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Proc. nº 688/97
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório No processo de expropriação litigiosa por utilidade pública, em que figuram como expropriante a BRISA - Auto-estradas de Portugal, S.A., e como expropriada a Sociedade Agrícola A...,SA, foi proferido acórdão arbitral que fixou a respectiva indemnização em 1.970.760$00.
A expropriada interpôs recurso para o Tribunal Judicial da Comarca de Amarante.
O Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, por sentença de 28 de Dezembro de 1995, julgou parcialmente procedente o recurso, fixando o montante da indemnização em 4.445.040$00.
2. A expropriada interpôs recurso da sentença de 28 de Dezembro de
1995 para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas alegações de recurso, a recorrente sustentou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 24º, nº 2, do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de não considerar como terreno apto para construção o terreno que tem potencial construtivo, por violação do disposto no artigo 62º da Constituição.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Outubro de
1996, julgou o recurso parcialmente procedente, fixando a indemnização em
4.733.640$00.
A expropriada interpôs recursos para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional do acórdão de 14 de Outubro de 1996. O recurso para o Supremo Tribunal não foi admitido, por acórdão de 5 de Junho de 1997.
3. O recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, foi admitido. Nas alegações apresentadas, a recorrente tirou as seguintes conclusões: Nestes termos e nos melhores de Direito e, a) porque o terreno tinha no caso concreto potencialidade construtiva à data da DUP nos 0-50 metros. b) reconhecida por 3 árbitros nomeados pelo Tribunal da Relação do Porto. c) reconhecido por 3 árbitros nomeados pelo juiz da Comarca de Amarante. d) reconhecida pelas regras de ordenamento do território vigentes à data DUP. e) porque as construções que existem na zona se inserem em terrenos idênticos. f) porque se existisse PDM o terreno seria avaliado como de equipamento. g) porque a norma do artigo 24º nº 2 não prevê as situações em que não há PDM à data da DUP. h) porque a inexistência de PDM não Pode prejudicar a expropriada e i) porque a norma posta em causa não permite que no caso concreto se avalia como apto para construção terreno que o é, a Norma do nº 2 do artigo 24º do Código aprovado pelo DL 438/91 de 9/11 é inconstitucional.
A recorrida contra- alegou, tendo concluído do seguinte modo:
1 - O artigo 24º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº
438/91, de 9 de Novembro, ao determinar os critérios orientadores da classificação dos solos para efeitos do cálculo do valor de indemnização não sofre de qualquer inconstitucionalidade. A indemnização a atribuir em processo de expropriação não deixará de ser justa pelo facto de o legislador criar critérios objectivos para a sua determinação.
2 - O legislador constitucional, deixando por definir o conceito de JUSTA INDEMNIZAÇÃO, remeteu para o legislador ordinário a definição dos critérios conducentes à sua concretização, sendo certo que esses critérios terão de respeitar os princípios materiais da Constituição, designadamente o princípio da igualdade.
3 - A JUSTA INDEMNIZAÇÃO, em processo expropriativo, terá de garantir a observância do princípio da igualdade na sua dupla vertente de igualdade no
âmbito da relação interna e de igualdade no domínio das relações extensas.
4 - Para garantir a igualdade interna o legislador 'deverá estabelecer critérios uniformes de cálculo que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação'. No âmbito externo o principio da igualdade impõe que o expropriado não seja especialmente lesado nem favorecido por motivo da expropriação, cabendo-lhe uma compensação integral do dano resultante da afectação dos bens a fins de utilidade pública mas não lhe assistindo qualquer direito a enriquecimento por via dessa afectação.
5 - A JUSTA INDEMNIZAÇÃO deve, pois:
- Ressarcir integralmente o prejuízo material ou patrimonial sofrido pelo expropriado,
- Decorrer de uma valoração objectiva do bem expropriado;
- Excluir factores de pura especulação ou considerações de ordem subjectiva, afectiva ou sentimental;
- Medir-se pelo valor corrente, de mercado, do bem expropriado, pelo preço que um comprador medianamente prudente e avisado estaria disposto a pagar, em condições normais de mercado pela aquisição do bem expropriado.
A JUSTA INDEMNIZAÇÃO NÃO DEVE:
- Corresponder a um valor meramente nominal, irrisório ou simbólico, nem a um valor escasso ou insuficiente para integrar o valor de mercado do bem expropriado;
- Exceder o valor de mercado do bem ou contribuir para um lucro ou ganho injustificado e ilegítimo do expropriado.
6 - Para efeitos de cálculo do valor de indemnização é perfeitamente lícito e correcto distinguir o solo em função da sua aptidão, como solo apto para construção e como solo apto para outros fins.
7 - A classificação do solo como apto para construção, o reconhecimento de capacidade construtiva ao solo, inerente ao JUS AEDIFICANDI depende, como tem sido uniformemente reconhecido por este Tribunal Constitucional, 'da existência de uma potencialidade edificativa efectiva ou muito próxima'. Quando tal potencialidade não existe o solo não pode ser, nem deve ser classificado como apto para construção.
8 - O artigo 24º nº 2 do Código das Expropriações fixa critérios objectivos para o reconhecimento da existência ou inexistência de potencialidade edificativa do solo, critérios suficientemente amplos e abrangentes, correspondentes às exigências de um nível médio de civilização e de qualidade de vida, permitindo contemplar, de forma genérica e abstracta, aqueles casos em que 'existindo uma próxima e efectiva potencialidade edificativa' os terrenos devem ser valorizados em função dessa potencialidade.
9 - Os critérios do artigo 24º garantem a observância do princípio da igualdade no domínio das relações externas e obstam aos processos de mera especulação, às classificações subjectivas e arbitrárias do solo e a fixação de valores desiguais entre vizinhos decorrentes de situações nem sempre as mais transparentes.
IIFundamentação
5. O artigo 24º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto- Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, tem a seguinte redacção:
2 - Considera-se solo apto para a construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública.
A conformidade à Constituição desta norma já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 194/97, de 11 de Março de 1997, do qual se junta cópia.
Neste aresto, o Tribunal Constitucional considerou que o artigo 24º, nº 2, do Código das Expropriações, permite que no cálculo do valor dos bens expropriados o ius aedificandi seja efectivamente considerado 'como um dos factores de fixação valorativa'.
Entendeu, porém, que apenas uma 'muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' impõe que na determinação do valor do terreno expropriado se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. De seguida, afirmou que tal só se verifica 'quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção'.
A final o Tribunal Constitucional concluiu que a norma impugnada assegura o pagamento de indemnizações justas aos expropriados e, em consequência, decidiu não julgar inconstitucional o artigo 24º, nº 2 , do Código das Expropriações.
É esta a orientação que se seguirá nos presentes autos.
6. A recorrente sustenta, no entanto, que os peritos reconheceram a potencialidade construtiva do terreno expropriado. Ora, o presente recurso de constitucionalidade tem apenas por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 24º, nº 2, do Código das Expropriações, tal como foi aplicado pela decisão recorrida, não cabendo ao Tribunal Constitucional proceder à qualificação dos terrenos expropriados. Nessa medida, não se discutirá a potencialidade construtiva dos referidos terrenos.
Assim, e não existindo qualquer outro argumento que cumpra apreciar, acolhe-se o entendimento constante no Acórdão nº 194/97 (pelo que se remete para os respectivos fundamentos), concluindo-se que a norma contida no artigo 24º, nº
2, do Código das Expropriações, não colide com o disposto nos artigos 13º e 62º da Constituição.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 24º, nº 2, negando provimento ao recurso e confirmando, consequentemente a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 2 de Dezembro de 1998 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa