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Proc. nº 555/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma Exposição prévia ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. A..., AA..., C..., H..., J..., JV..., JC..., JN..., M..., R... e T... interpuseram, em 8 de Junho de 1993, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho de 17 de Abril de 1992 do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento.
Em resposta, a entidade recorrida suscitou a questão prévia da extemporaneidade da interposição do recurso.
Pronunciando-se sobre a questão prévia suscitada, os recorrentes afirmaram que somente foram notificados do acto impugnado no dia 13 de Abril de
1993 e que o recurso foi interposto, não no dia 8, mas no dia 7, na Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça. Contudo, nesse dia, o secretário não admitiu o requerimento de recurso, uma vez que faltava a indicação da Secção a que se dirigia (artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). Seguidamente, os recorrentes sustentaram a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 36º, nº 3, do referido diploma, sem indicar a norma ou princípio constitucional violados.
2. Por acórdão de 9 de Junho de 1994, o Supremo Tribunal Administrativo julgou parcialmente procedente a questão prévia da extemporaneidade do recurso, rejeitando o recurso na parte relativa aos recorrentes JC... e JN..., em virtude de já ter decorrido o respectivo prazo, nos termos do disposto nos artigos 279º do Código Civil e 28º, nºs 1, alínea a), e 2, e 29º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Relativamente à questão de constitucionalidade normativa suscitada, o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou, em virtude de a norma impugnada não ser aplicada, uma vez que se refere ao indeferimento dos requerimentos dirigidos ao Supremo Tribunal Administrativo e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
3. JC... e JN... interpuseram recurso para o Pleno da Secção do acórdão de 9 de Junho de 1994. O recurso foi admitido com efeito suspensivo, determinando-se que subisse com o recurso que, interposto depois daquele, houvesse de subir imediatamente.
Nas alegações do recurso de anulação, os demais recorrentes sustentaram de novo que a interpretação defendida no despacho impugnado viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade (artigo 266º, nº 2, da Constituição), não indicando, mais uma vez, a norma ou as normas que atentam contra a Constituição, concluindo que o despacho reclamado é inconstitucional.
4. O Supremo Tribunal Administrativo rejeitou o recurso por acórdão de 8 de Fevereiro de 1996.
Concluiu, para tanto, pela ilegalidade da sua interposição, uma vez que o acto impugnado não constitui um acto contenciosamente recorrível.
5. Os recorrentes interpuseram recurso do acórdão de 8 de Fevereiro de 1996 para o Pleno da Secção. Nas alegações de recurso, sustentaram que, considerando ilegal a interposição do recurso rejeitado, o acórdão recorrido violou os artigos 120º do Código do Procedimento Administrativo e 268º, nº 4, da Constituição.
Concomitantemente, os recorrentes JC... e JN... apresentaram as alegações do recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
9 de Junho de 1994, sustentando a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e esclarecendo que o requerimento de recurso foi apresentado no dia 7 de Junho de
1993 na secretaria do Supremo Tribunal Administrativo e não no Supremo Tribunal de Justiça, como por lapso se referiu.
6. O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento aos recursos, por acórdão de 10 de Julho de 1997.
Relativamente ao recurso interposto do acórdão de 9 de Junho de
1994, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu pela intempestividade do requerimento apresentado no dia 8 de Junho de 1993, nos termos dos artigos 279º do Código Civil e 28º, nºs 1, alínea a), e 2, e 29º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Explicitando a sua decisão, considerou que, tendo o requerimento sido apresentado no dia 7 de Junho de 1993 na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, a sua recusa não se fundamentou no artigo 36º, nº
3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que apenas se refere à recusa pelo Supremo Tribunal Administrativo. Em consequência, não tomou conhecimento da questão de constitucionalidade normativa suscitada.
7. Os recorrentes interpuseram recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos
280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 120º do Código do Procedimento Administrativo e 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. No requerimento de interposição do recurso, os recorrentes afirmam que a primeira norma viola o disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição, e que a segunda viola o disposto nos artigos 20º e 18º, nº 2, da Constituição.
Importa, assim, averiguar se se verificam, relativamente às normas em crise, os pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade.
8. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequada quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela
(cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, DR, II, de 20 de Junho de 1995).
É certo que, em determinados casos excepcionais, o Tribunal Constitucional tem dispensado o recorrente do cumprimento do ónus de suscitar durante o processo a questão de constitucionalidade normativa. São os casos de 'condenação surpresa', nos quais não existe oportunidade processual para cumprir tal ónus (cf. o citado Acórdão nº 155/95).
9. Porém, o presente caso não consubstancia uma dessas situações. Com efeito, no recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo os recorrentes tiveram oportunidade processual de questionar a conformidade à Constituição da interpretação normativa, uma vez que a mesma já havia sido acolhida pelo acórdão da Secção.
Ora, os recorrentes nunca suscitaram a questão de constitucionalidade normativa relacionada com a norma contida no artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo antes da prolação da decisão recorrida. Na verdade, a única norma que os recorrentes consideraram expressamente inconstitucional durante o processo foi a constante do artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. No mais, limitaram-se a invocar a inconstitucionalidade de uma interpretação, sem identificarem a norma infraconstitucional violadora da Constituição, e imputando, afinal, o vício de inconstitucionalidade ao próprio despacho impugnado. A questão de constitucionalidade da norma contida no artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo só foi colocada no requerimento de recurso de constitucionalidade.
Há, pois, que considerar que não foi suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade da norma constante do artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo (cf. o citado Acórdão nº 155/95), pelo que o Tribunal Constitucional não deverá tomar conhecimento do objecto do recurso nesta parte.
10. Relativamente à norma contida no artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos importa ter presente que o Tribunal Constitucional só poderá apreciará a sua conformidade à Constituição se tal norma tiver sido o fundamento da decisão recorrida, ou seja, se tiver sido a ratio decidendi do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Julho de
1997.
Ora, no referido aresto, o Supremo Tribunal Administrativo constata que a norma contida no artigo 36º, nº 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não foi aplicada pelo acórdão de 9 de Junho de 1994, decidindo, em consequência, não proceder à apreciação da conformidade à Constituição de tal norma.
Assim, há que concluir que o fundamento normativo da decisão que confirmou o acórdão de 9 de Junho de 1994 não foi a norma contida no artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Com efeito, quer esse acórdão, quer o acórdão que o confirmou (acórdão recorrido), indeferiram o recurso contencioso dos recorrentes JC... e JN... apresentado em 8 de Junho de
1993 com fundamento nas regras relativas à contagem de prazos e não na regra que se refere às menções que devem constar do requerimento inicial do recurso contencioso de anulação.
11. É certo que os recorrentes, nas alegações de recurso para o pleno, chamam a atenção para aquilo que terá acontecido no dia 7 de Junho de
1993 na secretaria do Supremo Tribunal Administrativo (rejeição do recurso, nos termos do artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos). Contudo, no requerimento de fls. 2 foi aposta a data de 8 de Junho de 1993, não tendo sido proferida no presente processo qualquer decisão que tivesse rejeitado o recurso com fundamento no artigo 36º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (importa ainda ter presente que no presente recurso de constitucionalidade não cabe a produção de prova com o fim de saber se o recurso foi ou não efectivamente apresentado e rejeitado no dia 7 de Junho de 1993).
Nessa medida, ainda que o Tribunal Constitucional, apreciando a questão de constitucionalidade suscitada, concedesse razão aos recorrentes, tal decisão não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez que esta se fundou em outras normas que não a agora impugnada. Assim, a questão de constitucionalidade normativa suscitada respeita a uma norma que não foi aplicada pela decisão recorrida, pelo que o Tribunal Constitucional também não deverá tomar conhecimento do objecto do presente recurso nesta parte. Aliás, se o fizesse, um eventual julgamento de inconstitucionalidade seria insusceptível de modificar o sentido da decisão impugnada, faltando, de igual modo, o pressuposto processual do interesse no conhecimento do objecto do recurso.
12. Em face do exposto, há que concluir que o Tribunal Constitucional não deverá tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Ouçam-se recorrentes e recorrido nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 20 de Janeiro de 1998 Maria Fernanda Palma ACÓRDÃO Nº 370/98 Proc. nº 555/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, em que figuram como recorrentes A..., AA..., C..., H..., J..., JV..., JC..., JN..., M..., R... e T..., e como recorrido o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, pelas razões constantes da exposição prévia de fls. 378 e ss., à qual os recorrentes não responderam, e tendo ainda presente a resposta do recorrido de fls. 389 e ss., o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 UCs.
Lisboa, 13 de Maio de 1998 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Artur Mauricio Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis NUnes de Almeida