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Processo n.º 689/92 Conselheiro Messias Bento
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório.
1. UM GRUPO DE DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL DOS AÇORES vêm, ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o que preceitua a alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito da Lei Fundamental, requerer se declare a ilegalidade, com força obrigatória geral, dos Despachos Normativos nºs 237/92, 242/92, 243/92, 244/92 e
254/92, todos de 12 de Novembro, emanados da Presidência do Governo Regional e da Secretaria Regional da Administração Interna, os nºs 237/92 e 254/92, e da Presidência do Governo Regional e da Secretaria Regional da Economia, os restantes, e publicados todos (com excepção do n.º 254/92, que o foi no respectivo suplemento) no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, n.º 46, I série, de 12 de Novembro de 1992.
Sustentam os recorrentes que os referidos despachos normativos violam o n.º 2 do artigo 42º da Lei n.º 9/87, de 26 de Março (Estatuto da Região Autónoma dos Açores), uma vez que: a). Os Despachos Normativos citados consagram a delegação de diversas competências no âmbito dos titulares dos departamentos governamentais; b). Por sua vez o Decreto Legislativo Regional nº 36/88/A, de 28/11/98, é o dispositivo normativo vigente que estabelece a estrutura orgânica do Governo Regional dos Açores. c). Acresce que qualquer alteração à estrutura orgânica o executivo regional tem obrigatoriamente de ser feita por Decreto Legislativo Regional, de acordo com o estabelecido no nº 2 do artº 42 da já citada Lei 9/87. d). Acresce ainda que no caso vertente dos Despachos Normativos em causa não se assiste tão-só a uma mera delegação de competências intradepartamentais, como inclusivamente se verifica uma alteração no número dos secretários regionais, tudo isto feito por meros Despachos Normativos (vide artº 2 do D.L.R nº 36/88/A, de 28/11/89, conjugado com o nº 2 do artº 42º da Lei 9/87, de 26 de Março). Assistimos assim a uma manifesta violação geral do respeito pela hierarquia dos diplomas legais já que por um simples Despacho Normativo se vem alterar aquilo que só pode ser modificado por um Decreto Normativo Regional, sendo certo que no caso sub judice não se verifica uma simples delegação de competências para actos de mera gestão corrente. Com efeito, constata-se a alteração das áreas de competência do Secretário Regional da Juventude e recursos Humanos, fixadas no artº 7º do Decreto Legislativo Regional nº 36/88/A, a qual, por mero Despacho Normativo vê essa
áreas alargadas a outras que anteriormente, e por força do artº 10º eram da competência exclusiva do Secretário Regional da Economia. O mesmo se diga em relação ao Secretário Regional da Saúde e Segurança Social e das Finanças e Planeamento que vêem alargadas as sua áreas de competência com matérias que, anteriormente, e por força do artº 5º do mesmo diploma legal, eram da área exclusiva do Secretário Regional da Administração Interna. Nestes termos deverá o Tribunal Constitucional decretar a ilegalidade com força obrigatória geral dos Despachos Normativos citados por violação do disposto na norma já referida do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Notificado do pedido, veio o PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES responder, dizendo que 'os despachos normativos questionados não violam o disposto no n.º 2 do artigo 42º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, devendo, por isso, ser reconhecida a sua legalidade (...), se não se optar por considerar-se o Tribunal incompetente ou a lide extinta'. Para concluir deste modo, o Presidente do Governo Regional argumentou como segue:
1º Os despachos normativos em causa não violam, contrariamente ao que se alega, o artigo 42º, nº 2 da Lei 9/87, de 26 de Março – Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA). Com efeito,
2º O Presidente do Governo Regional pode – nos termos do que dispõe o nº 2 do artigo 61º daquele mesmo diploma – ter directamente a seu cargo qualquer dos departamentos regionais, entendendo-se, como tais,
3º As secretarias regionais, em princípio dirigidas por um secretário regional, mas sem prejuízo da possibilidade de assunção dessa responsabilidade pelo próprio Presidente do Governo Regional, de acordo com o nº 1 do artigo 63º do EPARAA; Assim,
4º A hipótese de uma secretaria regional ficar sob directa responsabilidade do Presidente do Governo Regional pressupõe, naturalmente, que não esteja ocupado o correspondente cargo de secretário regional.
5º Nesta medida, o número e a denominação dos secretários e subsecretários regionais, a que alude o nº 2 do artigo 42º do EPARAA, tem de se entender com a referência aos cargos que são criados e não ao efectivo preenchimento dos mesmos, pelo que nada há de anormal no facto de o número de titulares designado ser inferior ao número de cargos existentes, por utilização da faculdade prevista no nº 2 do artigo 61º do referido diploma legal.
6º Por outro lado, embora as atribuições em princípio se definam como os fins que a determinada pessoa colectiva cabe prosseguir, enquanto as competências seriam os poderes aos órgãos dessa pessoa colectiva por lei reconhecidos para prossecução daqueles fins, verifica-se que nas Regiões Autónomas – ao contrário do que por exemplo acontece para as autarquias locais e à semelhança do que se define para os vários Ministérios do Governo – as próprias atribuições, embora cometidas em globo à pessoa colectiva Região Autónoma no artigo 229º da Constituição, são depois distribuídas não só entre os órgãos de governo próprio
(Assembleia Legislativa Regional e Governo Regional), como ainda, dentro do Governo Regional, entre os seus diversos departamentos, como melhor se colhe do Decreto Legislativo Regional nº 36/88/A, de 28 de Novembro.
7º Assim sendo, então a possibilidade contemplada no nº 2 do artigo 61º do EPARAA reporta-se não apenas às competências, mas outrossim às atribuições definidas para o departamento regional que, portanto, podem ficar directamente a cargo do Presidente do Governo Regional na hipótese de não haver titular designado, tal como aconteceu no presente caso.
8º A possibilidade de o Presidente do Governo Regional ter a seu cargo qualquer dos departamentos regionais, aliás, não é senão uma consequência natural da estrutura hierárquico-funcional em que o Governo Regional se organiza (vide nº 2 do artigo 1º do Decreto Regional nº 30/82/A, de 28 de Outubro), onde a competência dos níveis superiores da hierarquia em princípio engloba a dos inferiores – a não ser que a lei qualifique a competência como exclusiva (cfr. o nº 1 do artigo 142º do Código do Procedimento Administrativo) – enquadrando-se portanto na competência genérica a que se refere o nº 2 do artigo 4º do Decreto Legislativo Regional nº 36/88/A, de 28 de Novembro.
9º Assim, a competência genérica do Presidente do Governo Regional tem por características a expansibilidade, dado que, na falta de titular de alguma secretaria regional, logo absorve a área das respectivas atribuições, que desse modo automaticamente se integram na Presidência, sendo certo que,
10º Numa hipótese em que o Presidente do Governo Regional tenha também a seu cargo um outro departamento regional, atendendo ao disposto no nº 2 do artigo
61º do EPARAA, sempre fica a possibilidade de delegação de poderes habilitada pelo nº 4 do artigo 4º do Decreto Legislativo Regional nº 36/88/A, de 28 de Novembro, trata-se de uma prerrogativa pessoal do Presidente, que por maioria de razão, quando não for por simples aplicação analógica, cobre o caso em que se verifique acumulação de pastas na sua pessoa. Com efeito, se o Presidente pode delegar noutros membros do Governo poderes incluídos no núcleo da competência presidencial, também poderá proceder, do mesmo modo, quando acumule a titularidade de outros departamentos regionais.
11º Nestes termos, não se vislumbra qualquer violação do nº 2 do artigo 42º do EPARAA, dado que as áreas de competência e as bases da orgânica do departamento regional permaneceram intocados, apenas se accionando o mecanismo da delegação de competências legalmente previsto e, aliás, habitual nas organizações.
12º De toda a forma, o acto de delegação de poderes, por definição, é um acto de conteúdo individual e não uma norma genérica, pelo que, por força da própria Constituição, fica excluído da fiscalização de legalidade do Tribunal Constitucional, a qual se restringe a 'normas' (Constituição, artigo 281º, 1, alíneas a), b), c), e d)), cabendo, quanto muito, o que aliás se considera discutível, à competência do Supremo Tribunal Administrativo.
13º Admitindo – sem conceder – outro entendimento que sobre a matéria se tenha, o facto é que, entretanto, no uso da delegação de poderes, se praticaram actos administrativos, inclusivamente constitutivos de direitos para os particulares, pelo que julgamos existirem razões de segurança jurídica e de equidade que aconselhariam a limitação dos efeitos de uma eventual declaração de ilegalidade dos despachos normativos questionados, ao abrigo do nº 4 do artigo 282º da Constituição, designadamente salvaguardando os efeitos dos actos já praticados no uso da delegação.
14º O ponto anterior apenas se formula por cautela, pois, para além das razões já invocadas quanto à forma e quanto ao fundo da causa, a verdade é que o presente recurso deverá considerar-se extinto, por inutilidade superveniente da lide, já que os despachos questionados, tendo cumprido a respectiva função transitória, prévia à aprovação e entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional nº 1/93/A, de 5 de Janeiro, que reestruturou o Governo da Região Autónoma dos Açores, têm de ser considerados caducos e até por isso mesmo foram expressamente revogados, juntamente, aliás, com outros despachos de delegação de competências (Docs. 1 a 7, que se juntam), correspondentes ao período em que acumulei com as funções de Presidente as de Secretário Regional da Administração Interna e Secretário Regional da Economia, pelo meu despacho normativo nº
37-A/93, datado de 16 de Janeiro, publicado no Jornal Oficial da Região, I Série, nº 3, suplemento, de 21 de Janeiro de 1993 (Doc. 8).
2. Fixada a orientação do Tribunal em conformidade com o que vinha proposto no memorando apresentado (ou seja, no sentido do não conhecimento do pedido), foram os autos distribuídos para elaboração do acórdão. Há, agora, que decidir.
II. Fundamentos:
3. Os despachos questionados: Os despachos, cuja ilegalidade se pede seja declarada, dispõem como segue: Despacho Normativo n.º 237/92: Tendo assumido, como Presidente do Governo e em acumulação, o cargo de Secretário Regional da Administração Interna, delego no Secretário Regional da Saúde e Segurança Social, Sr. Dr. António Manuel Goulart Lemos de Menezes, as minhas competências legais em matéria de protecção civil e bombeiros, bem como as competências relativas ao Serviço Regional de Protecção Civil e à Inspecção Regional de Bombeiros. Despacho Normativo n.º 242/92: Tendo assumido, como Presidente do Governo e em acumulação, o cargo de Secretário Regional da Economia, delego no Secretário Regional das Finanças e Planeamento, Sr. Dr. Gualter José de Andrade Furtado, as minhas competências legais em matéria de promoção do investimento e privatizações, bem como as competências relativas ao IIPA – Instituto de Investimento e Privatizações dos Açores. Despacho Normativo n.º 243/92: Tendo assumido, como Presidente do Governo e em acumulação, o cargo de Secretário Regional da Economia:
1 – Delego no Secretário Regional da Juventude e Recursos Humanos, Sr. Engº Técnico Agrário António José Gaspar da Silva, as minhas competências legais nas seguintes matérias: a. Comércio interno e externo; b. Indústria; c. Energia.
2 – Nos mesmos termos, delego também as competências relativas aos seguintes serviços: a. Direcção Regional do Comércio; b. Direcção Regional da Indústria e Energia.
3 – Delego, ainda, as competências relativas à EDA, EP e FTM, EP. Despacho Normativo n.º 244/92: Tendo assumido, como Presidente do Governo e, em acumulação, o cargo de Secretário Regional da Economia, delego no Secretário Regional da Habitação e Obras Públicas, Sr. Américo Natalino Pereira de Viveiros, as minhas competências legais em matéria de transportes e comunicações, bem como a competência relativa
à Direcção Regional de Transportes, às Juntas Autónomas de Portos e à SATA, EP. Despacho Normativo n.º 254/92: Tendo assumido, como Presidente do Governo e em acumulação, o cargo de Secretário Regional da Administração Interna;
1 – Delego no Secretário Regional das Finanças e Planeamento, Dr. Gualter José de Andrade Furtado, as minhas competências legais nas seguintes matérias: a. Administração regional autónoma e autárquica; b. Organização, gestão e racionalização administrativa; c. Função Pública.
2 - Nos mesmos termos, delego, também, as competências relativas aos seguintes serviços: a. Direcção Regional de Administração e Pessoal; b. Direcção Regional da Administração Local.
4. Do não conhecimento do pedido:
4.1. Como se viu, o Presidente do Governo Regional sustenta que os despachos normativos sub iudicio não são 'normas genéricas' (actos normativos), mas sim
'actos de conteúdo individual', já que, através deles, se limitou a delegar competências que exercia em acumulação, por, enquanto Presidente do Governo Regional, ter assumido os cargos de Secretário Regional da Administração Interna e de Secretário Regional da Economia. Por isso, como a fiscalização da legalidade, que a Constituição põe a cargo deste Tribunal, só pode ter por objecto normas, não é da sua competência ajuizar da legalidade dos referidos despachos. Acrescenta que os mesmos despachos não são ilegais; mas que, se, acaso, vier a entender-se o contrário (e, assim, a declarar-se a sua ilegalidade, com força obrigatória geral), então, o Tribunal deve, por razões de segurança jurídica e de equidade, limitar os efeitos da ilegalidade, uma vez que, 'no uso da delegação de poderes, se praticaram actos administrativos, inclusivamente constitutivos de direitos dos particulares' Por último, diz o Presidente do Governo Regional que os referidos despachos caducaram com a publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/A, de 5 de Janeiro, que reestruturou a orgânica do Governo Regional dos Açores, e foram, mesmo, revogados expressamente pelo Despacho Normativo n.º 37-A/93, de 16 de Janeiro (publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, I série, n.º
3, de 21 de Janeiro de 1993). E que, por isso, o pedido se extinguiu por inutilidade superveniente.
4.2. Pois bem: não restam dúvidas de que, tal como sustenta o Presidente do Governo Regional, os despachos que constituem objecto do pedido foram expressamente declarados caducos e, 'para maior segurança', também expressamente revogados pelo Despacho Normativo n.º 37-A/93, de 21 de Janeiro, que dispôs assim: Considerando que, pelos Despachos Normativos nºs 237/92, 238/92, 239/92, 240/92,
243/92, 244/92, 254/92 e 255/92, de 12 de Novembro, e o Despacho Normativo nº
283/92, de 10 de Dezembro, bem como pelos despachos D/PG/SRAI/92/1, de 28 de Outubro de 1992 (publicado no Jornal Oficial, II série, nº 44, suplemento de 3 de Novembro de 1992, D/PG/SRE/92/1, de 28 de Outubro de 1992 (publicado no Jornal Oficial, II série, nº 46, de 17 de Novembro de 1992, D/PG/SRAI/92/2, D/PG/SRAI/92/3, D/PG/SRAI/92/4, datados de 28 de Outubro (publicados no Jornal Oficial, II série, nº 44, suplemento de 3 de Novembro de 1992, D/PG/SRE/92/1, de
28 de Outubro de 1992 (publicados no Jornal Oficial, II série, nº 46, de 17 de Novembro de 1992, D/PG/SRAI/92/2, D/PG/SRAI/92/3, D/PG/SRAI/92/4, datados de 28 de Outubro (publicados no Jornal Oficial, II série, nº 47, de 24 de Novembro de
1992, e D/PG/SRE/93/1, datado de 28 de Outubro de 1992 (publicado no Jornal Oficial, II série, nº 4, de 26 de Janeiro de 1993, deleguei algumas das competências dos cargos de Secretário Regional da Administração Interna e de Secretário Regional da Economia, que acumulei com o de Presidente do Governo Regional, ao abrigo do disposto no artigo 61º, nº 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores; Considerando que foi publicado o Decreto Legislativo Regional nº 1/93/A, de 5 de Janeiro, que altera a estrutura do Governo Regional dos Açores; Considerando que, em seguimento daquele diploma, foi publicado no Diário da República o Decreto de 15 de Janeiro de 1993, de Sua Excelência o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, a nomear Secretários Regionais nas
áreas de competências por mim delegadas nos referidos despachos; Considerando que os cargos por mim assumidos , em acumulação com a Presidência do Governo, foram extintos pelo citado Decreto Legislativo Regional nº 1/93/A, de 5 de Janeiro; Considerando, finalmente, que aqueles despachos cumpriram já a função transitória de que se revestiam. Assim determino o seguinte:
1 – Declaro caducos e, para maior segurança, revogo os Despachos Normativos nºs
237/92, 238/92, 239/92, 240/92, 242/92, 243/92, 244/92, 254/92 e 255/92, de 12 de Novembro, e respectivo suplemento, e o Despacho Normativo nº 283/92, de 10 de Dezembro, e os despachos D/PG/SRAI/92/1, de 28 de Outubro de 1992, publicado no Jornal Oficial, II série, nº 44, suplemento, de 3 de Novembro de 1992, D/PG/SRE/92/1, de 28 de Outubro de 1992 (publicado no Jornal Oficial, II série, nº 46, de 17 de Novembro de 1992, D/PG/SRAI/92/2, D/PG/SRAI/92/3, D/PG/SRAI/92/4, datados de 28 de Outubro e publicados no Jornal Oficial, II série, nº 47, de 24 de Novembro de 1992, e D/PG/SRE/93/1, datado de 28 de Outubro de 1992, publicado no Jornal Oficial, II série, nº 4, de 26 de Janeiro de 1993.
2 – O presente despacho normativo produz efeitos a partir do dia 16 de Janeiro de 1993, data da tomada de posse dos novos Secretários Regionais, em resultado da alteração operada na estrutura do Governo Regional pelo Decreto Legislativo Regional nº 1/93/A, de 5 de Janeiro.
De resto, mesmo que os ditos despachos não tivessem caducado pela razão invocada ou, de todo o modo, o seu autor os não tivesse revogado expressamente, como revogou, sempre eles teriam caducado na sequência da exoneração de funções do Presidente do Governo Regional que os emitiu.
4.3. Como, porém, os despachos aqui sub iudicio caducaram ou foram revogados, é inútil decidir a questão prévia da incompetência deste Tribunal para apreciar a questão da sua ilegalidade, suscitada pelo autor dos mesmos.
É que, no presente caso, a caducidade ou a revogação torna inútil o próprio conhecimento da questão de ilegalidade.
É certo que, como este Tribunal decidiu no acórdão n.º 17/83 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Janeiro de 1984) e, posteriormente, repetiu em muitos outros arestos, a revogação da norma que constitui objecto do pedido não é bastante para, de per si, obstar à declaração da sua inconstitucionalidade (ou da sua ilegalidade), com força obrigatória geral, pois, operando essa declaração, em princípio, ex tunc, produz efeitos que retroagem à data da entrada em vigor da norma. Haverá, por isso, interesse na emissão de uma tal declaração, toda a vez que ela for indispensável para eliminar os efeitos produzidos pelo normativo questionado durante o tempo em que vigorou. Há-de, no entanto, 'tratar-se de um interesse com conteúdo prático apreciável, pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes e possam facilmente ser removidos de outro modo' (cf., entre outros, os acórdãos nºs 238/88 e 465/91, publicados no Diário da República, II série, de
21 de Dezembro de 1988 e 2 de Abril de 1992, respectivamente). Reconheceu-se existir um tal interesse nos casos decididos nos acórdãos nºs
91/85, 177/86, 282/86, 103/87, 12/88 (publicados no Diário da República, I série, de 18 de Julho de 1985, 19 de Setembro de 1986, 11 de Novembro de 1986, e
6 de Maio de 1987, respectivamente), 400/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 15 de Novembro de 1991), 213/92,.806/93 (publicados no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992, e 29 de Janeiro de 1994, respectivamente). A emissão de uma tal declaração de ilegalidade (ou de inconstitucionalidade) já, porém, não se justifica, se não houver um interesse jurídico relevante - um interesse prático apreciável - na apreciação do pedido. É o que sucede, quando os meios individuais e concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional (ou ilegal), como ocorreu nos casos que foram julgados nos acórdãos nºs 308/93, 397/93, 188/94, 580/95 e 117/97
(publicados no Diário da República, II série, de 22 de Julho de 1993, 14 de Setembro de 1993, 19 de Maio de 1994, 30 de Dezembro de 1995, e 26 de Março de
1997, respectivamente). E sucede outro tanto, quando concorram razões de equidade ou de segurança jurídica que aconselhem a que se ressalvem os efeitos entretanto produzidos pela norma revogada, se acaso ela for inconstitucional, como aconteceu nos casos apreciados nos acórdãos nºs 238/88, 319/89, 415/89,
73/90, 135/90, 465/91, 308/93, 398/93, 804/93, 186/94, 57/95, 121/95, 497/97 e
625/97 (publicados no Diário da República, II série, de 21 de Dezembro de 1988,
28 de Junho de 1989, 15 de Setembro de 1989, 19 de Julho de 1990, 7 de Setembro de 1990, 2 de Abril de 1992, 22 de Julho de 1993, 20 de Dezembro de 1993, 31 de Março de 1994, 14 de Maio de 1994, 12 de Abril de 1995, 13 de Abril de 1995, e
10 de Outubro de 1997, respectivamente). Nas hipóteses deste último tipo, com efeito, sendo 'visível a priori que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) que viesse a proferir, bem se justifica que conclua desde logo o Tribunal pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito' (são palavras do acórdão n.º 319/89). Ou, nos dizeres do acórdão n.º 238/88: 'seria de todo irrazoável e inadequado ir apreciar a constitucionalidade de normas, quando de antemão se sabe que, no caso de se vir a concluir pela sua ilegitimidade constitucional, o Tribunal não deixaria que a declaração de inconstitucionalidade produzisse o único efeito útil que, na hipótese, era susceptível de produzir'.
4.5. Pois bem: no presente caso, se o Tribunal fosse conhecer do pedido formulado e viesse a declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade dos despachos sub iudicio, o efeito de tal declaração era a anulação dos múltiplos actos praticados ao abrigo da delegação de poderes neles conferida, alguns dos quais são actos administrativos constitutivos de direitos dos particulares. Este efeito, se não estivesse já excluído quanto aos casos resolvidos por força do princípio do nº 3 do artigo 282º da Constituição, é, porém, de evitar. Exige-o a segurança jurídica a que as pessoas têm direito e reclamam-no razões de equidade. Por isso, se, acaso, o Tribunal, conhecendo do pedido, concluísse pela ilegalidade dos ditos despachos, haveria de limitar os efeitos, por forma a salvaguardar a validade e a eficácia daqueles actos, salvo se algum houvesse pendente de recurso contencioso. Mas, então, seria de todo irrazoável e inadequado que ele fosse apreciar a legalidade dos mencionados despachos, quando de antemão sabe que, a concluir pela sua ilegalidade, logo esvaziaria de conteúdo a respectiva declaração, pois impediria a produção do único efeito que ela era susceptível de produzir: a anulação daqueles actos.
Do que se disse resulta que não existe um interesse jurídico relevante - um interesse prático apreciável - no conhecimento do pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, formulado nestes autos. E, como o processo pressupõe a existência de interesse jurídico na prolação de uma decisão sobre o fundo, a conclusão a tirar é a de que não deve tomar-se conhecimento do pedido.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido.
Lisboa, 10 de Novembro de 1998 Messias Bento Luis Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa