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Proc. nº 83/00
3ª Secção Rel.: Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - D..., identificado nos autos, recorreu para o Tribunal Judicial de Abrantes da decisão do Director-Geral das Florestas que, em processo de contra-ordenação, lhe aplicou a coima de 870.300$00, por infracção ao disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 139/88, de 22 de Abril, em conjugação com a alínea c) do nº 1 do artigo 7º do mesmo diploma legal.
O Senhor Juiz, por decisão de 14 de Janeiro último, julgou, no entanto, inconstitucional esta última norma, 'na parte em que fixa um limite máximo para a coima superior ao limite geral de 200.000$00, não a aplicando no caso sub judice, dando-se, em consequência, provimento ao recurso' e absolvendo o recorrente, por, nessa conformidade, se encontrar prescrito o procedimento.
Com efeito, após o nº 1 do artigo 5º sujeitar a rearborização de terrenos anteriormente ocupados por povoamentos florestais destruídos por incêndios, independentemente da área em causa, à precedência de autorização a conceder pelas circunscrições florestais, a alínea c) do nº 1 do artigo 7º pune essa infracção com a coima de 50.000$00 a 4.500.000$00.
Ora, no que toca às pessoas singulares e às contra-ordenações por elas praticadas dolosamente, o artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro – regime geral do ilícito de mera ordenação social – estabeleceu, na sua versão originária, como montante mínimo das coimas o de
200$00 e máximo o de 200.000$00 (irrelevando, no caso, no entendimento do magistrado recorrido, as posteriores redacções introduzidas pelos Decretos-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, uma vez que posteriores ao Decreto-Lei nº 139/88).
Assim, considerou-se manifesta a inconstitucionalidade orgânica parcial da norma em causa – que se recusa aplicar – por violação ao disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República (CR): o Governo não estava autorizado a fixar coimas com o valor máximo do constante da norma em referência.
2. - O magistrado do Ministério Público competente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Admitido o recurso, entendeu o relator verificar-se uma situação enquadrável no âmbito da previsão do nº 1 do artigo 78º-A deste diploma legal.
Com efeito, e como então se escreveu, 'se bem que o Tribunal Constitucional ainda não se tenha pronunciado sobre esta concreta norma, nomeadamente na perspectiva constitucional citada, a verdade é que está em causa uma questão largamente tratada na sua jurisprudência, em sentido uniforme, de modo a surpreender inconstitucionalidade orgânica em diplomas editados pelo Governo desacompanhado de autorização legislativa da Assembleia da República, sempre que, como sucede no caso vertente, se ultrapasse o regime geral de punição fixado pelo Decreto-Lei nº 433/82, o que significa não poder fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados pelo artigo 17º deste diploma (sem prejuízo de poder estabelecer limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos estabelecidos por este artigo 17º).
É que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, relativamente aos actos ilícitos de mera ordenação social, na redacção então em vigor do artigo 168º, nº
1, alínea d), da CR [a que corresponde hoje a alínea d) do nº 1 do artigo 165º]. Assim, é, na verdade, organicamente inconstitucional a norma da alínea c) do nº
1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 139/88, na medida em que estabelece um máximo superior ao limite geral permitido pelo regime geral, sem para o efeito estar o legislador parlamentarmente credenciado [o diploma foi emitido ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º do texto constitucional então vigente].
Neste sentido, e só para citar alguns dos acórdãos que se encontram publicados e perfilham a orientação assinalada, os acórdãos nºs.
149/94, no Diário da República, I Série-A, de 26 de Março de 1994, e os nºs.
441/93 e 514/96, publicados na II Série do mesmo jornal oficial, de 23 de Abril de 1994 e 5 de Julho de 1996, respectivamente'.
3. - Equacionou-se, ainda, o problema de que dá eco o acórdão nº 175/97, publicado no Diário citado, I Série-A, de 24 de Abril de 1997, ponderando-se a este respeito:
'Aí se decidiu, ao declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, por violação do preceituado na alínea d) do nº 1 do artigo 168º da CR, que esse juízo não há-de ser feito em função de cada uma das anteriores versões da lei quadro de que consta a norma interposta com que aquela tem de ser necessariamente confrontada, mas em função da norma interposta em vigor à data da prática da infracção a que ela deva ser aplicada. De acordo com este critério – que não foi acolhido na 1ª instância – e considerando que a contra-ordenação respeita a factos ocorridos em 19 de Abril de 1997, seria de aplicar a redacção do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, resultante do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro. Ora, sendo o limite máximo aí previsto, aplicável às pessoas singulares, de
750.000$00, mesmo assim o vício de inconstitucionalidade mantém-se.'
4. - Em face das considerações então expostas, foi decidido negar provimento ao recurso, confirmando nesta parte, a decisão recorrida, após se julgar inconstitucional – por violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República (redacção da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro) – a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 139/88, de 22 de Abril, na medida em que fixa um valor superior, como máximo da coima, ao estabelecido no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, previsto no artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na versão resultante do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
5. - Notificado, vem agora o Senhor Procurador-Geral adjunto reclamar para a conferência, ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, argumentando como segue:
'1 – Concorda-se inteiramente com a aplicação, à hipótese 'sub juditio' da doutrina firmada pelo Acórdão nº 175/97 pelo Plenário deste Tribunal, segundo a qual o parâmetro de aferição da constitucionalidade, no que concerne aos limites máximos da coima correspondente a certa contra-ordenação, punida por diploma editado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa própria, é o que decorre da versão do Decreto-Lei nº 433/82, vigente à data do cometimento da infracção.
2 – No caso dos autos, a decisão proferida na 1ª instância aplicou doutrina diversa – mais precisamente o entendimento que ficou vencido no dito acórdão nº
175/97 – segundo a qual o referido parâmetro seria o que correspondia à versão originária do referido Decreto-Lei nº 433/82 – considerando, consequentemente aplicável o limite máximo de 200 000$00.
3 – Como vimos sustentando em situações análogas, afigura-se – salvo melhor opinião – que, neste quadro processual, deveria ser concedido provimento parcial ao recurso, de modo a facultar ao tribunal 'a quo' a reponderação da decisão tomada, em função do juízo de inconstitucionalidade emitido por este Tribunal – e que é efectivamente diverso do que foi editado pelo tribunal judicial na decisão sob recurso.
4 – É que, na nossa óptica, ao negar-se ('tout court') provimento ao recurso estará provavelmente precludida, em função da regra do esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da decisão recorrida, a possibilidade de reponderação da decisão proferida, à face da doutrina firmada pelo Plenário deste Tribunal no citado Acórdão nº 175/97, por força do preceituado no nº 4 do artigo 80º da Lei nº 28/82, segundo o qual, transitada em julgado a decisão que negou provimento ao recurso, transita também a decisão recorrida (se estiverem, como estão, esgotados os recursos ordinários possíveis).
5 – Em suma: no nosso entendimento, a situação dos autos implicaria a prolação de uma decisão de provimento parcial do recurso de constitucionalidade, nos termos e com os efeitos previstos no nº 2 do artigo 80º da Lei nº 28/82, de modo a facultar ao tribunal 'a quo' a aplicação do juízo de inconstitucionalidade segundo os parâmetros definidos no Acórdão nº 175/97.'
Outro é o entendimento do recorrido, para quem não se vislumbra razão justificativa do reclamado provimento parcial de recurso, uma vez que, de qualquer forma, o vício de inconstitucionalidade se mantém, sendo, em consequência inútil o prosseguimento dos autos.
6. - Decidindo.
Considerou-se ocorrer o vício de inconstitucionalidade que originou o juízo desaplicativo. Só que, em aplicação da doutrina firmada pelo acórdão nº 175/97, tirado em plenário, entendeu-se que esse juízo teria de ser aferido em função da versão do Decreto-Lei nº 433/82 em vigor à data da prática da infracção – e não da versão originária, como consta da decisão recorrida -, ou seja, à luz da redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95.
O limite máximo previsto na norma em causa continua a ser, no entanto, superior ao da lei quadro (4.500.000$00 e 750.000$00, respectivamente) e, por isso, negou-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida nessa parte, ou seja, no juízo de inconstitucionalidade formulado.
Pretende o Ministério Público que se altere o decidido, na medida em que a instância deve reformular a decisão na parte em que o Tribunal Constitucional decidiu de modo diverso.
Em casos semelhantes e em precipitação de orientação jurisprudencial consolidada, tem o Tribunal Constitucional entendido constituir objecto do recurso apenas a questão de constitucionalidade e já não as consequências que, ao nível do direito ordinário, o tribunal recorrido tenha extraído do julgamento de inconstitucionalidade (assim, por exemplo, os acórdãos inéditos nºs. 402/97 e 646/97). Isto é, o que há a decidir é se a sentença recorrida, no ponto em que recusou aplicar a norma, na parte em que esta fixa os limites da coima, deve ou não ser confirmada.
No entanto, similitude não é identidade e, no concreto caso, a decisão recorrida, partindo do pressuposto de que o limite máximo da coima seria o de 200.000$00, confrontou-se com o prazo de prescrição, de um ano
(e não de dois, como seria se o limite fosse de 4.500.000$00), concluindo que a prescrição sempre ocorreria após dois anos contados da prática da infracção – 9 de Abril de 1997 – ou seja, em 9 de Abril de 2000, por aplicação do artigo 121º, nº 3, do Código Penal e do artigo 27º, alínea b), do Decreto-Lei nº 433/82.
Poderia entender-se ser irrelevante esta especificidade, uma vez que o prazo prescricional se manteria tendo em conta o limite de
750.000$00.
Sem embargo, é ao tribunal recorrido que compete tirar as consequências da decisão do Tribunal Constitucional – que julgou inconstitucional a norma punitiva em causa mas aferiu esse juízo através de diferentes parâmetros – e, assim, decidir se mantém ou não a declaração de prescrição.
7. - Ou seja, se bem que por motivação não coincidente com a aduzida pelo magistrado reclamante, entende-se ser de atender a reclamação e, em consequência, profere-se a seguinte decisão:
a) julgar inconstitucional – por violação do artigo
168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República (redacção da Lei nº 1/82, de
30 de Setembro ) – a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº
139/88, de 22 de Abril, na medida em que fixa um valor superior, como máximo da coima, ao estabelecido no regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, previsto no artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na versão resultante do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro;
b) conceder provimento parcial ao recurso de modo a que a decisão recorrida seja reformulada em conformidade com o mencionado juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas. Lisboa, 14 de Abril de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida