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Proc. nº 204/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que são recorrentes M. A. e mulher, Mra. A., sendo recorrido o Ministério Público, foi oportunamente lavrada decisão sumária, de 18 de Setembro último, em que, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), se decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Notificados, reclamam agora os recorrentes para a conferência, nos termos do nº 3 daquele artigo 78º-A, alegando que, tendo a reclamação por objecto conferir os factos alegados na interposição do recurso, a análise feita à fundamentação da decisão sumária leva a concluir que não se tenha observado a reclamação ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a quem foi, de resto, dirigido o recurso pelo que, em seu modo de ver, 'foram esgotados todos os meios, considerando-se todas as decisões 'definitivas', anteriormente ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional'.
Pedem, assim, que, atendida a reclamação, se admita o recurso.
Respondeu o recorrido, no sentido da manifesta improcedência da reclamação deduzida.
Cumpre decidir.
2. - É do seguinte teor a decisão reclamada:
'1.1. - Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que são recorrentes M. A. e mulher, Mra. A., sendo recorrido o Ministério Público, atravessaram aqueles requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nas alíneas b), c) e i) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por não se conformarem com o despacho de 27 de Fevereiro de 1998, do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu a reclamação por eles deduzida a 26 de Setembro de
1997 e o agravo entrado em 2 de Outubro seguinte no Tribunal da Relação do Porto.
1.2. - Com efeito, o Conselheiro relator lavrou despacho nos autos, a 27 de Fevereiro último, no qual, tem em consideração que os recorrentes agravaram, em
25 de Junho de 1997, do despacho do Desembargador relator que não lhes admitiu o recurso por eles interposto de uma decisão do Juiz do Tribunal de Trabalho de Lamego, de novo agravando, em 30 de Setembro do mesmo ano, de outro despacho do mesmo relator que lhe indeferiu um seu requerimento no sentido de o primeiro ser submetido à conferência. Consoante se lê da respectiva peça processual, nos termos do nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil, 'cabe recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso [...]', o que não é o caso: os recursos foram interpostos de despachos e não de acórdãos e daí a sua inadmissibilidade, uma vez que as decisões recorridas não são susceptíveis de impugnação pela via do recurso.
2. - Compulsados os autos, de leitura e coordenação difíceis, tantos são os recursos e os incidentes que os enxameiam, e circunscrevendo-nos, como é óbvio,
às decisões indicadas pelos interessados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional, verifica-se: a) em 25 de Junho anterior, os ora recorrentes apresentaram 'reclamação a ser submetida à conferência' relativa a despacho do Desembargador relator de 11 desse mesmo mês que não lhes admitiu o recurso interposto a fls. 285, de 19 de Outubro de 1995, de agravo de despacho de fls. 280 e 281, proferidos pela Juíza do Tribunal de Trabalho de Lamego; b) o Desembargador relator, a 15 de Setembro de 1997, entendeu ser de indeferir o requerimento de reclamação para a conferência, dado o nº 3 do artigo 700º do CPC expressamente ressalvar da submissão à conferência do despacho do relator de não admissão do recurso, 'nos termos do artigo 688º, para o qual expressamente remete e cujos trâmites haveriam de ser seguidos'; c) notificados desse indeferimento, em 30 de Setembro de 1997, agravaram da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça por considerarem, nomeadamente: que os despachos de 11 de Junho e de 15 de Julho (terá querido escrever Setembro)' contrariam o disposto nos artigos 2º e 3º do CPC (princípio do contraditório/proibição das «decisões surpresa»)', tal como o disposto no nº 4 do artigo 700º do CPC, 'pois que as questões suscitadas impunham a decisão dos Senhores Doutores Juízes-Adjuntos'.
3. - Este é, consequentemente, o núcleo decisório que mereceu ao Conselheiro relator o despacho de não recebimento, de 27 de Fevereiro de 1998, ora impugnado.
4. - Neste Tribunal Constitucional, o ora relator, em 6 de Julho, ordenou a notificação dos recorrentes, ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, para indicarem, claramente: de que decisão pretendiam recorrer; que norma (ou normas) pretendem ver apreciada; que norma ou princípio constitucional consideram violada; em que peça processual suscitaram anteriormente a questão. Respondendo, os recorrentes enumeram: a) as diversas decisões proferidas ao longo dos autos, seja ao nível do Tribunal de Trabalho de Lamego, seja ao do Supremo Tribunal de Justiça, passando pelo da Relação do Porto (e são mais de uma dezena); b) as normas substantivas e processuais que nos vários recursos alegaram ter sido violadas; c) as normas constitucionais dos artigos 13º, nº 2, 16º, 20º, nºs. 1 e 5 e 208º. E, resumindo, concluem:
‘Termos em que este Tribunal Constitucional deve admitir o presente recurso, com o objecto de Anular Hasta Pública a, realizada em 9 de Novembro de 1995 concedendo-se o respectivo Apoio Judiciário aos recorrentes, ordenando-se a Baixa do Processo ao Tribunal de Trabalho de Lamego, com o Objecto de se proceder a um peritagem, procedendo-se cfr, o estatuído no nº 2 do Artº 886-A e
893º do C.P.C., para depois de devidamente identificado, proceder-se à venda por carta Fechada, porque só aplicando-se estas normas se fará a costumada: Justiça.’
5. - O recurso para o Tribunal Constitucional seria recebido pelo Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 14 de Março de 1998, após considerar que a fls. 285, 474 e 460 dos autos os requerentes 'aludem, bem ou mal, não cumpre aqui apreciar, à violação do texto constitucional'. No entanto, o Tribunal Constitucional não está vinculado a essa decisão (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
6. - Escreveu-se no acórdão nº 269/94 deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994:
‘Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que
[...] tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.’
A transcrição feita reflecte, de resto, o entendimento jurisprudencial unânime e reiteradamente conferido à matéria e decorre, naturalmente, da necessidade de se enunciarem com clareza e univocidade os requisitos de admissibilidade do recurso, pressupostos de verificação necessária para que o tribunal possa conhecer do objecto deste. No entanto, não cabe recurso de constitucionalidade de todas as decisões judiciais que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada no processo, pois o recurso só tem lugar de decisões que constituam já decisão definitiva na ordem judicial de onde provêm, por já não admitirem recurso ordinário, em virtude de a lei não o admitir ou de terem sido esgotados os que a lei admite (cfr. os nºs. 2 a 4 do artigo 70º da Lei nº 28/82). A lógica desta solução - como se ponderou no acórdão nº 21/87, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1987 e em numerosos outros arestos - ‘consiste em só admitir a intervenção do Tribunal Constitucional quando a questão tenha sido examinada e decidida por todas as instâncias possíveis na ordem judicial respectiva, por forma a não facilitar o levantamento gratuito de questões de inconstitucionalidade e de modo a poupar a intervenção desnecessária do Tribunal Constitucional’.
7. - No concreto caso, é óbvio não nos encontramos perante decisões
'definitivas': do despacho que não admite o agravo cabe reclamação para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso, como nos diz o nº 1 do artigo 688º do Código de Processo Civil. E só desta última decisão
é que há recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. citado artigo 70º, nºs. 2 a 4).
8. - Os recorrentes desenvolvem toda a sua argumentação em termos subsumíveis - sem entrar na apreciação, por desnecessário, da sua correcta equacionação - à alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, se bem que convoquem, igualmente, as alíneas c) e i). No entanto, em ponto algum dos articulados ou em qualquer outra peça processual justificam essa invocação, sendo certo que nem sequer se refere ter havido qualquer recusa de aplicação de norma caracterizada por alguma daquelas alíneas.
9. - Em face do exposto, e sem necessidade de maior desenvolvimento, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (redacção da Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro), decide-se não conhecer do objecto do recurso.'
3. - A reclamação dos recorrentes em nada contraria o que na decisão transcrita se registou.
É certo que, nesta, não se alude à reclamação dirigida em 26 de Setembro de 1997 ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - e que integra um dos onze apensos aos autos, a ela fazendo menção a acta de fls. 445-V destes autos. E não se alude uma vez que só iria, sem interesse processual algum, adensar o que o recorrido houve por bem qualificar de 'inadmissível confusão processual' que os recorrentes têm logrado construir e manter ao longo dos autos.
Na verdade, e porque a mencionada reclamação não chegou a Ter andamento por razões que a este Tribunal Constitucional obviamente não respeitam, a consideração da mesma, a ter algum efeito, só serviria para reforçar o tese da decisão sumária sobre a ausência de definitividade decisória.
Não é esta, de resto, a via idónea para lançar mão do recurso de constitucionalidade - impugnando todas as decisões proferidas pelas várias instâncias no decurso do processo, 'por atacado' ou 'a granel' como, expressivamente, observa a entidade recorrida na sua resposta.
4. - Pelos fundamentos expostos, decide-se: a. manter a decisão sumária de não conhecimento do recurso; b. condenar os reclamantes nas custas, com taxa de justiça que se fixa em
_15___ unidades de conta. Lisboa, 12 de Novembro de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida