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Processo nº 131/99 FALTA DECLARAÇÂO de VOTO
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
(Consª. Fernanda Palma)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Banco N...,SA deduziu junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (2º Juízo) impugnação judicial relativa à liquidação do IRS do ano de
1992, referente ao imposto devido por 'juros decorridos' (juros de títulos transaccionados relativos a um período em que os títulos permanecem na posse de outrem). Na respectiva petição inicial, o impugnante não suscitou qualquer questão de constitucionalidade ou de legalidade normativa, questionando 'a liquidação impugnada', por estar 'ferida de ilegalidade'. O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por decisão de 19 de Maio de
1997, julgou a impugnação improcedente.
2. O Banco N...,SA interpôs recurso da decisão de 19 de Maio de 1997 para o então Tribunal Tributário de 2ª Instância. Nas alegações, o recorrente afirmou, no texto, que o entendimento, segundo o qual 'qualquer rendimento está sujeito
às normas de incidência de IRS', é inconstitucional, 'por violar o princípio
(...) da tipicidade tributária' (artigo 106º, nº 2, da Constituição). Nas conclusões, sustentou que 'as posições doutrinais que sustentam o recurso a uma interpretação extensiva da alínea c) do artigo 6º do Cód. do IRS' não são de aceitar, 'uma vez que as mesmas, no caso em apreço, sempre colidiam com as garantias dos contribuintes decorrentes do princípio constitucional da tipicidade tributária'. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 24 de Março de 1998, declarou-se incompetente em razão da hierarquia. Os autos foram entretanto remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (4ª Secção - Contencioso Tributário) que, por acórdão de 25 de Novembro de 1998, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Para tanto, fez aplicação expressa do artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código, relativo ao imposto sobre rendimento das pessoas singulares, na redacção do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, considerando ainda que 'o mais importante foi a introdução do nº 3 a esse artº 6º do CIRS'.
3. O Banco N....,SA interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 25 de Novembro de 1998, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando a inconstitucionalidade da interpretação autêntica do artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, doravante Código do IRS, realizada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, bem como a ilegalidade da interpretação administrativa do disposto nos artigos 9º e 10º, do Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Junho, e no artigo 75º do Código do IRS, efectuada pelas Circulares nºs 16/89 e 17/90, de 9 de Novembro e de 27 de Maio, respectivamente.
4. Junto do Tribunal Constitucional o Banco recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'A. Os 'juros decorridos' não só não constituem um rendimento de capital, em virtude de não provirem da aplicação de um activo, como não se integravam na previsão da norma que tributava tais tipos de rendimentos, dado que o legislador, contrariamente à intenção evidenciada, apenas adoptou uma determinada concepção de rendimento acréscimo. B. Tais operações que, segundo o entendimento da Administração Fiscal, originavam uma situação de evasão fiscal lícita, apenas passaram a ser tributadas com a publicação do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro. C. Contudo, tal regime jurídico apenas poderá ser aplicado às situações jurídico-tributárias que se verifiquem posteriormente à data da vigência deste diploma. D. Contrariamente ao sustentado no Acórdão em crise, o regime jurídico consignado nesse diploma não constitui uma mera explicitação da previsão da norma de incidência dos rendimentos de capital, pelo que não consubstancia uma mera lei interpretativa. E. Aliás, seria absurdo que o legislador concebesse a necessidade de produzir uma alteração legislativa, quando essa solução já se continha na previsão de uma norma existente no ordenamento jurídico. F. Diplomas deste género, cujo sentido e alcance não possa ser expectado pelos contribuintes revestem, a natureza retroactiva e afectam o princípio da segurança jurídica. G. Princípio esse, cuja violação era tutelada pela Jurisprudência deste Alto Tribunal, desde que a mesma se traduzisse numa lesão grave da segurança jurídica. H. Situação que se verificou no caso presente, dado ser convicção dos operadores financeiros que a venda de títulos da dívida pública antes da data do seu vencimento, apenas poderia gerar mais-valias não tributadas. I. Não podendo o diploma em causa ser qualificado como lei interpretativa, por encerrar normas modificativas do regime jurídico instituído, a sua aplicação para sustentar a decisão proferida é manifestamente inconstitucional, por força do duplo princípio da legalidade e tipicidade tributária, consagrado no nº 2, do artigo 103º, da Lei Fundamental. J. Mesmo que assim se não entenda, o que só por mera hipótese académica se admite, ainda assim a aplicação desse regime sempre se traduziria na sua aplicação retroactiva, igualmente proibida pela Constituição da República Portuguesa, conforme tem sido entendimento deste Alto Tribunal, que já mereceu acolhimento expresso no nº 3, do artigo 103º. K. Deste modo, deve ser declarada a inconstitucionalidade do Douto Acórdão proferido, em virtude de ter aplicado o regime constante do Decreto-Lei nº
263/92, de 24 de Novembro à situação em apreço, violando os princípios da legalidade, tipicidade e da não aplicação retroactiva dos impostos, dado só assim poder ser feita'. O recorrente juntou ainda dois pareceres de direito subscritos pelos Professores Doutores Jorge Miranda e Saldanha Sanches, respectivamente. No primeiro, concluiu-se o seguinte:
'1º) O artigo 103º, nº 2 da Constituição consagra o duplo princípio da legalidade e da tipicidade dos impostos na acepção rigorosa acolhida na doutrina e na jurisprudência;
2º) De harmonia com esse duplo princípio, nenhum facto pode ser gerador da obrigação de imposto senão quando previsto na lei; nenhuma situação poderá ser tributável se a lei tributária a não considerar como tal; e só são elementos desse facto ou dessa situação aqueles que a norma legal estabelecer;
3º) A revisão constitucional de 1997 reforçou as garantias dos contribuintes ao acrescentar ou explicitar (como se entender) a regra da não retroactividade
(artigo 103º, nº 3);
4º) À luz dos princípios constitucionais, o artigo 1º e o artigo 6º, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares não poderiam abranger, antes do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, os 'juros decorridos', ou 'juros' ainda não vencidos de títulos da dívida pública relativos ao período compreendido entre a data da sua emissão e a data da sua reaquisição pela entidade junto da qual tenham sido colocados;
5º) Nenhum conceito teórico de rendimento como acréscimo patrimonial poderia ignorar ou desconsiderar os complexos fenómenos ligados à dinâmica dos títulos da dívida pública, não distinguindo entre rendimentos resultantes de aplicação de um capital e rendimentos resultantes de um acto de disposição;
6º) O Decreto-Lei nº 263/92 não pode, em rigor, qualificar-se, para este efeito, como lei interpretativa, porque comporta normas modificativas e de enquadramento para além da pura e simples interpretação;
7º) Mas, mesmo que se tratasse de um diploma interpretativo, nunca poderia ele aplicar-se retroactivamente, porque não são admissíveis leis interpretativas que afectem legítimas expectativas dos cidadãos, maxime em domínios - como o tributário e o penal - em que a Constituição veda a retroactividade'. Por seu turno, no segundo, tiraram-se as seguintes conclusões:
'1) O Código do IRS só adoptou de forma limitada o conceito de rendimento acréscimo;
2) A concepção cedular no Código do IRS conduz à existência de uma previsão legal de carácter fragmentário;
3) Enquanto os rendimentos de capital são sempre tratados no CIRS como rendimentos provenientes de um certo activo, as mais-valias pressupõem um ganho realizado com a alienação de um activo;
4) O CIRS, na sua construção, excluiu as possíveis mais-valias das obrigações da tributação em IRS;
5) Na falta de uma cláusula anti-abuso a Adminstração fiscal tem tendido a reagir ao planeamento fiscal dos contribuintes com leis de efeitos retroactivos;
6) As leis interpretativas cujas consequências não podem ser esperadas pelos contribuintes são retroactivas produzindo uma violação intolerável da segurança jurídica;
7) Ainda antes da última revisão constitucional, a jurisprudência constitucional considerava inaceitáveis normas retroactivas que conduzissem a uma lesão grave da segurança jurídica;
8) Era convicção geral dos operadores financeiros que a venda de obrigações antes do vencimento gerava mais-valias e não rendimentos de capital;
9) A cláusula geral anti-abuso de direito só poderia ser criada - como foi - por decisão parlamentar;
10) A criação implícita desta cláusula por decisão judicial representa uma ocupação judicial dos poderes do Parlamento em matéria fiscal;
11) O STA tem exercido numerosas vezes o seu poder de proceder à anulação parcial dos actos tributários'.
5. A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo o seguinte:
a) A questão da tributação como rendimentos de capital dos chamados juros decorridos, na redacção inicial do artigo 6º do CIRS, foi objecto de entendimento no sentido de dever ser considerada como rendimento de capital.
b) Tal interpretação foi firmada pelas circulares da DGCI, nºs 16/89, de 9 de Novembro e 17/90, de 27 de Maio.
c) A redacção inicial do preceito suportava o entendimento veiculado pelas circulares 16/89 e 17/90.
d) O conceito de rendimento acréscimo que preside à tributação em IRS perspectivava a tributação dos juros decorridos como possível e esperada.
e) A explicitação da tributação de outros títulos de crédito negociáveis enquanto usados como tais, é meramente interpretativa, como refere o próprio legislador no preâmbulo do DL nº 263/92, de 24.11.
f) A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do artigo 13º do Código Civil.
g) O parâmetro constitucional a ter em conta é o resultante do texto constitucional vigente à data da aplicação da norma questionada nesse sentido.
h) À data da aplicação da lei interpretativa em causa o conceito de irretroactividade a considerar é o consagrado em jurisprudência do Venerando Tribunal Constitucional no sentido 'a retroactividade constitucional terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral o reclamem e o encargo para o contribuinte se não mostrar desproporcionado e mais ainda o terá se tal encargo aparecia aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo como provável'.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir, com a mudança de Relator e começando pela delimitação do objecto do recurso.
7.O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a legalidade das Circulares nºs 16/89 e 17/90, de 9 de Novembro e de 27 de Maio, respectivamente. Ora, o recurso da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional cabe de decisões que apliquem normas cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com um dos fundamentos das alíneas c), d) e e) do mesmo preceito. A alínea c) refere-se à violação de lei com valor reforçado por norma constante de acto legislativo; a alínea d) menciona a violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República por norma constante de diploma regional; a alínea e) respeita, por último, à violação do estatuto de uma região autónoma por norma emanada de um órgão de soberania. As Circulares impugnadas pelo recorrente não consubstanciam actos legislativos
(cfr. artigo 112º, nº 1, da Constituição), nem são diplomas regionais. Não está em causa, igualmente, a violação do estatuto de uma região autónoma. Nessa medida, o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que não se verificam os respectivos pressupostos processuais. Assim, o presente recurso de constitucionalidade tem apenas por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código do IRS e da norma contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº
263/92, de 24 de Novembro, que realizou 'interpretação autêntica' daquele preceito.
8. O artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código do IRS tinha a seguinte redacção:
'Artigo 6º Rendimentos da categoria E Consideram-se rendimentos de capitais:
(...) c) Os juros, prémios de amortização ou de reembolso e outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira;
(...)' O artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, conferiu a esse preceito a seguinte redacção:
'(...) c) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso e as outras formas de remuneração de títulos da dívida pública, obrigações, títulos de participação, certificados de consignação, certificados de depósito, obrigações de caixa ou outros títulos análogos, emitidos por entidades públicas ou privadas, e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
(...)' O referido artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, aditou ainda um nº 3 ao artigo 6º, com o seguinte conteúdo:
'Para efeitos da alínea c) do nº 1, compreendem-se nos rendimentos de capitais o quantitativo dos juros contáveis desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira colocação ou endosso, se ainda não houver ocorrido qualquer vencimento, até à data em que ocorra alguma transmissão dos respectivos títulos, bem como a diferença, pela parte correspondente àqueles períodos, entre o valor de reembolso e o preço de emissão, no caso de títulos cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, por essa diferença'.
O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão ora recorrido, considerou que a noção de rendimento subjacente ao artigo 1º do Código do IRS é uma noção ampla, coincidente com o conceito de rendimento acréscimo (e rendimento, ou seja, rendimento realmente auferido, explicitou-se então, citando-se Teixeira Ribeiro). De seguida, referiu-se ao artigo 6º, nº 1, alínea c), do mencionado Código, afirmando que a noção de juros aí contida só poderia ser entendida em sentido lato como qualquer rendimento de capital. Depois, considerou que o Decreto-Lei nº 263/92 'não veio consagrar um novo conceito de juros mas veio explicitar o conceito anterior a fim de evitar a evasão fiscal que se estava a verificar', entendendo então que a nova redacção do artigo 6º 'é meramente interpretativa da redacção inicial'. Mencionando o nº 3 do artigo 6º, introduzido pelo Decreto-Lei nº 263/92, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que esse diploma era aplicável ao caso dos autos (artigo 13º do Código Civil), pelo que os juros decorridos estavam sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Em consequência, negou provimento ao recurso.
Do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo resulta assim uma fundamentação alternativa. Por um lado, os juros decorridos, no entendimento do tribunal a quo, já se encontravam sujeitos a imposto, nos termos do artigo 6º, nº 1, alínea c), do Código do IRS (em conjugação com o artigo 1º do mesmo diploma), na versão anterior ao Decreto-Lei nº 263/92. Por outro lado, considerou também o Supremo Tribunal Administrativo que este diploma, de natureza meramente interpretativa, veio explicitar a sujeição dos referidos juros a imposto, aplicando-se ao caso dos autos ('Também aquela norma foi uma explicitação do direito anterior, pois já assim tinha de ser, tendo em conta o conceito de rendimento acréscimo' - é a razão fundamental invocada no acórdão recorrido). O recorrente sustenta, porém, que a interpretação dos preceitos mencionados, na redacção anterior ao diploma de 1992, acolhida pelo Supremo Tribunal Administrativo é inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade tributária (artigo 103º da Constituição). Concomitantemente, afirma também, referindo-se ao Decreto-Lei nº 263/92, que 'a interpretação dada a esta indicada alteração legislativa (...) ofende (...) o princípio constitucional da tipicidade tributária uma vez que, através deste expediente de incorporar a lei supostamente interpretativa na lei interpretada, faz uma aplicação retroactiva da primeira'.
Assim, o objecto do presente recurso de constitucionalidade é constituído pelas seguintes questões (questões de constitucionalidade normativa, na tese pretendida e defendida pelo Banco recorrente):
a) Apreciação da conformidade à Constituição da norma constante do artigo 6º, nº1, alínea c), do Código sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na versão anterior a 1992, interpretada no sentido de abranger os juros decorridos; b) Apreciação da conformidade à Constituição da norma constante do diploma de
1992 (a do artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/92, que aditou o nº 3 àquele artigo
6º), interpretada no sentido de ser aplicável a situações verificadas antes da sua entrada em vigor (relativamente a esta questão, não está, portanto, em causa o conteúdo normativo do preceito em si mesmo considerado, enquanto aplicável a situações futuras, mas sim a sua aplicação retroactiva).
Só que delas não se pode tomar conhecimento, não se chegando a entrar na apreciação do seu mérito, pelas razões a seguir adiantadas.
9. Em primeiro lugar, cabe perguntar se o recorrente, no momento processual próprio, ou seja, aquando da apresentação de alegações perante o tribunal recorrido - o Tribunal Central Administrativo e depois o Supremo Tribunal Administrativo, por incompetência daquele -, suscitou, quanto à norma identificada na alínea a), uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A resposta tem de ser negativa.
Com efeito, da leitura dessa peça processual ressalta à vista que a censura vem dirigida ao acto judicial de julgamento na primeira instância, porque o entendimento aí seguido ou a via de 'interpretação extensiva' acolhida iriam colidir, no essencial, com o 'princípio constitucional da tipicidade tributária', não se discutindo a inconstitucionalidade das normas em causa, nem mesmo uma inconstitucionalidade do sentido interpretativo com que elas teriam sido aplicadas na respectiva sentença, de 19 de Maio de 1997.
Desde logo, nas conclusões dessas alegações, o que se procurou demonstrar foi a
'não sujeição a imposto, como rendimento de aplicação de capitais, dos denominados 'juros decorridos', havendo apenas a afirmação de que 'as posições doutrinais que sustentam o recurso a uma interpretação extensiva da alínea c) do artigo 6º do Cód. do IRS' não são de aceitar, 'uma vez que as mesmas, no caso em apreço, sempre colidiam com as garantias dos contribuintes decorrentes do princípio constitucional da tipicidade tributária'.
No fundo, o que o recorrente faz é atacar 'o douto entendimento do Mmº Juiz a quo' e defender, noutra perspectiva, e no essencial, que 'é inconcebível que possa ser sustentado, como se colhe da decisão em apreço, que possa existir juro sem utilização do capital', e que 'não se achava, à face da legislação vigente à data da ocorrência dos factos que originaram a liquidação ora impugnada, adstrito ao dever de proceder à retenção na fonte dos chamados juros decorridos', o que é um discurso centrado na extensão normativa, qualquer que ela seja, daí advindo a colisão com o princípio da tipicidade tributária.
Tanto assim que no acórdão recorrido não é tratada nenhuma questão de constitucionalidade normativa, antes e só interpretou-se a norma questionada do artigo 6º, nº 1, c), partindo de uma específica noção de rendimento e de juros, no sentido de abranger os juros decorridos (relativos, portanto, a um período anterior ao vencimento dos juros dos títulos transaccionados), para concluir, sem mais, que, estando-se em face de um rendimento, 'como reconhece o recorrente, a sentença recorrida está certa nesta parte, pois verificam-se os pressupostos da norma de incidência'.
Chegados aqui, e à semelhança da hipótese tratada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 221/95, publicado no Diário da República, II Série, nº146, de
27 de Junho de 1995, para cuja fundamentação se remete, é fácil de ver que a recorrente não cumpriu um dos requisitos do recurso de constitucionalidade de que se serviu in casu, o da exigência de suscitação da questão de inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo ( artigo 280º, nº
1, b), da Constituição, e artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). E também em obediência a esse requisito, não suscitou uma questão de inconstitucionalidade, no plano da interpretação da norma em colisão com a Lei Fundamental (norma inconstitucional, numa certa interpretação da mesma). Em jogo, na tese da recorrente, esteve sempre matéria decisória das instâncias e nunca matéria normativa. Por outras palavras: o que sempre foi questionado pela recorrente foi a violação do 'princípio constitucional da tipicidade tributária' enquanto dirigido ao julgador, donde que tal violação, a ter lugar, houvesse de radicar na decisão daquele, e não em norma por ele aplicada. E já não pode a recorrente tirar proveito algum do texto e das conclusões das suas alegações apresentadas perante este Tribunal Constitucional - e mesmo aí sustentando, em síntese final, que 'deve ser declarada a inconstitucionalidade do Douto Acórdão proferido (...)' -, pois não é esse o momento processual adequado para cumprir o aludido pressuposto processual. Daí que não se possa conhecer do mérito do presente recurso de constitucionalidade, entrando na questão de fundo, quanto à norma questionada do artigo 6º, nº 1, alínea c), por faltar um dos seus pressupostos legais, o da suscitação durante o processo da questão de inconstitucionalidade.
10. Por sua vez, acrescente-se ainda, no que toca à norma constante do diploma de 1992, interpretada no sentido de ser aplicável a situações verificadas antes da sua entrada em vigor, que não haveria nunca interesse juridicamente relevante na sua apreciação, para a julgar (in)constitucional, pois nenhuma utilidade poderia resultar de tal julgamento, face à posição assumida no acórdão recorrido.
É que, nesse acórdão assentou-se que 'o intérprete, ao procurar o sentido das várias categorias de rendimento indicadas no artº 1º do CIRS, tem de ter em conta que a lei partiu deste conceito amplo de rendimento', e que, ao tempo do facto tributário, 'o intérprete só pode entender a expressão no sentido de juros lato sensu, como qualquer rendimento do capital, INDEPENDENTEMENTE DA FORMA POR QUE SEJAM AUFERIDOS (Nº 2 DO ARTº 1º)'.
E mais: 'a nova redacção dada à norma de incidência não veio consagrar um novo conceito de juros mas veio explicitar o conceito anterior a fim de evitar a evasão (não ilisão) fiscal que se estava a verificar' ('Também aquela norma foi uma explicitação do direito anterior, pois já assim tinha de ser, tendo em conta o conceito de rendimento acréscimo' e daí que, 'ao tempo do facto tributário, in casu, se aplicasse o regime que resultou do DL 263/92' - é como de forma clara se conclui no acórdão).
Portanto, ainda que o juízo eventual fosse um juízo de inconstitucionalidade, sempre o tribunal a quo manteria o entendimento de que era de aplicar, in casu, o direito anterior à norma de 1992, com o mesmo regime que resultou desta data, pois 'incidia IRS não só sobre os juros vencidos como sobre os 'juros decorridos', na gíria bancária'.
11. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso, em toda a sua extensão. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 12 de Abril de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa