Imprimir acórdão
Proc. nº. 374/98 TC - 1ª Secção Cons. Artur Maurício
Acórdão na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - S..., Ldª., deduziu embargos de executado por apenso à execução que lhe move a C.... pedindo que se fixe uma indemnização de 40 000 000$00 a pagar pela embargada/exequente; se considere incerta e inexigível a obrigação até à fixação da dívida pelo tribunal, suspendendo-se a execução; seja liminarmente indeferida a verba liquidada de 2 350 000$00 a título de estimativa de despesas extrajudiciais.
Os embargos de executada foram admitidos e do despacho que os admitiu agravou a embargada/exequente, tendo o Juiz reparado o agravo nos termos do artigo 744º, nº. 1 do Código de Processo Civil (na anterior redacção), pelo que o agravo subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa para ser decidido de harmonia com o artigo 744º, nº. 3 do mesmo diploma.
O tribunal de 2ª instância proferiu acórdão que, em síntese, confirmou ao despacho de reparação do agravo e deu como prejudicado o conhecimento de outros agravos que tinham também subido.
Deste acórdão a embargante, pediu revista ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 9.10.97 negou provimento ao recurso.
Posteriormente à prolacção do referido acórdão veio a ora reclamante, em 22.10.97, requerer ao STJ o julgamento do recurso com intervenção plenária das secções cíveis daquele Supremo.
Por despacho de 30.10.97 proferido pelo relator foi tal requerimento indeferido, atendendo a que já havia sido proferido anteriormente acórdão pelo STJ.
Em 27.10.97 a ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º da Lei nº. 28/82, de 15.11, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 26º do DL nº.
329-A/95, de 12.12 (aditado pelo DL nº. 180/96, de 25.09) e do artigo 816º, nº.
3 do CPC, introduzido pelo DL 329-A/95, em virtude de, na interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, ter sido retroactivamente aplicado o referido no novo preceito do nº. 3 do artigo 816º do CPC a embargos de executado apresentados em 23.09.93.
O recurso não foi admitido. Disse-se no pertinente despacho:
(...) O prazo de recurso para o T.C. é de 8 dias (artº. 74º da Lei
28/82 de 15/11 e 85/89 de 7/9) prazo esse que se conta continuamente nos termos do artº. 144º nº. 2 que terminou em 21/10/97.
Deste modo e nos termos do artº. 76º nºs. 1 e 2 daquelas leis indefere-se o requerimento de interposição de recurso ora em apreço?(...).
Desta decisão, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº. 4 da Lei nº. 28/82, de 15.11, tendo, em síntese, alegado, a reclamante:
?(...) Em 22/10/97, quarta-feira, a recorrente apresentou recurso deste Acórdão para o Plenário das secções cíveis.
Em 27/10/97, segunda-feira, admitindo que, face às alterações introduzidas, já não caberia recurso daquele Acórdão, para o Plenário das Secções, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional. Em princípio, o prazo de 10 dias para a interposição deste recurso terminou em 23/10/97, quinta-feira; assim, considerando-se dois dias de atraso, esse prazo terminaria em 25/10/97, sábado, transitando para 27/10/97, segunda-feira.
Porém, entende-se que o nº. 2 do artigo 75º da Lei nº. 28/82 de 15 de Novembro é aplicável ao recurso apresentado em 22/10/97, uma vez que este preceito legal prevê que o fundamento da não admissão seja a ?irrecorribilidade da decisão?. Assim sendo, em 27/10/97 ainda não se teria iniciado o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional?.
(...) , se se considera aplicável à interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a nova regra da continuidade do art. 144º do CPC, que incluiu na contagem os sábados, domingos e feriados, então também deve considerar-se aplicável a compensatória elevação do prazo dos recursos de 8 para
10 dias, introduzida pela nova redacção do art. 658º do CPC; o contrário seria iníquo, arbitrário e ilógico.
(...) , porque a redução do prazo de recurso para o Tribunal Constitucional em relação ao prazo de recurso para qualquer outro Tribunal, violaria os princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica, consagrados nos artigos 13º. e 18º da Constituição.
E last but not least ? se for entendido que é aplicável ao recurso apresentado em 22/10/97 para o Plenário das secções cíveis o disposto no nº. 2 do artigo 75º da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, então nem sequer será necessário ter em conta os argumentos antecedentes, uma vez que, em 27/10/97 ainda nem sequer tinha começado a correr o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Face ao exposto, requere-se que seja revogado o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 77º da Lei nº. 28/82, de 15/11, seguindo-se os demais trâmites?.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência da presente reclamação.
2 - A presente reclamação visa obter decisão sobre a admissibilidade do recurso, por revogação do despacho que indeferiu a respectiva admissão, o que impõe a análise da questão de saber qual o prazo para interposição do recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, atendendo às disposições constantes dos Decretos- Lei nº. 329-A/95, de 12.12 e nº. 180/96, de 25.09 em conjugação com as disposições da Lei nº. 28/82, de
15.11, com as alterações introduzidas pelas Lei nº. 143/89, de 26.11, Lei nº.
85/89, de 7.09 e Lei nº. 88/95, de 1.09 e até à entrada em vigor da Lei nº.
13-A/98, de 26.02.
Para além deste aspecto, importa ainda esclarecer se o requerimento da reclamante em que solicitou que o julgamento de recurso ocorresse em plenário das secções cíveis do STJ suspende ou não o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
3 - Relativamente à primeira questão, na vigência da Lei nº. 28/82, de 15.11, com as alterações introduzidas pelas Lei nº. 143/89, de 26.11, Lei nº.
85/89, de 7.09 e Lei nº. 88/95, de 1.09, dispunha o seu artigo 75º, nº. 1 que ?O prazo para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 8 dias
(...).
A assim vulgarmente designada ?Reforma do Código de Processo Civil? operada pelos Decretos-Lei nº. 329-A/95 e 180/96, fixou uma nova regra de contagem de prazos processuais, passando o artigo 144º, nº 1 do Código de Processo Civil a ter a seguinte redacção:
?O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes?.
Tal disposição entrou plenamente em vigor em 1 de Janeiro de 1997, vigorando, portanto, no momento de interposição, pela ora reclamante, do recurso para o Tribunal Constitucional ? a saber: 27.10.97, (cfr. fls. 27 e 28 dos presentes autos de reclamação).
Pretende a reclamante, porém, que ao referido prazo se aplique a
?tabela? de conversão de prazos judiciais constante do artigo 6º, nº. 1 que inicia o capítulo das Disposições Finais e Transitórias do Decreto-Lei nº.
329-A/95, nomeadamente a respectiva alínea b) que ?converte? em prazo de 10 dias os prazos processuais cuja duração seja igual ou superior a 5 e inferior a 9 dias.
Contudo, não lhe assiste razão.
É certo que o artigo 6º nº 1 procedeu à ?conversão? de prazos processuais em função da sua nova forma de contagem, pretendendo com isso evitar um efectivo encurtamento dos prazos até então estabelecidos.
Simplesmente a esta regra de ?conversão? excepcionou o nº 2 do mesmo artigo 6º ?os prazos directamente estabelecidos nos diplomas que regem o processo constitucional?.
E daí que o prazo de 8 dias, fixado no artigo 75º nº 1 da LTC, na redacção então em vigor, se tenha mantido com a mesma duração.
À letra da lei, assim inequívoca, acresce a razão que o Exmo. Magistrado do Ministério Público aduz no seu parecer: integrada a regulação do processo constitucional na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 164º alínea c) e 166º nº 2 da CRP) nunca poderia um decreto-lei, credenciado embora por autorização parlamentar, alterar o que consta da Lei do Tribunal Constitucional.
Mantido assim o prazo de 8 dias, ter-se-ia igualmente como inalterada a forma de contagem dos prazos tal como a prescrevia o artigo 144º nº
3, do CPP, na redacção dada pelo artigo 1º do D.L. nº 381-A/85, de 28 de Setembro?
Entende-se que sim.
A regra que determina a aplicação das normas do Código do Processo Civil aos processos de fiscalização concreta flui do artigo 69º da LTC (não do artigo 56º nº 1 que apenas se aplica aos processos de fiscalização abstracta), onde se estabelece que à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional
?são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação?.
Não constando da LTC, quanto aos processos de fiscalização concreta, qualquer norma sobre a contagem dos prazos é a eles aplicável o artigo 144º do CPC.
Ora, a aplicação do artigo 144º do CPC, na redacção anterior à que lhe foi dada pelos D.L. nºs 329-A/95 e 180/96 ? ou seja, com suspensão durante sábados, domingos e feriados - só seria defensável se a remissão para o CPP fosse estática e não dinâmica.
Mas sendo esta a que se faz para um lugar normativo formal (cfr. Dias Marques ?Introdução ao Estudo do Direito?, p. 171 e segs.), seja qual for a configuração que ele vá assumindo - o que implicaria a aplicação das normas respeitantes a determinado instituto jurídico, mesmo em caso de alteração da legislação aplicável a esse instituto ? resulta do citado artigo 69º da LTC que o legislador, no caso, fixado o prazo de recurso no artigo 75º da mesma lei, se
?desinteressou? do conteúdo concreto que fossem assumindo outras normas do CPC, sobre matérias não especialmente reguladas na LTC, incluindo, portanto a do modo de contagem dos prazos.
Isto não obsta a que, verificando o legislador que a evolução da norma emitida conduz a resultados menos desejáveis, não venha a alterar o quadro normativo onde se opera a remissão, como, aliás, aconteceu com a nova redacção dada ao artigo 75º nº 1 da LTC ? o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional passou de 8 para 10 dias ? o que, aliás, só se compreende na pressuposição de que aquele prazo, na sua contagem, passara a obedecer às novas regras do CPC..
Em suma, pois, à data da interposição do recurso, o prazo era de 8 dias, contados nos termos do artigo 144º nº 1 do CPC na redacção dada pelo D.L. nº 329-A/95, tal como se decidiu no despacho reclamado
E nem se diga que assim se mostra violado os princípios da igualdade e da segurança jurídica.
Na verdade, nenhum comando constitucional impõe que os prazos de interposição de recurso sejam iguais em todas as espécies de recurso.
A aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil e, em especial, as respeitantes ao recurso de apelação, aos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, resulta da livre opção do legislador, que bem poderia estabelecer regras próprias quer sobre os prazos de interposição de recurso ? o que, aliás, fez ? quer sobre a sua forma de contagem.
O recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta, está sujeito a regras específicas, algumas delas plasmadas na Lei Fundamental e prossegue fins próprios, sendo, como se disse, da competência exclusiva da Assembleia da República legislar os seus trâmites processuais.
Trata-se, pois, de uma realidade distinta e, assim, incomparável com os restantes recursos regulados no Código de Processo Civil ou em outros diplomas, razão suficiente para injustificar o apelo feito pelo recorrente ao princípio da igualdade.
E também não pode dizer-se infringido o princípio da segurança jurídica pois, vigorando a nova regra sobre contagem de prazos processuais desde
1/1/97 quando o recurso foi interposto em 27/10/97, não se pôs em causa um
?mínimo de certeza nos direitos das pessoas a nas suas expectativas juridicamente fundadas? (cfr. Parecer da Comissão Constitucional nº 14/82 in
?Parecer da Comissão Constitucional?, vol. 19, p.p. 183 e segs).
Aquele princípio não garantiria ao recorrente a inalterabilidade das regras sobre prazos de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e muito menos qualquer expectativa de esse prazos se manterem idênticos aos de interposição dos restantes recursos.
Não colhe, consequentemente, a argumentação do reclamante quanto a esta primeira questão.
4 - Há, contudo, que analisar se o requerimento em que a ora reclamante solicita que o recurso interposto no STJ seja julgado em Plenário das Secções Cíveis, datado de 22.10.97, a fls. 21 a 24 destes autos de reclamação, constitui ?recurso ordinário? que, nos termos do artigo 75º, nº. 2 da LTC, suspende o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional enquanto não se torne definitiva a decisão de não admissão de tal recurso.
Desde logo, há a salientar que ao tempo da entrada em juízo do referido requerimento para que o julgamento se fizesse no STJ no Plenário das Secções Cíveis ? 22.10.97, já o STJ se havia pronunciado sobre a questão pendente por acórdão proferido em 9.10.97, dele tendo sido notificada a ora reclamante em 13.10.97 (segundo os elementos constantes destes autos de reclamação), mostrando-se, assim, esgotado o respectivo poder jurisdicional.
O aludido requerimento foi junto aos autos em 22.10.97, requerendo a aplicação do artigo 732º-A do CPC ? julgamento ampliado para uniformização de jurisprudência ? sendo manifestamente extemporâneo, por já ter sido proferida decisão pelo STJ no processo, pelo que ele se não pode configurar como de interposição de recurso ordinário ou de aclaração do acórdão do STJ proferido em
9.10.97, actos processuais que se admite poderem, ao abrigo do artigo 75º, nº. 2 da LTC, suspender o prazo para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, aproveitando ao ora reclamante.
Mas, também quanto a esta questão, colhe a argumentação expendida no parecer do Exmº. Procurador-Geral Adjunto quando afirma que o requerimento
?atípico? em que se pedia a intervenção do plenário do STJ num recurso já julgado não representa a interposição de um recurso em que se impugne perante um
órgão jurisdicional o acórdão inicialmente proferido, mas tão-somente o exercício, manifestamente intempestivo, da faculdade que o nº. 2 do art. 732º-A outorga às partes; e, como tal, não é susceptível de integrar o preceituado no nº. 2 do art. 75º da Lei nº. 28/82.
5 - Decisão
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em UCs.
Lisboa, 23 de Junho de 1998 Artur Mauricio Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa