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Processo nº 488/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio interpor “Recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (...), nos termos dos arts. 280º nº 1 a) e nº 3 da Constituição e
70º nº 1 a) e 72º nº 3 da Lei nº 28/82”, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Março de 2001, “visto que o acórdão recorrido recusou a aplicação do art. 366º do CPP de 1987 no sentido que lhe foi dado pelo Assento nº 10/2000 do S.T.J. de 19-10-00, publicado no D.R. nº 260, I-A, de 10 de Novembro, de que a declaração de contumácia aí referida ‘constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal’, por tal interpretação enfermar de inconstitucionalidade orgânica”.
2. Nas suas alegações concluiu assim o Ministério Público recorrente:
“1º - A jurisprudência constitucional, posterior ao Acórdão nº 281/01, tem elaborado – para o específico fim de determinar a ordem de prioridade ou precedência entre os recursos “obrigatórios” previstos no artigo 446º do Código de Processo Penal e 70º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/82 – um conceito específico e autónomo de “recurso ordinário”, assente, em termos teleológicos e funcionais, na articulação das competências do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça – qualificando, consequentemente, como “ordinários”, para o fim previsto no nº 5 do artigo 70º da Lei nº 28/82, os recursos que visam obrigatoriamente submeter à reapreciação do Supremo jurisprudência precedentemente uniformizada e não acatada pelas instâncias.
2º - Neste entendimento, tem precedência sobre o recurso de constitucionalidade o recurso a interpor obrigatoriamente para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento específico naquele artigo 446º, do acórdão da Relação – normalmente irrecorrível – que dissentir do precedente acórdão uniformizador do Supremo.
3º - A norma constante do artigo 336º do Código de Processo Penal de 1987, ao estabelecer que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo penal, em nada colide com os termos da lei de autorização legislativa – Lei 43/86, de 26 de Setembro.
4º - Não podendo configurar-se uma questão de inconstitucionalidade orgânica entre a lei de autorização legislativa e uma autónoma interpretação jurisprudencial de certa norma do decreto lei autorizado, realizada em termos alegadamente extensivos e inovatórios pela ordem dos tribunais judiciais.
5º - Termos em que não deverá conhecer-se do recurso, pelos motivos acima apontados; ou, se assim se não entender, deverá julgar-se improcedente a questão da invocada inconstitucionalidade orgânica da interpretação jurisprudencial da norma constante do artigo 336º do Código de Processo Penal de 1987”.
3. A recorrida M..., com os sinais identificadores dos autos, não apresentou alegações, limitando-se a informar que “adere às Doutas Alegações e Conclusões proferidas por esse Douto Tribunal”.
4. Cumpre decidir.
O acórdão recorrido, “ao abrigo dos artigos 117º-nº 1, al. c), 119º-nº 1, al. b), 2 e 3 e 120º-nºs , al. c)1 e 2, todos do Código Penal de 1982, e 2º- nº 4 do Código Penal revisto”, declarou “extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra a arguida, dando assim por prejudicado o conhecimento do objecto do recurso”.
O acórdão, depois de enunciar “a questão suscitada no douto parecer emitido pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto de que a declaração de contumácia, por todo o tempo em que essa situação subsistir, configura uma causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal”, avançou “para a dilucidação desta questão, a qual assenta em tese que recentemente veio a obter consagração no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, sob o nº 10/2000, foi publicado na I série A, do Diário da República de 10/11/2000”, nestes termos:
“Acontece que, como tem sido jurisprudência reiteradamente afirmada no Tribunal Constitucional (v.g. o recente acórdão 122/2000 in DR, II série, de 6/6/2000, pp
9712 e 9713), a normação da matéria que se prende com a prescrição do procedimento criminal e das penas, incluindo o estabelecimento de causas de suspensão e de interrupção, insere-se no objecto de reserva relativamente à definição de crimes e penas (art. 165º-nº1, al. “c” da C.R.P. na versão de 1997, como ocorria no art. 168º da versão 1989 e da versão de 1982), reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que pode haver lugar a autorização ao Governo para legislar sobre tais matérias, como, aliás, identicamente sucede no respeitante à regulação do processo criminal.
Precisamente, o artigo 366º de onde o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça extrai o estabelecimento de uma causa de suspensão do procedimento criminal, inscreve-se no Cód. Proc. Penal de 1987, aprovado por diploma governamental – o Dec. Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro -, no uso da autorização conferida pela Lei nº 43/86, de 26 de Setembro”.
E mais à frente:
“Ou seja, não só se não detecta que haja na Lei de Autorização Legislativa nº
43/86 um suporte mínimo para que seja lícito – constitucionalmente lícito – extrair do artº 336º do Cód. de Proc. Penal de 1987 a instituição de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, como tal instituição não era reclamada à luz da perspectiva de suficiência e eficácia que inicialmente suportou a estruturação do sistema da contumácia.
Ora, não sofre dúvidas que os decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas se devam subordinar às correspondentes leis, consoante se encontra expressamente determinado no artº 112º-nº 2 da Constituição da República – como ocorria no art. 115º, nº 2 da versão de 1982, vigente em 1987 -, sendo que a desconformidade com a lei de autorização implica directamente uma ofensa à competência da A.R. e, logo, uma inconstitucionalidade orgânica, pois que se não respeitarem a lei de autorização, elas deixam de ter habilitação constitucional
(cfr. o acórdão do T.C. nº 213/92 in DR, II série de 18/9/92, p 8791, e doutrina aí citada).
E o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça consagrou a referida decisão de fixação de jurisprudência por via de uma interpretação que imprime ao art. 336º do CPP de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei da Autorização Legislativa nº 43/86, de 26 de Setembro, lei que, aliás, não chegou a ser convocada naquele acórdão nº
10/2000”.
5. Prima facie, há que decidir a questão prévia suscitada nas alegações do Ministério Público recorrente, a questão da “inadmissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional” (condensada nas duas primeiras conclusões).
Isto porque, de acordo com o disposto no nº 5 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, na versão do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual, e é o próprio acórdão a reconhecer explicitamente que a decisão proferida vai “contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que tem cabimento a interposição do recurso obrigatório previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal, que impõe ao Ministério Público o dever de recorrer obrigatoriamente de quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo o recurso sempre admissível, e cabendo o reexame ou reapreciação da questão ao próprio Supremo, nos termos do nº 3” (“Tal recurso configura-se, pois, como instrumento processual adequado para submeter à necessária reapreciação do Supremo Tribunal de Justiça a jurisprudência fixada no âmbito de um precedente recurso extraordinário” – acrescenta ainda o Ministério Público).
Depois, quanto a saber se aquele recurso obrigatório se deve qualificar como
“ordinário” ou “extraordinário”, arrima-se o Ministério Público na
“jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional” (na esteira do acórdão nº 281/01,inédito; cfr. o acórdão nº 472/00, onde se identifica essa jurisprudência) largamente transcrita, para concluir assim:
“Orientando-se, deste modo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional para a elaboração de um específico conceito de recurso “ordinário”, teleológica e funcionalmente orientado em torno das relações - e dos poderes cognitivos – do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, autónomo e diferenciado relativamente à natureza que tal recurso detém face à lei adjectiva que rege o “processo-pretexto” – e sendo, nesta perspectiva, irrelevante a existência ou inexistência de normais vias impugnatórias para pôr em crise a decisão recorrida, dentro do ordenamento jurisdicional comum – cumpriria
“esgotar” previamente o recurso tipificado no citado artigo 446º, o que conduz a que se não deva, neste momento, conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional”.
Nada mais há a acrescentar, repetindo aqui a linha de jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido de que “tem precedência sobre o recurso de constitucionalidade o recurso a interpor obrigatoriamente para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento específico naquele artigo 446º, do acórdão da Relação – normalmente irrecorrível – que dissentir do precedente acórdão uniformizador do Supremo” (conclusão 2ª das alegações do Ministério Público).
Com o que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002- Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa