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Processo nº 1120/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1- O..., Ldª, sociedade comercial com sede em Castelo Branco, 'veio reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 77º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro com a redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fevereiro' da decisão constante do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Novembro de 1998, que não admitiu o recurso por ele interposto para este Tribunal Constitucional, por se verificar no caso o seguinte quadro:
'- Nunca antes do recurso inicial, que foi interposto da decisão instrutória, foi colocada a questão da inconstitucionalidade daquelas ou de quaisquer outras normas; (os artigos 302º, nº 4 e 305º, nº 1, do C.P.Penal)
- No referido recurso tal questão não foi suscitada, nem, por isso, discutida;
- Só quando veio arguir a nulidade do primeiro acórdão é que a ora recorrente levanta a questão da inconstitucionalidade das referidas normas.
- Face ao acórdão proferido sobre a alegada nulidade, entende a recorrente que a questão da inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo'. Perante isto, entendeu-se na decisão reclamada, de acordo 'com a jurisprudência sedimentada do Tribunal Constitucional (e citaremos o Ac. nº 122/98 - Proc. nº
113/97 - de 4 de Abril de 1997, publicado no D.R., II Série, nº 99, de 29-4-98 deste Tribunal)' (segue-se a transcrição), que não se verifica o pressuposto da suscitação de uma questão de inconstitucionalidade durante o processo, e também não se verifica 'a circunstância excepcional ou anómala' a que se refere o citado acórdão do Tribunal Constitucional.
2- Na reclamação veio a sociedade comercial reclamante sustentar o que se segue:
'No entender da recorrente e porque o art. 32º, n.º I, parte final da Constituição da República prevê, como garantia do processo criminal, o direito ao recurso para que o Tribunal ad quem possa ter uma percepção clara do recurso eventualmente cabido na, decisão instrutória importa que tenha igualmente conhecimento das posições efectivamente assumidas, a final, pelos diferentes sujeitos processuais designadamente o Ministério Público, o Assistente e o Arguido. As normas dos arts. 302º, n.º 4 e 305º, n.º 1 do C. Proc. Penal, são, pois, a consagração efectiva daquela directiva constitucional. Por assim ser, considera a recorrente, no seu requerimento de arguição de nulidade que os Senhores Juizes Desembargadores ao terem julgado tratar-se de mera irregularidade não tomaram em conta que a violação da concretização legislada de um preceito constitucional, directamente aplicável, nunca poderia ter sido tomada como mera irregularidade. A questão que a recorrente pretendeu ver apreciada - nulidade do Acórdão recorrido por na interpretação sufragada inconstitucionalizar o disposto nas normas dos artigos 302º, n.º 4 e 305º, do C. P. Penal foi-o atempadamente apresentada porquanto na realidade não se podia razoavelmente contar com o julgado do Tribunal da Relação de Coimbra, o qual constituiu, assim 'decisão surpresa'. Pois muito bem: O que a reclamante pretende demonstrar é que a interpretação feita dos artigos 302º, nº 4 e 305º do C. P. Penal quando entendidos no sentido de que basta a mera abstracta menção em acta das posições assumidas pelos sujeitos processuais referidos naquelas normas constitui violação do art. 32º, nº 1 da Constituição da República. Efectivamente, para que tais normas e, em especial, a do, art. 305º do C. P. Penal permitam o direito ao recurso é mister que sejam interpretadas e aplicadas no sentido de que se toma necessário que da acta do Debate Instrutório conste o efectivo sentido assumido por cada um dos referidos sujeitos processuais, quanto à decisão instrutória, não bastando uma mera declaração formulária de que mantêm as posições assumidas nos autos. Como de resto é a justo título salientado por Odete Maria de Oliveira, A Problemática da Vítima de Crimes, Rei dos Livros, 1994, 115.'
3- No seu visto, o Ministério Público opinou que é 'manifesta a improcedência da presente reclamação já que o reclamante - assistente nos autos de processo criminal - não suscitou, de forma adequada e tempestiva, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse servir de suporte ao recurso de constitucionalidade que interpôs'. E acrescenta-se depois:
'Na verdade, a questão de constitucionalidade que enunciou, pela primeira vez, em requerimento de arguição de nulidades do acórdão proferido pela Relação, deveria naturalmente ter sido suscitada, de modo adequado, no âmbito do recurso interposto perante aquele Tribunal, já que tal questão (ligada à natureza do vício procedimental invocado quanto à acta de debate instrutório) se conexionava claramente com o objecto do recurso interposto para a Relação. Deste modo, não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que constituirá objecto do recurso de fiscalização concreta interposto, podendo perfeitamente tê-lo feito, e não se configurando o decidido pela Relação como 'decisão-surpresa', com a qual se não pudesse razoavelmente contar, é evidente a falta dos pressupostos de admissibilidade do vício de constitucionalidade interposto, com base na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82'.
4. Vistos os autos, cumpre decidir. Colhe-se do processo que a reclamante, então constituída assistente nos autos, interpôs recurso para o tribunal da relação da decisão instrutória em que:
'- decidiu-se pronunciar os arguidos O... e M... pelos factos constantes da acusação do Mº Público;
- e quanto ao mais da instrução requerida, não se proferiu despacho de pronúncia, ordenando-se consequentemente, o arquivamento dos autos'. E aquele tribunal, apreciando a questão da nulidade da acta do debate instrutório, pronunciou-se assim, sem equacionar qualquer questão de
(in)constitucionalidade:
'Não se precisará, de dizer muito para demonstrar a sem razão da recorrente.A eventual inobservância da exigência contida no art.º 305º, nº 1, do C. P. Penal, quanto ao conteúdo da 'súmula', não passa de mera irregularidade, com as consequências previstas no art.º I23, do mesmo diploma legal, já que não consta das violações referidas, taxativamente, nos artigos 119º e 120º (art.º 118º, nº
2). Se, como resulta da acta e não é contestado, o mandatário da. assistente estava presente, sendo um dos que usou da palavra; se assistiu à redacção da 'súmula' aí feita; se nada então requereu; não pode agora vir alegar tal violação, como resulta claro do referido artigo 123º, nº1. Nem sequer usou do direito conferido pelo art.º 100º, nº 2, do C. P. Penal. E mesmo que se tratasse de uma nulidade sanável (art.º 120º) sempre a recorrente aceitou o efeito do debate (art.º 121º, nº 1, al. b) que teve lugar no dia
19-02-98, pois só veio recorrer da decisão instrutória e no dia 12-3-98. Não é, obviamente, aplicável ao caso (debate instrutório) o regime aplicável às sentenças (artigos 374º e 379º)'. Desse acórdão, que julgou 'o recurso não provido', confirmando 'decisão recorrida', veio a recorrente arguir a sua nulidade, só então sustentando que não se tomou 'em conta que a violação da concretização legislada de um preceito constitucional directamente aplicável, nunca pode ser tido como mera irregularidade', sendo antes uma nulidade insanável, e que, na interpretação sufragada, se 'inconstitucionaliza o disposto nas faladas normas dos artigos
302º, nº 4 e 305º, nº 1 do Código de Processo Penal' (por acórdão de 23 de Setembro de 1998, foi decidido 'não se verificar qualquer nulidade', pois o que
'a requerente pretende é que este tribunal altere o que, sobre a questão em causa, já decidiu e por não concordar com tal decisão'). Perante este quadro, é bom de ver que, centrando a recorrente, a controvérsia no recurso que interpôs para o tribunal da relação, entre o mais, na pretensa nulidade da acta do debate, instrutório - saber se a eventual preterição de uma formalidade constitui mera irregularidade, ou nulidade sanável ou mesmo nulidade insanável - e invocando até os normativos do Código de Processo Penal que depois aparecem como objecto do recurso de constitucionalidade, era-lhe exigível que desde logo colocasse a questão de (in)constitucionalidade perante o tribunal da relação, para este expressamente se pronunciar sobre ela. Não o fazendo, é evidente o incumprimento do ónus da suscitação de tal questão no momento processualmente adequado - e não é adequada a arguição de nulidade, como foi utilizada pela reclamante - e isso está agora consagrado no nº 2 do artº 72º, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Tanto basta para concluir que não merece censura a decisão reclamada.
5- Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Março de 1999 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa