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Proc. nº 710/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - Em 17 de Setembro de 1992 o Ministério Público instaurou contra o ora reclamante, A., no Tribunal da Comarca do Porto, acção de investigação oficiosa de paternidade, com vista ao reconhecimento da paternidade do menor A.F., filho de M..
2 - No âmbito da instrução do processo o Ministério Público requereu, em 16 de Março de 1993, a realização de exames hematológicos ao réu, ora reclamante, à mãe do menor e ao próprio menor. Solicitados os exames ao Instituto de Medicina Legal, os dois últimos faltaram, sem justificação, em todas as datas em que esses exames foram marcados. Nessa sequência o Ministério Público requereu, em
12 de Julho de 1995, que a mãe do menor fosse presente, sob custódia, no Instituto de Medicina Legal, com vista à realização dos referidos exames, requerimento que foi indeferido pelo tribunal com fundamento na ilegalidade da obrigação de submissão a exames hematológicos.
3 - Inconformado com essa decisão, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por decisão de 23 de Abril de 1996, decidiu confirmar o despacho recorrido, negando provimento ao recurso interposto.
4 - Deste acórdão agravou o Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça que, por aresto de 11 de Março de 1997, decidiu conceder provimento ao recurso, determinando que o Juiz de 1ª Instância proferisse despacho a ordenar que M. comparecesse, sob custódia, se necessário, acompanhada do seu filho menor A.F., no Instituto de Medicina Legal do Porto, a fim de que ambos se submetessem, mesmo contra a sua vontade, a exames hematológicos.
5 - Inconformado com esta decisão o ora reclamante veio arguir a nulidade da mesma, invocando nesta altura, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade do disposto no art. 519º nº 1 do Código de Processo Civil, por violação do disposto nos artigos 25º, 26º e 27º da Constituição.
6 - O Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 3 de Junho de 1997, indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, por entender que nem existiam quaisquer fundamentos de nulidade da decisão - não tendo sequer sido invocados pelo requerente - nem, mesmo a existirem, o requerente tinha legitimidade para recorrer uma vez que não foi vencido na decisão recorrida.
7 - Em 20 de Junho de 1997 o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade, recurso que não foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 1 de Julho de 1997, com fundamento na falta de legitimidade do recorrente.
8 - Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou o arguido, em 9 de Julho de 1997, a reclamação para o Tribunal Constitucional que agora se aprecia.
9 - Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, com fundamento em que o ora reclamante não suscitou, durante o processo, podendo tê-lo feito, a questão de inconstitucionalidade que é objecto do presente recurso, pelo que, faltando um pressuposto essencial do tipo de recurso interposto, fundado na alínea b) do nº
1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a presente reclamação terá que ser julgada improcedente.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentação
10 - O recurso previsto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional - que foi o interposto pelo ora reclamante - pressupõe, para além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua interpretação normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Ora, constitui desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs
62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do T.C., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo quando tal se faz em tempo de o Tribunal recorrido a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver, o que exige que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita (ou seja: em regra, antes da prolação da sentença).
Em consequência, tem este Tribunal entendido de forma reiterada que, em princípio, não constitui meio idóneo para suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de arguição de nulidades da decisão. Nesse sentido escreveu-se, por exemplo, no supra citado acórdão nº 450/87 'Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão, nem torna esta obscura ou ambígua, há-de ainda entender-se - como este Tribunal tem entendido - que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade...'. É esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, que agora, mais uma vez, há que reiterar.
Também no caso que é objecto dos autos o recorrente apenas suscitou pela primeira vez a questão da inconstitucionalidade do artigo 519º nº 1 do Código de Processo Civil no requerimento de arguição de nulidades da decisão do Supremo Tribunal de Justiça - tendo tido oportunidade processual de o fazer antes, uma vez que foi notificado quer do agravo (e respectivas alegações) do Ministério Público interposto do despacho do Tribunal de 1ª Instância quer do agravo interposto na 2ª Instância, onde se propugnava pela aplicação do art. 519º do Código de Processo Civil com o sentido que acabou por fazer vencimento no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça -, o que implica que já não se possa considerar, de acordo com o entendimento antes expresso, como tendo a questão sido suscitada durante o processo. Não tendo, pois, sido suscitada durante o processo a questão da constitucionalidade do art. 519º do Código de Processo Civil, conforme exige a al. b) do nº 1 do art. 70º da lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da qual
é interposto o recurso, tal obsta, só por si, à possibilidade de conhecimento do respectivo objecto.
11 - Acresce que, no caso, uma outra razão sempre obstaria à possibilidade de conhecimento do objecto do recurso que o reclamante pretendeu interpor. É que o recurso de constitucionalidade foi interposto não da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu conceder provimento ao agravo em 2ª Instância interposto pelo Ministério Público, determinando que o Juiz de 1ª Instância proferisse despacho a ordenar que M. comparecesse, sob custódia, se necessário, acompanhada do seu filho menor A.F., no Instituto de Medicina Legal do Porto, a fim de que ambos se submetessem, mesmo contra a sua vontade, a exames hematológicos, mas da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o requerimento de arguição de nulidades, quando foi aquela, e não esta, que aplicou a norma do art. 519º do Código de Processo Civil com o sentido que o recorrente reputa de inconstitucional.
12 - O que antes se disse torna ainda, no caso, inútil, porque dela já nada depende, a discussão sobre a questão - inequivocamente mais complexa - de saber se o réu numa acção de investigação oficiosa de paternidade se pode considerar - para efeitos de aferição da legitimidade para o recurso - parte vencida, face à decisão que determina a terceiros certo dever de cooperação com o tribunal, no caso expresso na submissão forçada à realização de exames hematológicos. É que, na sequência do que antes ficou dito, da questão de saber se reclamante têm ou não legitimidade - ou interesse em agir - para o recurso, não depende já a decisão sobre a admissibilidade do mesmo, e, consequentemente, sobre a procedência da reclamação que ora se julga, uma vez que o mesmo seria sempre de não admitir - por não se verificarem os pressupostos específicos da sua admissibilidade - e, consequentemente, a presente reclamação seria sempre de julgar improcedente.
III - Decisão
Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 17 de Junho de 1998 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza Messias Bento Luis Nunes de Almeida (votei a decisão pelos fundamentos invocados na decisão reclamada) Bravo Serra (com declaração idêntica à do Exmº Conselheiro Luis Nunes de Almeida) José Manuel Cardoso da Costa