Imprimir acórdão
Processo n.º 631/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A e recorrida a Ordem dos Advogados, foi interposto recurso, «ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea a) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional» (cfr. requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade e «alegações», fls. 740-760, fls. 740), do acórdão proferido em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 24 de abril de 2013 (fls. 706-711), para que seja apreciada a inconstitucionalidade da «aplicação da norma 150º n. 1 do CPTA que suporta a decisão ora recorrida de não admissão do recurso e a interpretação dos artigos 123º n.º 1 a) e 58º nº 2 b)do CPTA e artigos 143 e 120, nº 1, alínea a) e b) e nº 2 do CPTA, no sentido que não se aplica ao caso concreto» (cfr. «alegações», fls. 760), alegando-se a violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição.
1.1. Procedeu o Conselheiro Relator à convolação do tipo de recurso apresentado, considerando que, apesar de invocada a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, se tratava de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do mesmo artigo, assim delimitando o objeto do recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 764):
«(…) [O recorrente] fundamenta o recuso em que a decisão de inadmissão efetua uma interpretação do artigo 150.° do CPTA que contraria o princípio da efetividade da tutela jurisdicional e o art.º20.° nºs 1 e 5 da Const. da República.
Está assim posta em causa a constitucionalidade de uma norma e a questão surge da aplicação que de tal norma se fez no Acórdão recorrido, o que preenche o pressuposto da alínea b) do art.º70.° n.º1 da LTC e não da alínea a) como vem indicado. Porém, há lugar a correção oficiosa nos termos indicados.».
1.2. O Tribunal a quo proferiu decisão de não admissão do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 764-765):
«(…)
O art.º 76.° n.º 2 prevê ainda que o Tribunal 'a quo' não deve admitir o recurso quando
for manifestamente infundado.
Assim, o cumprimento deste dever funcional exige que se efetue uma sumária apreciação sobre a validade dos fundamentos do recurso.
Para isso há que ter em atenção a jurisprudência anterior do TC.
Nela vamos encontrar, entre outros os Ac. 197/2009; 63/2008 e 480/2008 que tratam de matéria relevante para a apreciação do caso presente.
O recorrente sustenta aqui que o artigo 150.° tal como foi aplicado restringe um grau de
Jurisdição no acesso à via judiciária garantido pelo artigo 20.° da Const. pelo que viola esta norma.
Porém, é manifesto que o artigo 20.° nada refere quanto a garantias de grau de recurso e
o recorrente que pretende impugnar a decisão do TCA nos termos do artigo 150.° teve o seu caso apreciado na primeira instancia e em recurso para o TCA.
A filtragem que o n.º 5 do artigo 150.° comete a uma formação de juízes do STA não é discriminatória nem indeterminada, isto é arbitrária. Pelo contrário, está sujeita a limites traçados de forma suficiente pelos critérios enunciados no n.º 1 do artigo. A decisão da formação de apreciação preliminar é desde logo irrecorrível e esta constatação não implica também ofensa da garantia de acesso à tutela efetiva mediante um processo equitativo.
O que o recorrente defende é o direito a ver a sua causa apreciada em três instancias e esta questão tem sido repetidamente decidida pelo Tribunal Constitucional no sentido de que o artigo 20.° n.º 1 não impõe que haja um terceiro grau de apreciação das causa submetidas aos tribunais - V d. os referidos Ac. 63/2008 e 480/2008.
Refere-se neste último: 'A previsão de um terceiro grau de jurisdição, de utilização excecional, não resulta pois de qualquer imperativo constitucional, nomeadamente do disposto no art.º 20.° da CRP, ou de qualquer sub-princípio da ideia de estado de direito democrático, adotada no art.º 2.° da CRP, mas apenas da ampla liberdade de conformação que o legislador ordinário dispõe nesta matéria'.
Nos termos expostos é de considerar manifestamente improcedente o recurso e, com este fundamento, em cumprimento do n.º 2 do art.º 76.° da LTC não é admitido.»
2. O recorrente reclamou deste despacho para o Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos (fls. 775-777):
“A., recorrente à margem referenciado, não se conformando com o douto despacho de não admissão do recurso de fls. ( ... ), vem junto de V. Exª. apresentar a reclamação nos termos do artigo 144 nº 3 do C.P.T.A., pelo despacho de não admissão do recurso, que a faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º
O recorrente intentou em tempo providência cautelar (e respetiva ação Administrativa Especial) onde veio suscitar a NULIDADE DA DECISÃO: ACÓRDÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS ADVOGADOS, EXARADO EM 08.09.2009, QUE RATIFICOU A PENA DE EXPULSÃO APLICADA PELO CONSELHO DE DEONTOLOGIA DO PORTO.
2º
Nesse contexto, alegou factos que provam os interesses em conflito fundando aqueles num critério de proporcional idade do recorrente com os eventuais titulares de interesses contrapostos.
3º
Efetivamente, o recorrente, carreou para os autos, na sua P.I. da providência cautelar, várias questões de direito, de elevada importância: nomeadamente, vícios particularmente graves -prescrição de processos disciplinares, indevida aplicação da lei no tempo - assim como irregularidades processuais e violação dos direitos de defesa do recorrente, às normas Estatutárias e do regulamento disciplinar bem como as expressas no C. P. Penal, subsidiariamente aplicadas aquelas.
4º
Nessa senda, as invocadas nulidades por parte do recorrente constituem a forma mais grave da invalidade, tendo em conta elemento caraterizador o facto do ato, ser 'ab initio' ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação reforma ou conversão (cfr. nº, 2 do art. 134º e nº. 1 do art. 137º ambos do CPA).
5º
Nulidades suscetíveis de impugnação a todo o tempo e perante qualquer Tribunal. Bem como serem conhecidas a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou interessada (cfr. art. 134º nº. 2 do CPA), as quais geram o fulminar dos processo e decisão disciplinar proferida pela requerida / recorrida.
6º
O recorrente sustentou o seu recurso nos artigos 133 e 134 do CPA - nas invocadas nulidades que foram indevidamente apreciadas.
7º
As questões de direito, como prescrição de processos disciplinares, aplicação da Lei no tempo, nulidades processuais praticados pela recorrida nos processos disciplinares, infração permanente, tipificação, determinam a nulidade de todo o processado e da decisão disciplinar;
8º
Neste tipo de procedimentos, o que está em causa, como é patente nestes autos, é o combate à morosidade processual e a manutenção do status quo do recorrente até ao julgamento do seu diferendo. Trata-se in casu, e basicamente no geral, de apreciar os elementos formais que enquadram a pretensão cautelar, apurando se há alguma razão objetiva que obste ao conhecimento do seu mérito.
9º
Por isso, e mui respeitosamente o recorrente enquadrou o seu recurso de revista no fundamento da violação da lei substantiva e/ou processual - artigo 150, nº 2 do CPTA - tratando-se, portanto, de apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, sendo certo que a admissão do recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
10º
E certo que, as situações referidas supra e que se encontram melhor espia nadas nas alegações de recurso, são questões que, ao não serem devidamente apreciadas pelo TCA, devem ter a intervenção do STA na perspetiva de contribuir para o bom funcionamento do contencioso administrativo e para uma melhor administração da justiça.
Termos em que ser requer a V. Ex!!., doutamente, a revogação da decisão da não admissão do Recurso. »
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a reclamação (cfr. fls. 784-786).
4. Tendo em conta a correção oficiosa do tipo de recurso de constitucionalidade operada pelo Juiz do Tribunal a quo, não reclamada, as partes foram notificadas para, nos termos do disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC) e no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, se pronunciarem, querendo, quanto à possibilidade de não conhecimento do recurso quanto às normas (ou interpretações normativas) impugnadas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (artigos 123.º, n.º 1, alínea a), 58.º, n.º 2, alínea b), 143.º, 120.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 150.º do CPTA), por falta de suscitação prévia junto do Tribunal que proferiu a decisão recorrida e por falta de objecto normativo e, especificamente quanto às normas (ou interpretações normativas) constantes dos artigos 123.º, n.º 1, alínea a), 58.º, n.º 2, alínea b), 143.º e 120.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA, por falta de aplicação efetiva na decisão recorrida (cfr. despacho de fls. 788).
5. O reclamante veio expor o seguinte (cfr. fls. 791):
«A., requerente nos autos em epígrafe, notificado do douto despacho proferido pela Exma. Sra. Relatora, a fls. 788, nos autos supra indicados, vem aos mesmos declarar que pretende, conforme teor das suas alegações juntas aos autos, o conhecimento do recurso, com base nas normas aí invocadas e na sua interpretação, o qual se entende ser inconstitucional – aplicação incorreta.
Mantendo tudo quanto o constante dos autos e que se encontra à vossa apreciação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. Nos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), por acórdão de 24 de abril de 2013 (cfr. fls. 706-711), não admitiu o recurso de revista interposto por A. da decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de janeiro de 2013.
Esta decisão confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 11 de Setembro de 2012, pela qual foi indeferida a providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação de 5 de setembro de 2008, do Conselho Superior da Ordem dos Advogados que manteve a imposição de pena disciplinar de expulsão ao recorrente.
Deste Acórdão do STA interpôs, o interessado, recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 716-738, 740-762 dos autos).
O reclamante, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, suscitou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA, por ofensa do direito de acesso aos tribunais consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição (cfr. fls. 748), e a «recusa da norma dos artigos 123.º, n.º 1, alínea a) e 58º n.º 2 b) do CPTA, 133º e 134º do CPA, assim como dos artigos 143 e 120, nº 1, alínea a) e b) e nº 2 do CPTA ao caso concreto, entendendo o recorrente que tal situação é inconstitucional e viola o princípio da igualdade, o princípio tutela jurisdicional efetiva previsto nos artigos em causa (…)» (cfr. fls. 754).
Tal recurso não veio a ser admitido, por despacho do Conselheiro Relator de 24 de Maio de 2013 (cfr. fls. 764-765 dos autos), agora reclamado.
De facto, à luz dos requisitos legais do recurso de constitucionalidade interposto de decisão judicial que aplica norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada, o despacho reclamado não admitiu o recurso, considerando-o «manifestamente improcedente», em síntese porque:
«(…)o que o recorrente defende é o direito a ver a sua causa apreciada em três instâncias e esta questão tem sido repetidamente decidida pelo Tribunal Constitucional no sentido de que o artigo 20º nº 1 não impõe que haja um terceiro grau de apreciação das causas submetidas aos tribunais – Vd. os referidos Ac. 63/2008 e 480/2008. (…)
Nos termos expostos é de considerar manifestamente improcedente o recurso e, com este fundamento, em cumprimento do n.º 2 do art.º 76.º da LTC não é admitido.» (cfr. fls. 765).
7. O n.º 2 do artigo 76.º da LTC prevê os casos em que o tribunal a quo pode indeferir o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Como se retira do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2010 (disponível, bem como os demais citados, em www.tribconstitucional.pt):
«(…) uma dessas situações prende-se com os casos em que, nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a questão de constitucionalidade suscitada seja “manifestamente infundada”, visando-se, desde modo, facultar ao tribunal a quo a possibilidade da formulação de um juízo sobre a viabilidade ou razoabilidade da pretensão do recorrente, por forma a obviar à subida ao Tribunal Constitucional de recursos interpostos com fins manifestamente dilatórios, cuja inatendibilidade é liminarmente evidente ou ostensiva.(…)».
O despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto alicerçou-se nos poderes conferidos ao tribunal recorrido pelo n.º 2 do artigo 76.º, da LTC, tendo este concluído que o presente recurso seria manifestamente improcedente.
Recorde-se que o reclamante, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, suscitou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA, por ofensa do direito de acesso aos tribunais consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
Ora, independentemente de outras circunstâncias igualmente obstativas da admissibilidade do presente recurso, certo é que – como sublinhado na decisão reclamada – a questão de constitucionalidade supra enunciada já foi por diversas vezes apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, este vem concluindo, em jurisprudência constante e reiterada, que o texto constitucional não garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição e muito menos a um terceiro, pelo que o impugnado regime de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal Administrativo não consubstancia afronta à garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, emergente do artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
Mais especificamente no Acórdão n.º 480/08, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma legal impugnada, nos termos seguintes:
«(…) E relativamente ao direito ao recurso (…) na senda da jurisprudência deste Tribunal, do texto constitucional apenas resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional. Mas, para além desta limitação, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso.
Ora, a previsão de um terceiro grau de jurisdição, de utilização excepcional, não resulta, pois, de qualquer imperativo constitucional, nomeadamente do disposto no artigo 20.º, da C.R.P., ou de qualquer sub-princípio da ideia de Estado de direito democrático, adoptada no artigo 2.º, da C.R.P., mas apenas da ampla liberdade de conformação que o legislador ordinário dispõe nesta matéria. (…)».
Tanto basta para reiterar a “manifesta improcedência” da pretensão do reclamante.
8. Em síntese, pelas razões apontadas, é de manter a decisão judicial reclamada que não admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
III – DECISÃO
9. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, nos termos do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 25 de março de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.