxa de justiça e, portanto, das custas contadas a final, num procedimento cautelar, em incidente que nele teve lugar e em recurso nele interposto, se determina exclusivamente em função do valor da causa, na medida em que não é possível ao tribunal limitar o montante de taxa de justiça devido no caso, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter desproporcionado do montante em questão e, em consequência.
b) não conceder provimento ao presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 26 de fevereiro de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.