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Processo nº 678/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que
é recorrente A..., e recorrida E..., pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, não tendo as partes oferecido qualquer resposta, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 4
(quatro) UC's.
Lisboa, 13 de Maio de 1998 Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Vitor Nunes de Almeida Artur Mauricio Maria Helena Brito Luis Nunes de Almeida Processo nº 678/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro.
1.- A..., que ora recorre, foi demandado, com sua mulher, na comarca de Lisboa, por E..., em acção de despejo na forma sumária com o fundamento de necessitar da casa a ele locada para habitação própria, devendo, para o efeito, julgar-se válida a denúncia do contrato de arrendamento a partir de 30 de Abril de 1992, com o consequente despejo.
Correu o processo termos no 8º Juízo Cível daquela comarca e, em sede de saneador, a acção foi julgada improcedente, tendo o Juiz acolhido a tese da caducidade do direito à denúncia do contrato, defendida pelo locatário, dado o facto de este habitar há mais de vinte anos o espaço locado.
Recorreu a autora e o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Maio de 1995, ordenou o prosseguimento dos termos da acção por julgar improcedente a alegada excepção de caducidade. Considerou-se, com efeito, que o prazo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, não é de caducidade e, de resto, in casu, ainda não tinha decorrido integralmente o prazo de trinta anos (actualmente em vigor).
Em consequência do assim decidido, baixaram os autos à
1ª Instância e aí culminaram com decisão que julgou a acção procedente e provada, decretando-se o despejo peticionado.
Não se conformou o arrendatário que recorreu, novamente, para a Relação, de apelação, pedindo a revogação da sentença.
Em seu modo de ver, o direito de denúncia da autora já tinha precludido, por caducidade, quando a acção foi proposta, justificando-se a revogação do decidido tendo em conta que, pelo disposto nos artigos 12º e 297º do Código Civil, o prazo de trinta anos a que alude aquela alínea do nº 1 do artigo 107º citado não se aplica ao caso presente e viola o princípio da segurança e certeza jurídicas. Do mesmo passo, pede que seja 'declarada' a inconstitucionalidade orgânica da norma referida porque o Governo extravasou os limites da autorização legislativa contida na Lei nº 42/90, de 10 de Agosto - que não contém qualquer norma a autorizar a alteração do prazo para o exercício do direito de denúncia pelo senhorio - devendo ser igualmente declarada a
'ilegalidade material' da mesma norma, em razão de violar o disposto na alínea c) do artigo 2º dessa Lei nº 42/90.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 2 de Outubro de
1997, confirmou a sentença recorrida, negando provimento ao recurso.
Debruçando-se sobre a problemática relativa ao citado artigo 107º - saber se o prazo nele previsto é de caducidade ou não - considerou-se que essa questão ficou definitivamente julgada no primeiro aresto da Relação e, como tal, transitou em julgado, não podendo, agora, voltar a ser conhecida, sob pena de violação do respeito devido ao caso julgado (o valor da acção e o regime de alçadas não permitiram outro recurso).
Confrontando a equacionada questão de inconstitucionalidade, o acórdão acaba por a afastar, uma vez que 'a decisão proferida por esta Relação que considerou o prazo de 30 anos do artigo 107º, nº
1, alínea b), aplicável ao caso presente, e que revogou a decisão da 1ª Instância que tinha considerado [o] prazo de vinte anos, previsto na redacção anterior, como sendo de caducidade, tem a data de 4 de Maio de 1995 e nos oito dias seguintes não foi interposto qualquer recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional - Lei nº
28/82, de 15 de Novembro), pelo que teremos, também aqui, de considerar que transitou em julgado tal questão'.
Reagiu o demandado, interpondo recurso para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento que veio completar após convite feito, já neste Tribunal, ao abrigo do artigo 75º-A da Lei nº 28/82.
Pretende recorrer ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º deste diploma legal, alinhando, para o efeito, duas ordens de razões:
- a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que res peita a matéria da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República [alínea h) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, hoje artigo 165º], não dispondo o Governo de credencial parlamentar para alterar o prazo de denúncia pelo senhorio;
- mas também a mesma norma sofre de ilegalidade material, pois viola directamente o artigo 2º da Lei nº 42/90, sendo que, por força do nº 2 do artigo 115º da Constituição (hoje artigo 112º), o decreto-lei autorizado deve subordinar-se à lei de autorização.
Assim, no entender do recorrente, o Tribunal da Relação violou o artigo 207º da Constituição (hoje artigo 204º), mais considerando que se o Tribunal da 1ª Instância julgou em obediência ao Tribunal da Relação, sem a independência que devia preservar (sic), então existiu violação do artigo 206º da Lei Fundamental (hoje, artigo 203º).
2.- O recurso de constitucionalidade foi admitido pelo Desembargador relator, o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional: nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Ora, entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso.
Na verdade, fundamenta o recorrente a sua iniciativa nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma legal.
2.1.- Diz-nos a alínea b) caber recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
De acordo com impressiva, reiterada e uniforme jurisprudência, o recurso com base nesta alínea pressupõe, necessariamente, a congregação de vários requisitos de admissibilidade. Em síntese, pode afirmar-se ser imprescindível a suscitação prévia - durante o processo, na acepção unanimemente professada nessa jurisprudência - da questão de constitucionalidade normativa, que a norma questionada tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida - nela se assumindo como ratio decidendi - e, por fim, que já não seja admissível recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotado os que no caso cabiam.
Na sequência deste entendimento, verifica-se que o acórdão recorrido não aplicou, explícita ou implicitamente, a norma do artigo
107º do RAU, limitando-se a afirmar que a questão de caducidade inerente a essa norma já se encontra definitivamente decidida no primeiro acórdão da Relação, que transitou em julgado, não podendo, agora, reconsiderar-se o anterior juízo, seja no que respeita à subsunção do caso vertente a essa previsão legal, seja no tocante às controvertidas dimensões da sua conformação constitucional, considerando o disposto nos artigos 671º, nº 1, e 677º do Código de Processo Civil (sobre o trânsito em julgado da decisão).
Ou seja, estas é que foram as normas efectivamente aplicadas no acórdão e não a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU, sobre a qual a Relação nem sequer se debruça, sob pena de ofender o caso julgado.
Não se verifica, assim, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 - independentemente do que poderia a vir a entender-se quanto à suscitação atempada da questão.
2.2.- Igual sorte merece o recurso se considerado interposto nos termos da alínea f), a qual, manifestamente, nada tem a ver com a situação subjacente
(para além de também aqui se colocar o problema da oportuna suscitação).
Com efeito, o recurso por esta via só seria de admitir se o tribunal recorrido tivesse aplicado norma cuja ilegalidade fosse anteriormente suscitada com fundamento em violação de lei com valor reforçado, violação de estatuto de região autónoma ou de lei geral da República, tratando-se de norma constante de diploma regional ou violação do estatuto de região autónoma, sendo caso de norma emanada de um órgão se soberania.
Sendo de afastar, obviamente, qualquer destas últimas duas hipóteses e independentemente de se saber se a Lei nº 42/90 pode ser qualificada como de valor reforçado (cfr., a este respeito, o acórdão nº
1103/96, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Dezembro de 1996 e os lugares aí citados e o disposto no nº 3 do artigo 112º da CR, na actual redacção), o certo é que, tal como no caso anterior, a normação aplicada na decisão recorrida é outra, exigindo a referida alínea f), talqualmente a alínea b), uma decisão aplicativa, neste caso de norma de valor infraconstitucional
(cfr., o acórdão nº 51/92, publicado no jornal oficial citado, II Série, de 11 de Junho de 1992).
3.- Em face do exposto, emite-se parecer no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.